Chamam-lhes ‘superalimentos’ e prometem muitos benefícios. Especialistas duvidam
“O açaí é indicado para todas as pessoas que buscam um alimento muito nutritivo, com sabor único, zero de gordura e com grande concentração de vitaminas, reduzindo o risco de doenças.” É assim que a empresa brasileira Amaçaí descreve no seu site o fruto que fez disparar a economia do estado do Pará, o maior produtor mundial de açaí.
A razão deste sucesso explica-se porque o fruto tropical da Amazónia está entre os chamados ‘superfrutos’, uma lista que muda a cada ano, com novos produtos que prometem doses massivas de vitaminas, antioxidantes e outras características que, supostamente, os tornam muito mais saudáveis do que uma simples pera ou uma maçã.
José Batista Ribeiro, gerente da Amaçaí, conta à ‘Domingo’ que vende “para sítios tão diferentes como o Dubai ou as Filipinas” e que “o negócio está a crescer a cada ano”.
Também em Portugal é possível comprar açaí, em forma de polpa, sumos, infusões, chás ou iogurtes. Das lojas especializadas aos hipermercados, o açaí é uma das frutas da moda, apresentada como antioxidante e, como tal, excelente para prevenir doenças cardíacas e outras maleitas.
A moda dos ‘super’ ‘Superalimentos’ e ‘superfrutas’ são termos que se tornaram banais. Médicos e nutricionistas dividem-se quanto às reais qualidades dos produtos que surgem a cada momento. Mas todos convergem numa ideia – a publicidade que quer fazer os consumidores crerem que estes alimentos têm poderes curativos vai muito para além da realidade, pelo menos a realidade testada cientificamente, com resultados comprovados e aceites por todos.
Isabel do Carmo, médica especialista em endocrinologia, diabetes e nutrição, não tem por hábito recomendar aos seus pacientes estes alimentos. A explicação é simples:
“Há ainda muito pouca literatura científica sobre os efeitos que esses produtos – normalmente de origem exótica – têm no organismo.”
Mas habituou-se a ouvir as perguntas dos que a procuram e apercebe-se de uma tendência. “Existe uma espécie de ‘pensamento mágico’ e as pessoas convencem-se de que estes alimentos têm propriedades muito para lá do normal, o que não é verdade.”
Há casos conhecidos e documentados de alimentos que ajudam no tratamento e na prevenção de determinadas doenças, mas Isabel do Carmo sublinha que não é preciso ir buscá-los ao fim do mundo.
“Por exemplo, uma pessoa que tenha antecedentes familiares de cancro do cólon, é importante que coma alimentos ricos em ácido. Por exemplo, os brócolos”, explica.
A médica, que é também professora na Faculdade de Medicina de Lisboa, está atenta às novidades científicas que vão sendo divulgadas e diz que tem havido muita bibliografia sobre a canela e as suas propriedades na ajuda à digestão de hidratos de carbono. Eis mais um exemplo que não consta da lista dos chamados ‘superalimentos’ mas que pode ter benefícios inesperados.
Saber o que se come
A nutricionista Lillian Barros está entre as que recomendam o consumo dos tais ‘superalimentos’. Mas não gosta da designação. “O termo ‘superalimento’ não era usado na linguagem corrente até há pouco tempo.
Chegou com a moda dos sumos ‘detox’ e da alimentação saudável.
O que existe são alimentos que têm propriedades que resultam da concentração de determinados nutrientes que podem ser benéficos e ajudar a melhorar a alimentação.”
A especialista fala, por exemplo, dos ácidos gordos presentes nas sementes de chia ou nas sementes de linhaça, que podem ser importantes nas dietas recomendadas para quem sofre de diabetes ou quem procura emagrecer.
Mas há um outro lado, tantas vezes descurado. “As pessoas devem ter em atenção o seu estado de saúde. Devem fazer uma avaliação antes de começarem a comer este tipo de ingredientes. As bagas de goji, por exemplo, podem ser muito interessantes pois têm propriedades antioxidantes que as tornam recomendáveis para consumir ao pequeno-almoço.
Mas sabe-se que as pessoas que tomam anticoagulantes devem evitar os frutos desidratados. E a baga de goji é, precisamente, um fruto desidratado”, diz Lillian Barros.
