Já que estamos em dias de cinzas, não custa animar um pouco. Pensando em agradar aos foliões meio desanimados com essa fase de longo batente que se tem pela frente – há quem torça o nariz para o período que vai do carnaval ao Natal — preparei um texto especialmente curto e especialmente otimista. A notícia é boa e alimenta o espírito de quem precisa acreditar que, sim, haverá tempo e condições de se plantar e colher o alimento necessário para acalmar a fome dos habitantes do planeta sem degradar a terra, sem impactar ainda mais a natureza.
Vamos por partes: o desmatamento, segundo o Observatório do Clima, respondeu por 35% do total dos gases do efeito estufa em 2013 no Brasil. E o setor agropecuário representa hoje 27% do conjunto de emissões no país, tendo crescido em 160% desde 1970. Uma série de fatores contribuem para isso, mas o metano emitido pelos animais e o uso de fertilizantes nitrogenados são apontados como os mais prováveis.
Dito isso, está claro que se acharmos uma chance de resolver de maneira definitiva os impactos causados pela agricultura, inclusive com algum ganho em escala, é possível que, entre outros ganhos, o Brasil, de fato, possa diminuir em 37% suas emissões até 2025, como a presidente Dilma Roussef prometeu na Conferência das Partes sobre o Clima (COP-21) em Paris no fim do ano passado. E foi lá mesmo que uma plateia pôde acompanhar o trabalho realizado numa fazenda, aqui no Brasil, que vem sendo apontada como um dos – felizmente não poucos – casos de agricultura que dá certo. Isso prova, mais do que nunca, que o sistema “business as usual” já está mais do que na hora de mudar.
Não cabe mais entender como verdade absoluta a necessidade, apregoada por muitos, de se jogar fertilizantes absurdamente na lavoura para dar conta de alimentar os 7 bilhões de habitantes do planeta sem correr o risco de pragas. Muita gente já está conseguindo provar o contrário. Como, por exemplo, o conceito de agricultura sintrópica criado pelo suíço Ernst Gotsch, dono da fazenda brasileira que se tornou referência internacional em Sistemas Agroflorestais Sucessionais. A prática é simples, mas exige trabalho e cuidado. Envolve técnicas de implantação e manejo mecanizado, recuperação de áreas degradadas e estudo de sistemas de produção em unidades agroflorestais.
Melhor do que tudo: Gotsch dá cursos para pequenos grupos no interior de São Paulo. E sua fazenda tornou-se mais um desses lugares paradisíacos que a gente torce para que se multipliquem cada vez mais. O princípio de tudo, diz o suíço no vídeo, deve ser um desejo de o ser humano se reconciliar com o planeta.
A experiência de Gotsch, o carinho que demonstra ao cuidar da terra, sobretudo a paciência que teve ao perceber que as pequenas tosas, feitas na hora certa, são absolutamente tudo o que é preciso para se ter um solo fértil e saudável, fizeram com que eu me lembrasse de uma história bonita que li em “Primavera Silenciosa” (Ed. Gaia) . Trata-se do livro da bióloga Rachel Carson que se tornou uma espécie de Bíblia para os ambientalistas porque foi onde se leu, pela primeira vez, os malefícios do uso desenfreado dos inseticidas e pesticidas em terras para agricultura.
Carson conta que no final dos anos 30 o diretor do ramo de pesquisas entomológicas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Edward Knipling, surpreendeu os colegas propondo um método singular de controle de insetos indesejados que causam problemas às lavouras.
“Se fosse possível esterilizar e soltar um grande número de insetos, teorizou ele, os machos esterilizados competiriam, em certas condições, com os machos selvagens normais de forma tão bem-sucedida que, depois de repetidas solturas, apenas ovos inférteis seriam produzidos, e a população se extinguiria”, conta ela.
Ninguém deu muito crédito ao cientista, mas ele começou a fazer experiências para tentar achar um método prático de esterilização de moscas-varejeiras, na época as maiores inimigas de rebanhos do Sul dos Estados Unidos. Um bezerros já bem desenvolvido pode morrer devido a uma infestação maciça e a escassez de veados em certas regiões do Texas era, na década de 60, quando o livro foi lançado, era atribuída a este inseto.
O ano era 1954 quando, finalmente, Edward Knipling, já com uma grande quantidade de informações sobre a biologia da mosca-varejeira, fez um acordo com o governo holandês e foi para a Ilha de Curaçao, no Caribe, isolada do continente por pelo menos 80 quilômetros de mar, para realizar seu teste. Os insetos criados e esterilizados em um laboratório na Flórida foram levados de avião para a ilha e soltos na proporção de cerca de 150 por quilômetro quadrado.
O resultado foi que, sete semanas depois, já era impossível encontrar massas de ovos de moscas varejeiras depositados em toda a ilha. O mesmo processo foi executado em larga escala para livrar os gados da Florida do mal provocado pelos insetos. Dessa vez, o projeto envolveu a produção semanal de cerca de 50 milhões de moscas e o uso de vinte aeroplanos para seguir rotas de voo predeterminadas, de cinco a seis horas por dia, cada um deles carregando mil caixas de papelão, cada uma contendo de 200 a 400 de insetos previamente esterilizados.
Quando este programa foi considerado completo, 17 meses depois, 3,5 bilhões de moscas esterilizadas, criadas aritificialmente, haviam sido soltas em toda a Florida e em regiões da Geórgia e do Alabama.
“A última infestação em alguma ferida de animal que pôde ser atribuída a moscas-varejeiras ocorreu em fevereiro de 1959”, conta Rachel Carson.
É o que tenho de bom para contar. Em grande escala, acabou-se com uma infestação sem usar um único produto químico nocivo ao homem. Portanto, é possível. E feliz Ano Novo!
Amelia Gonzalez