Paulo Herrmann, presidente da John Deere e da Rede de Fomento à ILPF, fala sobre as conquistas e desafios da tecnologia
Este ano, a Rede de Fomento à Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), formada pela Embrapa e empresas do agronegócio, encomendou junto ao Kleffmann Group a realização de uma pesquisa com dados concretos sobre a adoção dos sistemas integrados no Brasil.
Foram realizadas quase 8 mil entrevistas a nível nacional, sendo 3.105 com pecuaristas de gado de corte ou leite e 4.804 com produtores de soja ou milho verão. Divulgados em novembro último, os resultados ajudam a traçar um panorama das estratégias para aumentar a adoção dos sistemas no País. Para saber mais sobre o que foi apurado e conhecer melhor o trabalho da Rede de Fomento acompanhe abaixo entrevista com Paulo Herrmann, presidente da iniciativa e da empresa John Deere.
Portal DBO: O que motivou a criação da Rede de Fomento à ILPF?
A Rede de Fomento é uma parceria público-privada criada em 2012 para acelerar uma ampla adoção da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta por produtores rurais. A rede conta com as empresas John Deere, Cocamar, Dow AgroScience, Parker e Syngenta – além da Embrapa.
Mas, antes de falar da Rede, é preciso explicar que a tecnologia ILPF já conta com cerca de 30 anos de pesquisa, tendo sido desenvolvida na Fazenda Barreirão, no Tocantins, e em sucessivas pesquisas posteriores, até chegarmos no formato atual.
Então temos a Embrapa como a geradora do conhecimento, que detém o conhecimento tecnológico. Entretanto, só isso não basta: o assunto produtivo é uma parte da história que precisa ser complementada para que aquela pesquisa chegue até o campo efetivamente, de forma ampla. É nesse meio que a Rede de Fomento foi formada para atuar.
Toda tecnologia nova, quando é criada, ela tem um processo de adoção que é semelhante a um “S”, ou seja, demanda um certo tempo para o desenvolvimento e refinamento da tecnologia (por isso estas três décadas de pesquisa). Passado este primeiro momento, entramos na fase de difusão, que estamos vivendo agora.
Então, a Rede de Fomento dissemina todo este conhecimento científico e faz com que ele chegue aos ouvidos dos agricultores, por meio de ações de divulgação. Uma vez conhecendo a tecnologia, o agricultor vê as vantagens da adoção e parte para a fase posterior, que é da implantação. Nosso trabalho é conectar o que a Embrapa desenvolveu, a ciência, com a prática no campo.
Portal DBO: Como a Rede atua?
Atualmente temos cerca de 97 Unidades de Referência Tecnológica distribuídas em todos os biomas brasileiros, que contam com o apoio de 19 Unidades de Pesquisa da Embrapa. Essas unidades são locais e os agricultores podem visitá-las, tendo a oportunidade de conferir os benefícios da integração.
É preciso explicar que a ILPF é um sistema complexo, que envolve uma gestão diferente, um outro controle do fluxo de caixa, que tem um sistema de gestão que possa manejar cultura por cultura para saber onde estão as oportunidades de melhoria, entre outros desafios. É um processo que envolve uma estrutura de apoio diferenciada e, por isso, a Rede de Fomento está atuando para termos uma extensão rural qualificada para fazer este processo dentro da propriedade. Além disso, também estamos trabalhando com as escolas de Ciências Agrárias no sentido de preparar profissionais que entendam o sistema produtivo e não tenham uma visão especializada da agricultura, que só olha uma única cultura.
Por fim, realizamos Dias de Campos abertos para que as comunidades interessadas possam conferir o trabalho com a ILPF e ter o histórico. Um dos casos mais emblemáticos é o da Fazenda Santa Brígida, em Ipameri, GO. A propriedade é uma fazenda modelo no sistema de integração de culturas no Brasil, com 10 anos de pesquisa agronômica sobre a ILPF realizada no local e que mostra, em um período histórico, as vantagens e desafios da adoção.
Portal DBO: Qual a importância da realização da pesquisa conduzida pelo Kleffmann Group?
Para estabelecer quais passos dar era preciso entender de onde estávamos partindo, quanto havia de área com ILPF no País, algo que não era claro. Por isso a Rede de Fomento, com a Embrapa, encomendou um estudo para conhecer o real tamanho da adoção da ILPF no Brasil.
A publicação, que saiu no início de novembro (assinada pelos pesquisadores Ladislau Skorupa e Celso V. Manzatto, da Embrapa Meio Ambiente e realizada pelo Kleffmann Group), mostrou que o Brasil já tem 11,5 milhões de hectares com ILPF. Em 2005, essa área total era de 1,8 milhão de hectares. E, antes ainda, os melhores prognósticos falavam de 3,5 milhões de hectares. Ou seja, agora sabemos que temos 3 vezes mais adoção do que era estimado e que tivemos um aumento de quase 540% em 10 anos, em média.
Portal DBO: Quem pode adotar a tecnologia?
Temos que imaginar que a integração é possível em qualquer espaço agriculturável, uma vez que é uma tecnologia inteligente e adaptável aos ecossistemas. O que isso quer dizer? Quer dizer que em alguns locais só é viável ILP, em outros ILF e até mesmo IPF – basta um estudo técnico anterior à adoção e implantação.