A nutricionista dá um conselho simples: “Estes alimentos não são solução para todos os males. Devemos conhecer o que é que cada um deles tem a nível nutricional e perceber porque é que nos podem fazer bem.”
Nuno Borges é membro da direção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas e professor na Universidade do Porto.
Tem sobre estes alimentos uma visão cética.
“Sob a designação de ‘superalimentos’ encontramos coisas muito diferentes.
É certo que há produtos interessantes, mas o preço é muitas vezes elevado e não sei se o que se paga por eles traz algum benefício ao consumidor.
Ainda está por demonstrar se as bagas de goji são mais ricas nutritivamente do que a framboesa ou o morango, por exemplo”. Nos Estados Unidos, há uma recente euforia à volta da romã, fruto até agora pouco divulgado no país.
“Aí está um exemplo de um alimento que nós conhecemos há séculos e que é de facto interessante. Mas é preciso cuidado, se se usam quatro ou cinco romãs para fazer um sumo, é preciso ter em conta o nível de açúcar que esse sumo vai ter.
Porque o resultado, em termos de calorias, pode ser prejudicial.” Nuno Borges aponta um lado positivo desta moda. “Portugal está entre os países onde o consumo de fruta não é suficiente. O segredo aqui é a diversidade, se estes produtos levam a que as pessoas comam mais fruta, isso é bom.”
Mito ou realidade?
Em 2013, especialistas de todo o Mundo juntaram-se no Vietname para um simpósio cujo tema era precisamente ‘Superfrutos, mito ou realidade?’. Mary Ann Lila, diretora do Instituto Plants for Human Health, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), foi convidada a dissertar sobre o tema.
A especialista conta à ‘Domingo’ a sua visão: “Há provas bem documentadas de que os chamados ‘superfrutos’ são poços de energia e trazem benefícios nutricionais e extranutricionais – ou seja, têm agentes que inibem doenças, têm propriedades anti-inflamatórias e reforçam o sistema imunitário e a regulação metabólica.”
Apesar desta constatação, a investigadora adverte para os exageros da indústria. “Não gosto do termo ‘superfrutos’. O marketing pode dizer ao consumidor que apenas um fruto raro da selva amazónica tem propriedades excecionais, mas isso não é verdade.
Muitos dos nossos frutos domésticos (amoras e framboesas, por exemplo) também têm compostos que combatem doenças, em concentrações farmacologicamente relevantes.”
A especialista americana sublinha que estas propriedades estão presentes nos frutos, não havendo prova de que os concentrados e comprimidos sejam melhores do que a fruta fresca.
Jeffrey Blumberg dirige o Centro de Pesquisa em Nutrição Humana do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Explica à ‘Domingo’ as suas dúvidas.
“Os termos ‘superfrutos’ e ‘superalimentos’ são criações de marketing alheias a qualquer regulação ou definição científica. Há muita prova científica que diz que uma dieta rica numa diversidade de frutos, vegetais e grãos pode promover substancialmente a saúde.
Mas é muito restrita a prova de que algum alimento possa, só por si, providenciar benefícios significativos fora do contexto de uma dieta saudável. Ou seja, o mais importante é estabelecer um padrão saudável.”
O especialista americano teme que o rótulo ‘super’ possa levar o consumidor a reduzir a sua diversidade alimentar e a concentrar a sua dieta nestes alimentos, convencido de que os alimentos ‘super’ são por si suficientes para garantir uma dieta equilibrada.
Cura não comprovada
Outro problema que os ‘superalimentos’ trazem ao consumidor é o excesso de adjetivos que as empresas que os comercializam empregam na sua descrição. Não é raro ouvir-se falar em propriedades “anticancerígenas” ou “antienvelhecimento”, ou exagerar-se o papel destes produtos na prevenção e cura de determinadas doenças. Jorge Espírito Santo, diretor da Unidade de Oncologia do Hospital do Barreiro, lança o aviso.
“Há por aí uma conversa sobre os antioxidantes e alimentos que combatem os radicais livres [componentes que estão na origem de diversos tipos de cancro], mas não se conhecem provas cabais. No caso do cancro, não se pode fazer uma recomendação genérica porque cada tipo de cancro, e até a fase em que se está no tratamento desse cancro, leva à recomendação de diferentes dietas.”
