O leitor provavelmente já sabe que o etanol de cana é renovável, apresenta toxidez ambiental reduzida, é biodegradável, tem elevada octanagem e emite até 90% menos gases de efeito estufa (GEEs) do que a gasolina. No Brasil, sua produção e uso em larga escala se tornou um caso de sucesso não somente por conta dessas qualidades, mas também pela viabilidade técnica de substituir a gasolina, seja na forma de mistura com o combustível fóssil ou pelo seu uso direto. Utilizado desde a década de 1920, o grande avanço do etanol para se tornar um protagonista na nossa matriz energética ocorreu entre 1970 e 1980. Neste período, o produto passou a ser misturado na gasolina em escala nacional e nasceu o carro a álcool, que foi um tremendo sucesso nas décadas de 80 e 90.
Em 2003, foi a vez dos carros Flex revolucionarem o mercado, atingindo em 2016 mais de 25 milhões de automóveis, o que representa aproximadamente 70% da frota leve em circulação. Durante estes 13 anos, ao abastecer o seu carro com 100% de etanol hidratado ou gasolina misturada com etanol anidro (27% desde 2015), os motoristas evitaram que mais de 370 milhões toneladas de CO2 fossem despejadas na atmosfera, levando a um resultado equivalente ao obtido com o plantio e manutenção de mais de 2,6 bilhões de árvores nativas ao longo de 20 anos.
Os automóveis híbridos, que operam parte do tempo com propulsão elétrica e parte do tempo com a energia produzida por um motor de combustão interna, já utilizam gasolina com 27% de etanol. Sinônimo de sustentabilidade ambiental, por conciliar economia de combustível e baixa emissão de poluentes, os modelos híbridos poderão incrementar ainda mais estes atributos com a utilização direta do etanol, que já vem sendo cogitada por algumas montadoras. Portanto, é imperativo para os interesses do país que o governo federal incentive a inserção do automóvel híbrido que utiliza etanol em curto prazo por meio de estímulos destinados a baratear o seu preço final ao consumidor.
Em um patamar mais avançado que o dos veículos híbridos, os veículos elétricos vêm sendo celebrados como a melhor alternativa para atingir a emissão zero de poluentes e de GEE. Contudo, podem não atender essa expectativa se a energia utilizada para carregar suas baterias for gerada de fontes fósseis, que liberam para a atmosfera essas substâncias. Portanto, é fundamental que a energia elétrica seja obtida de fontes limpas, como a biomassa da cana, a água, o vento e o sol.
Uma opção interessante nesse contexto é a geração da energia elétrica a bordo do próprio veículo. A tecnologia da célula de combustível, que converte hidrogênio em eletricidade por meio de um processo eletroquímico, possibilita avançar nessa direção. A novidade é que o hidrogênio pode ser obtido do etanol em um equipamento chamado reformador. Assim, um veículo equipado com o reformador de etanol e com a célula de combustível pode ser abastecido normalmente com etanol, dispensando investimentos milionários na produção de hidrogênio e na logística de sua distribuição.
A Nissan, uma das principais montadoras do mundo, estudou o assunto e concluiu que o carburante obtido da cana seria uma fonte custo-efetiva de hidrogênio. Em agosto deste ano, durante as Olimpíadas no Rio de Janeiro, a marca apresentou um protótipo avançado com essa tecnologia. Pelo fato de gerar continuamente a eletricidade a bordo do veículo, a tecnologia permite a utilização de uma bateria de menor capacidade em relação à do veículo elétrico convencional, ao mesmo tempo em que apresenta uma autonomia superior, que ultrapassa 600 km com um tanque de 30 litros. Comparativamente, o custo do quilômetro rodado representaria cerca de um terço do custo atual do quilômetro rodado por um veículo a gasolina de última geração.
A empresa informa que a sua tecnologia também permite a utilização de misturas água-etanol, com até 55% de água, que poderiam ser utilizadas em mercados com oferta limitada de etanol. Apesar de ainda não estar pronto para produção em massa, o protótipo representa um salto para o futuro, quando a mobilidade sustentável não será mais uma exceção, mas a regra, e o etanol continuará contribuindo para que esse objetivo seja atingido (Alfred Szwarc é Consultor de Emissões e Tecnologia da União da Indústria de Cana de Açúcar (UNICA/SP);
Correio Braziliense