A leitura da Carta do Pantanal marcou um dos momentos mais simbólicos da Pré-COP30 – Bioma Pantanal, realizada nesta terça-feira (30), no auditório da Faculdade Instead, em Campo Grande. Elaborado pelo Fórum Sul-Mato-Grossense de Mudanças Climáticas, por meio da Câmara Técnica dedicada ao bioma, o documento foi endereçado à Diretora Executiva da COP30, Ana Toni, e reforça a contribuição do Pantanal, considerado o maior sistema úmido continental do planeta, à agenda climática global.
Antes da leitura, o secretário-adjunto da Semadesc, Artur Falcette, destacou o caráter participativo do processo de construção da Carta. “As entidades que representam os diversos atores da sociedade terão autonomia para colher qualquer tipo de participação, de modo que possamos incorporar essas contribuições no material final. Essas organizações terão legitimidade para, em nome de seus setores, apresentar as propostas”, afirmou.
Para o processo de contribuição com a Carta, Falcette citou a participação do Conselho de Reitores das Instituições de Ensino Superior de MS e da Embrapa Pantanal; da sociedade civil organizada, representada pela SOS Pantanal, Instituto Homem Pantaneiro e WWF; da iniciativa privada, com a Famasul; dos povos originários, pelo Conselho Estadual dos Direitos dos Povos Originários; e do Poder Público Estadual, com a Secretaria de Estado da Cidadania, que acolhe demandas das comunidades quilombolas e ribeirinhas.
O documento ressalta que o Pantanal, reconhecido por sua biodiversidade singular e pelos modos de vida tradicionais que abriga, enfrenta um cenário de vulnerabilidade agravado pelas mudanças climáticas. Secas severas, enchentes extremas e incêndios de grande escala se somam a deficiências históricas de infraestrutura em saúde, educação, acesso e saneamento básico, comprometendo tanto a conservação ambiental quanto a qualidade de vida das populações pantaneiras.
Como resposta, a Carta propõe a formulação de um Plano Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Pantanal, articulando políticas ambientais, sociais e econômicas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Entre as recomendações centrais estão a adoção de instrumentos de pagamento por serviços ambientais, estímulo à bioeconomia e ao turismo sustentável, além do fortalecimento da infraestrutura científica e tecnológica para prevenir e responder a eventos extremos. O texto também defende a institucionalização de mecanismos permanentes de participação social e monitoramento das políticas públicas.
Outro ponto de destaque é a necessidade de modernizar o olhar do governo federal sobre as políticas de preservação do Pantanal, transformando em normas jurídicas os anseios das populações locais. O documento enfatiza a valorização dos povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas, além dos produtores rurais que ocupam 97% da extensão do bioma, como protagonistas da conservação. “Ignorá-los é tratar a conservação de forma superficial e meramente teórica”, alerta a Carta.
Inspirada no espírito coletivo que possibilitou a criação da Nova Lei do Pantanal e do Pacto Pantanal, a Carta reforça que o bioma pode se tornar referência mundial em resiliência climática e justiça socioambiental, desde que haja convergência entre conhecimento científico, engajamento governamental e participação cidadã. “Que o Pantanal seja transvisto, respeitado e cuidado, assim como cada ser que nele habita”, conclui o documento, citando Manoel de Barros.
A Pré-COP30: Bioma Pantanal reuniu cerca de 400 pessoas, entre autoridades estaduais e nacionais, representantes da sociedade civil, da comunidade acadêmica e do setor produtivo. A abertura oficial contou com a presença do governador Eduardo Riedel, que reforçou o papel estratégico do Pantanal na agenda climática e de desenvolvimento sustentável do Brasil.
Confira a íntegra da Carta do Pantanal
À Sua Excelência,
Diretora Executiva da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), Ana Toni
Excelentíssima Senhora,
O poeta pantaneiro Manoel de Barros nos diz: “O Pantanal me ensinou a olhar as pequenas coisas, que são as maiores”. A frase do poeta resume para nós a ideia de que a ciência e a sociedade precisam valorizar não apenas os grandes planos, mas também os detalhes que sustentam a vida no bioma — a água, os ciclos naturais, as comunidades locais e suas atividades econômicas em sinergia com cada elemento único da sua biodiversidade.