O médico mostra-se cético. “Não conheço nenhum estudo que demonstre cabalmente que algum desses alimentos tenha efeito protetor relativamente a um cancro. O que existe é a certeza de que há dietas melhores – por exemplo, a dieta mediterrânica – e alimentos prejudiciais, como a carne processada.”
Também o médico Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, tem uma visão crítica sobre os poderes atribuídos a determinados produtos. “Os alimentos não se usam para fazer bem a coisa nenhuma. Não podem ser designados como saudáveis só por si.
O mais elementar é haver diversidade na alimentação. Os alimentos são saudáveis se usados com moderação e se forem confecionados de uma forma saudável.”
O médico dá o exemplo do azeite, elemento fulcral da dieta mediterrânea e que é apontado como uma gordura saudável. Mas não em todas as circunstâncias. “O azeite é um alimento benéfico quando consumido cru. Se usamos azeite para fritar ou assar, estamos a produzir uma alteração química que o torna um ingrediente prejudicial.”
Mercado em ascensão Independentemente do rigor científico das apregoadas virtudes dos ‘superalimentos’, indiscutível é o crescimento do negócio à escala global.
E, mesmo que a União Europeia tenha proibido o uso do termo ‘superfruto’ na rotulagem e obrigue as marcas a justificar os benefícios que apregoam, não falta quem acredite em poderes mágicos.
Um artigo recente da revista ‘Slate’ lembrava a campanha de uma grande companhia americana, que, no início do século XX, apresentava as propriedades fantásticas de um fruto que até combatia doenças. Provavelmente, está na sua fruteira – o fruto mágico era a banana.
A lista dos ‘superalimentos’ e daquilo que prometem
Erva-de-trigo
Pode ser consumida fresca ou em concentrado (pó). Recomenda-se pelo seu efeito desintoxicante e alcalinizante, sendo muitas vezes utilizada para fazer sumos ‘detox’. A planta pode ser cultivada em casa.
Bagas de goji
Usadas na medicina tradicional chinesa há milénios, estas bagas chegaram em força ao Ocidente há pouco tempo, na forma de fruto desidratado. É um alimento com alto teor de fibras e antioxidantes.
Clorela
Alga microscópica que cresce em águas puras, é apresentada em forma de pó ou comprimidos.É recomendada para melhorar o funcionamento cerebral e hepático, pois tem propriedades desintoxicantes.
Sementes de cânhamo
Têm uma proporção interessante de ácidos gordos, como ómega 3 e 6, e são ricas em minerais, vitaminas e fibras. São usadas para melhorar a saúde do cabelo, pele e unhas e em dietas para perder peso.
Quinoa
É um grão muito apreciado por apresentar um balanço equilibrado de proteínas. Isenta de glúten, contém ácidos gordos e várias vitaminas. Pode ser usada como acompanhamento, substituindo o arroz.
Spirulina
É uma alga microscópica que deve o seu nome ao facto de assumir a forma de uma espiral . Apresenta-se em pó e é descrita como uma proteína de fácil absorção e com forte ação antibacteriana.
Maca
Apresentada normalmente em pó, trata-se de uma raiz rica em nutrientes. É recomendada para o tratamento de casos de stress e ansiedade e pode ser usada em saladas, sumos e outras bebidas.
Camu camu
Fruto oriundo da região amazónica, é referida a sua grande riqueza em vitamina C (40 a 50 vezes mais do que uma laranja). Apresentado quase sempre em pó, é usada para reforço do sistema imunitário. Açaí De momento, é um dos frutos mais procurados em todo o Mundo. Oriundo da Amazónia, dele se diz que tem efeito antioxidante, melhorando a saúde cardiovascular e produzindo efeito de rejuvenescimento
Sementes de chia
Muito populares, podem juntar-se a vários alimentos, desde iogurtes a saladas. São tidas como fonte de ácidos gordos e ricas em antioxidantes e minerais essenciais. Melhoram a imunidade do organismo.
Ler mais em: http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/superalimentos_a_procura_de_saude_a_mesa.html
Por José Carlos Marques, Correio da Manhã