Corrigir pequenos equívocos garante uma alimentação de qualidade na seca
Especialistas consultados pela Mundo do Leite apontam quais os principais equívocos na colheita e ensilagem e mostram que o segredo de uma boa silagem é o planejamento. O milho costuma ser a planta eleita para o processo entre os produtores de leite, por causa do alto valor nutricional e da facilidade no manejo da cultura (que pode ser mecanizada), embora envolva mais riscos em comparação com alternativas como a cana e o sorgo, por exemplo. Por isso, as dicas dos especialistas são voltadas principalmente para este cereal.
1. Colheita: Conforme a Embrapa, a antecipação do corte do milho para silagem eleva os teores de fibra e reduz os de energia, pela menor quantidade de grãos. Já a colheita tardia aumenta a resistência da massa ensilada à compactação, uma vez que os grãos estão mais duros e a porção vegetativa mais seca, reduzindo sua densidade. “É comum o produtor antecipar a colheita. Mas o problema é que o grão não está no estádio adequado de maturação e possui menor teor de amido. Assim, a silagem terá menor teor de energia”, diz Patrick Schmidt, professor de zootecnia na Universidade Federal do Paraná e do Centro de Pesquisas em Forragicultura (CPFOR) da universidade.
“Colher o grão na hora certa é decisivo para a produção correta de nutrientes por área e também para o processo de fermentação“, confirma o professor Ricardo Andrade Reis, do Departamento de Zootecnia da Universidade Estadual Paulista, em Jaboticabal. A planta deve ter entre 28% e 35% de matéria seca no momento da ensilagem. Para determinar o conteúdo da matéria seca, é possível fazer uso de técnica que requer o uso de um micro-ondas e uma balança. O produtor deve usar a planta inteira picada e desidratá-la no micro-ondas, para determinar a quantidade de matéria seca. “Com a tecnologia que se tem hoje não faz mais sentido determinar se a lavoura está no ponto só no olho”, diz Schmidt. Ele explica que o milho aumenta 0,5% o teor de matéria seca por dia. “Se o milho está com 28% de matéria seca, daqui a quatro dias ele vai estar com 30%. Com base nesse cálculo, fica mais fácil fazer um planejamento.”
2. Picagem: Partículas em tamanho maior do que o recomendado podem levar à redução do consumo e do desempenho produtivo dos animais. Já as partículas muito pequenas podem causar problemas metabólicos. “Deve estar tudo uniforme e em tamanho pequeno. Um centímetro é o tamanho adequado”, ensina Schmidt. Conforme Reis, é fundamental afiar as facas da ensiladeira para obter esse resultado, já que o uso de partículas maiores pode levar à compactação inadequada e comprometer a fermentação.
3. Compactação: Este processo também precisa ser bem feito, pois, quanto mais compactado for o material, melhor será o resultado. Tem que usar o trator pesado ou, em pequena propriedade, vale até o pisoteio. “O trator precisa ter 40% do peso em relação ao que chega no silo por hora. Se são 10 toneladas por hora, serão 4 toneladas compactando, o equivalente a um trator médio”, ensina Schmidt.
4. Vedação: A vedação também tem seus segredos. É preciso usar uma lona de qualidade, que resista à ação do sol. A borda deve estar bem enterrada, para evitar a entrada do ar, e deve-se colocar peso sobre a lona para ela ficar bem aderida ao silo. “O maior inimigo da silagem é o ar. Um furinho já pode dar problema. Fazendo uma boa vedação, o produtor garante que a fermentação seja a melhor possível”, diz Reis.
O professor observa ainda que os tipos mais comuns de lona utilizados na pecuária leiteira ainda são preta ou dupla-face. “Esses materiais não são, porém, totalmente adequados para a vedação dos silos, uma vez que, ao serem expostos a altas temperaturas, os microporos se dilatam, permitindo a troca de gases entre silo e ambiente.” A entrada de oxigênio do ambiente para o silo, com consequente saída de dióxido de carbono e outros gases, estimula a atividade não desejável de micro-organismos dentro do silo.