Portal DBO: A pesquisa mostrou que, nos últimos cinco anos, o crescimento da adesão aos sistemas integrados foi de 10% entre os pecuaristas e de 1% entre os produtores de grãos. Por que o avanço foi maior em terras onde predomina a pecuária?
A pesquisa apontou alguns fatores e, segundo o estudo, a adoção maior entre pecuaristas acontece por dois motivos. Um deles é a busca por redução de impactos ambientais e o outro o uso da tecnologia para recuperação de pastagens.
Então, podemos entender que os pecuaristas estão preocupados com os impactos ambientais da atividade deles, em função das emissões de Gases de Efeito Estufa. Daí os autores indicarem, na nota técnica da pesquisa, que essa questão é “entendida como a preocupação frente às pressões, cada dia maiores, da sociedade e dos mercados”.
Como complemento, a ILPF é uma tecnologia que recupera as pastagens, sendo sua adoção uma clara oportunidade de trazer de volta uma área que hoje tem baixa produtividade. Então, é neste sentido que os pecuarista estão vendo com bons olhos a ILPF.
Mas é importante ressaltar que os demais produtores também estão se interessando pela tecnologia, porque, com ela, se consegue produzir 6 vezes mais em uma mesma área e ainda preservar o bioma. É uma vantagem competitiva que a gente não pode ignorar.
Por fim, e aqui acredito que seja o mais importante nesta discussão toda, existe uma conscientização do agronegócio sobre a importância de aliar a produção e a preservação ambiental. É dizer que ao mesmo tempo em que nos qualificamos para responder à demanda global por proteínas, também respeitamos as metas nacionais da COP 21 (ratificadas pelo Congresso) para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. É uma demonstração dupla do compromisso público do Brasil com o mundo.
Portal DBO: Em que momento da história da agropecuária brasileira a ILPF se situa?
A integração de diferentes culturas é, na verdade, um passo adiante dentro de um processo de desenvolvimento e conhecimento da agricultura nos trópicos. E tudo começou na década de 1970 com o plantio direto; 20 anos depois avançamos para ter duas safras, a primeira e segunda safra, e hoje a segunda safra brasileira de milho já é superior à primeira. Agora, estamos decolando na terceira revolução da agricultura tropical, a ILPF, que é um plantio sequencial intensificado e concomitante dentro da mesma área.
Portal DBO: Quais as vantagens de adotar a ILPF no Brasil?
Essa tecnologia da integração tem vários objetivos e um deles é a otimização dos ativos dos nossos produtores rurais, que são terra, máquina, recursos humanos, ou seja, a integração permite que haja uso mais intensivo do mesmo ativo. Isso só é possível porque estamos em uma região desenhada como tropical, com abundância de sol e água. Então, a ILPF utiliza este benefício de maneira plena, um fator motivador.
Outro fator é que a ILPF também mitiga riscos econômicos. Por meio do uso intensivo, os produtores têm a possibilidade de gerar receita continuada ao longo do ano. Isso gera um fluxo de caixa mais diluído, não concentrado em uma ou duas receitas, o que dá margem para conseguir mitigar os efeitos do clima e do mercado, que são aqueles que o agricultor não consegue controlar.
E a ILPF coloca ainda a produção em um ambiente equilibrado do ponto de vista ambiental. Isso é fundamental porque a agricultura, durante muito tempo, foi vista como aquela que avançava sobre os biomas. Isso já não acontece, e com a adoção da ILPF as fazendas passaram a plantar árvores e recuperar biomas. Os benefícios nós vemos em estudos que mostram que as árvores plantadas, além de serem uma espécie de poupança de longo prazo para o produtor, geram melhorias como a diminuição da temperatura média nas fazendas. Ou seja, com a ILPF aliamos a produção com preservação. Esses são fatores que motivam.
Portal DBO: Quais são ainda os principais entraves para o aumento da adoção?
Apesar dos benefícios, ainda temos desafios a enfrentar. Depois que já conheceu a ILPF, vemos que a principal dúvida do agricultor é como vai desenvolvê-la na propriedade e quem vai ajudar nessa implantação da tecnologia. A pesquisa mostra isso, inclusive, e é nisso que a Rede está trabalhando.
Nosso esforço é em prol de olhar as estruturas e prepará-las para que exista extensão rural qualificada para realizar este processo de adoção, garantir que os profissionais saibam trabalhar com um sistema integrado. Não podemos dizer, no entanto, que esses são fatores que desmotivam a adesão, mas que reduzem a velocidade de adoção da ILPF.
Portal DBO: Que passos a Rede pensa dar a partir dos resultados obtidos na pesquisa?
Além do trabalho de estruturação e capacitação dos que decidem aderir, o objetivo agora não é apenas ampliar as áreas implantadas com sistemas ILPF no Brasil, mas também focar na melhor qualificação dos sistemas já implantados.
Por isso, estamos realizando esforços para a implantação de uma Rede de monitoramento de identificação espacial e qualificação da adoção de sistemas ILPF no Brasil – que é a nova revolução agrícola, criada pela ciência brasileira.
Marina Salles