Com esse espírito de olhar atento a cada pequeno fragmento do nosso Pantanal, o Fórum Sul-Mato-Grossense de Mudanças Climáticas, por meio de sua Câmara Técnica dedicada ao Bioma Pantanal, tem a honra de dirigir-se a Vossa Excelência neste evento preparatório para a COP 30. Nossa intenção é reforçar a contribuição do Pantanal — o maior sistema úmido continental do planeta — à agenda climática global, respondendo ao chamado feito na primeira carta de liderança do Presidente da COP 30: implementar, com urgência e de forma efetiva, os compromissos já assumidos no âmbito internacional.
O Pantanal, reconhecido por sua singular biodiversidade e pelos modos de vida tradicionais que abriga, convive em um cenário de vulnerabilidade. Os impactos das mudanças climáticas, materializados em secas severas, enchentes extremas e incêndios de grande escala, somam-se a deficiências de infraestrutura relacionadas à saúde, educação, acesso e saneamento básico, que são resultados de uma construção histórica. Esses fatores comprometem não apenas a conservação ambiental, mas também a qualidade de vida das populações pantaneiras.
Diante desse cenário, a Câmara Técnica estruturou, a partir de amplo processo participativo e com base em metodologias científicas robustas, um conjunto de estratégias, objetivos e ações para orientar a transformação territorial do Pantanal. O trabalho envolveu especialistas, setor produtivo, organizações da sociedade civil, academia e poder público, resultando em propostas que integram governança multinível, inovação institucional e valorização dos saberes locais.
Entre as recomendações centrais, destaca-se a necessidade de formulação de um Plano Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Pantanal, capaz ultrapassar as fronteiras dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso Sul através da articulação de políticas ambientais, sociais e econômicas que integrem de forma precisa o conceito de sustentabilidade, sem que nenhum de seus pilares seja sequestrado na discussão, como temos visto cada vez mais nos dias atuais. Soma-se a isso a adoção de instrumentos de pagamento por serviços ambientais e de estímulo à bioeconomia e ao turismo, com o fortalecimento da infraestrutura científica e tecnológica para prevenir e responder a eventos extremos, bem como a institucionalização de mecanismos permanentes de participação social e de monitoramento das políticas públicas. Essas ações não demandam a criação de novos compromissos internacionais, mas sim a concretização dos que já existem, conforme o apelo feito pelo Embaixador André Correa do Lago.
Acreditamos que o Pantanal pode se tornar referência mundial de resiliência climática e justiça socioambiental, desde que haja convergência entre conhecimento técnico-científico, engajamento governamental e participação cidadã, valores que desde a construção de Nova Lei do Pantanal de Mato Grosso do Sul, possibilitaram reunir no entorno das discussões sobre o Pantanal todos os segmentos da nossa sociedade, em busca de um bem maior. Esse espírito coletivo possibilitou que juntos criássemos o Pacto Pantanal, o maio programa de conciliação entre desenvolvimento e conservação que o nosso Estado já viu. E é com esse olhar de cooperação e modernidade que olhamos para o futuro do Bioma mais preservado do nosso País.
É urgente modernizar o olhar do governo federal sobre as políticas de preservação do Pantanal. É necessário transformar em normas jurídicas os anseios das populações locais, reconhecendo que instrumentos de mercado, como os títulos de cotas e o pagamento por serviços ambientais, são fundamentais não apenas para garantir que o bioma mais preservado do mundo assim permaneça, mas também para valorizar aqueles que historicamente têm sido os guardiões desse território e que não habitam Campo Grande, Cuiabá ou Brasília. Território de povos indígenas, comunidades ribeirinhas e de propriedades rurais que ocupam 97% de sua extensão, o Pantanal exige políticas públicas construídas com a participação efetiva desses atores; ignorá-los é tratar a conservação de forma superficial e meramente teórica.
Colocamo-nos, assim, à disposição para que as propostas aqui apresentadas possam dialogar com a agenda da COP 30, reforçando o protagonismo da ciência e da sociedade civil na construção de soluções sustentáveis e pedindo apoio a Presidência da COP 30 para a construção de um diálogo moderno sobre políticas públicas junto ao governo federal. Que esta conferência seja um marco de implementação efetiva, em que as decisões se traduzam em impactos reais para territórios e populações.
E como no Pantanal, porteira que se abre, sempre se fecha, mais uma vez nosso poeta pantaneiro tem na sua obra a capacidade de traduzir nossos sentimentos:
“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
Que o Pantanal seja transvisto, respeitado e cuidado, assim como cada ser que nele habita.
Respeitosamente
Marcelo Armôa, Semadesc
Fotos – Mairinco de Pauda