Ele informa que há lonas com baixa permeabilidade ao oxigênio, com películas de polietileno e poliamida. Embora o preço dessas lonas ainda seja mais elevado se comparado com as tradicionais lonas pretas e dupla-face, seu benefício é inegável sobre o processo fermentativo. Conforme Reis, mais de 95% dos produtores leiteiros ainda utilizam as lonas pretas e dupla-face. “Contudo, eles têm optado por usar algum material (terra, bagaço de cana ou pneus) sobre os silos. Esta estratégia simples e de fácil aplicação reduz a troca de gases entre silo e ambiente, promovendo melhor fermentação da massa ensilada e permite o uso mais eficiente das lonas.”
5. Tempo de armazenamento: A silagem deve ficar armazenada por, no mínimo, 21 dias. A partir desse período, quanto mais tempo ficar ensilada melhor, pois ocorrem fermentações secundárias que também são importantes. “O ideal é deixar por 60 dias”, diz Schmidt.
6. Inoculantes: Reis pondera que a utilização de inoculantes pode diminuir as perdas na ensilagem, contudo não há como corrigir os erros cometidos nas etapas anteriores do processo. “O aditivo, como definido pela própria palavra, pode acrescentar condições favoráveis ao processo”, frisa. “Se o produtor fizer tudo certinho,estão resolvidos 99% dos problemas que impedem a produção de uma silagem de qualidade. O inoculante pode ajudar a deixar o material melhor. Então, a opção por fazer uso ou não dos inoculantes é uma escolha pessoal”, pondera Schmidt. “Não é o inoculante que vai dar uma boa silagem, mas ele pode ajudar se o resto tiver sido bem feito.”
Conforme Reis, estudos relatam que o uso de inoculantes pode reduzir as perdas na superfície dos silos (principalmente no topo e laterais) para valores abaixo de 10%, dependendo do nível de compactação na ensilagem, tipo de lona utilizada na vedação dos silos e utilização de pesos sobre as lonas.
Segundo ele, dados recentes mostram que somente 28% dos produtores de leite utilizam inoculantes durante a produção de silagem. “A expectativa e o que vem ocorrendo é que, cada vez mais, este tipo de aditivo seja utilizado no intuito de melhorar o padrão fermentativo e obter silagens de alto valor nutricional.”
Além disso, quase 90% dos produtores não descartam o material deteriorado presente nas silagens, principalmente no topo e nas laterais do silo. “Neste sentido, o uso de inoculantes adequados diminui a população de fungos (responsáveis pela produção de micotoxinas) e micro-organismos aeróbios que se desenvolvem após a abertura dos silos, como bactérias do gênero Listeria, responsáveis por acometer animais e humanos com doenças quando presentes em grande quantidade neste material.”
7. Planejamento: Para Patrick Schmidt, o primeiro erro do produtor é não adotar a tecnologia, ou ainda, adotar da forma que acredita ser a correta. “É uma atividade que exige muita mão de obra e rapidez. Por mais que tenha conhecimento, ele acaba fazendo da forma que consegue”, diz.
8. Por onde começar. O primeiro passo é escolher a cultura com o qual a silagem será produzida. As opções mais comuns são milho, cana, sorgo, milheto e capim. Fazer a escolha certa dependerá de clima, solo, tipo de animal que vai consumir e manejo da cultura.
Boa parte dos produtores opta pelo milho. “O milho talvez seja a opção nutricional mais rica, mas tem custo maior e risco grande se comparado com cana, que não é tão boa mas é bem mais barata”, observa Schmidt. “Para quem tem produção de 15 a 20 litros de leite por dia é mais do que suficiente usar a cana”, opina.
Reis pondera que, para o leite, o milho tende a ser a melhor opção. “A cultura tem adequado conteúdo de carboidratos solúveis, que são os principais substratos utilizados na produção de ácidos orgânicos (principalmente ácido lático) pelas bactérias ácido-láticas dentro do silo e baixo poder tampão (resistência à alteração do pH).”
Além deste fator, ele destaca a facilidade de cultivo, disponibilidade de híbridos que se adaptam a diferentes condições de clima e de solo, e melhor “equilíbrio nutricional” entre energia e proteína quando comparado às demais forragens.
Nessa escolha também devem pesar o tipo de maquinário ou pessoal necessários para plantio e a colheita, bem como a manejo da cultura. Para isso, é fundamental a orientação de um profissional. Um dos cuidados fundamentais a serem tomados é a adubação do solo, uma vez que cerca de 80% do potássio e 50% do cálcio e outros nutrientes ficam na palhada e são extraídos com a prática da silagem, empobrecendo o solo.
Para isso, Vilela orienta a realização de uma análise de solo, para determinar qual é a necessidade de nutrientes e de que forma ela deve ser feita, com calcário, gesso ou esterco, por exemplo.
“Sem seguir as recomendações agronômicas para a correção do solo, há grande risco de usar o adubo na quantidade diferente da recomendada e deixar de ganhar o que se poderia ao investir naquela cultura”, acrescenta Schmidt.
Da cana para o milho
Hemilson Rocha Pereira, proprietário da Fazenda Cachoeirinha, do Grupo Gera Leite, de Baependi, MG, apostará no milho para garantir a silagem de seu rebanho neste ano. No ano passado ele optou por reduzir a área destinada à cana, que utilizava in natura para alimentação dos animais, para apostar na silagem do cereal por causa da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada para a colheita da cana, uma vez que o uso de máquinas exigiria uma redução da área cultivada.
Embora a cana-de-açúcar tenha produtividade de 120 a 150 toneladas de matéria original por hectare e o milho tenha um resultado estimado de 60 toneladas/ha, Pereira estima que o valor nutricional mais elevado do milho e a possibilidade de cultivar sorgo na área destinada aos grãos devem compensar a mudança. “O custo da cana estava próximo do milho, em torno de R$ 60/tonelada. Mas, com a máquina, teríamos que produzir menos e oferecer um alimento de qualidade inferior aos animais. Acredito que vamos ter um mesmo valor, mas com uma qualidade muito maior”, diz Pereira.
“A silagem de milho é mais nutritiva do que a de cana”, complementa Alexandre Vilela, assistente técnico da Aprovar, empresa que orienta Pereira nas decisões relacionadas à nutrição.
O produtor dividiu o cultivo do milho em três etapas. A variedade superprecoce será ensilada no fim de fevereiro e corresponde a 85 hectares. O milho superprecoce foi semeado em fins de setembro e leva em torno de 100 dias para ficar “no ponto”.
Já a segunda leva de milho precoce para silagem foi semeada entre 20 de outubro e 20 de novembro, e tem período de 115 dias para ficar pronto.
O milho padrão – que será usado para silagem de grão úmido – foi semeado em outubro/novembro, e leva em torno de 150 dias para a colheita.
A cana tinha produtividade de 120 a 150 quilos/hectare, em 18 hectares. A primeira tentativa de plantio de milho foi no ano passado, quando a produtividade foi de 35 a 40 toneladas de milho em 35 hectares. “Neste ano choveu pouco, mas no momento certo, então os 85 hectares semeados devem render acima de 60 toneladas por hectare”, estima Pereira.
Neste ano, o pecuarista também utilizará uma automotriz para ensilar mais rápido. “Isso dá mais qualidade. Esperamos aumentar a produtividade em 1 litro por vaca”, estima. Na propriedade, ele mantém um rebanho de 200 vacas três-quartos Holandês em lactação, em sistema de piquete rotacionado, cuja produção é vendida para a Danone. As vacas produzem 4.500 litros/dia “Nossa meta é chegar a 6.500 litros/ dia neste ano”, diz.
Além da Cachoeirinha, Pereira mantém a Fazenda Topada, também em Baependi, que abriga animais mais velhos e bezerras acima de cinco meses e obtém 1.700 litros/dia. De 13 a 17 meses, as fêmeas são levadas para a Fazenda Lua Bonita, onde são inseminadas ou cobertas em monta natural. Após a prenhez confirmada, elas vão para a Cachoeirinha.
O Grupo Gera Leite é composto por quatro produtores de Minas Gerais: Além de Hemilson e Livio Rocha Pereira, da Fazenda Cachoeirinha, participam Marcelo e Marilze Faria Pereira, da Fazenda do Engenho, também de Baependi;
Márcio Maciel Leite, do Sítio do Charco, Maurílio Ferreira Maciel, da Fazenda Quilombo, ambos de Cruzília, Minas Gerais. Juntos, eles produzem 16.000 litros de leite/dia e mantêm 800 vacas em lactação.
Como medir matéria seca no micro-ondas
1. Colha algumas plantas da lavoura, que sejam representativas da área, e triture-as na ensiladeira. A forragem picada deve ser revolvida e homogeneizada. Colete cerca de 300 gramas do material para determinar a matéria seca;
2. Pese o recipiente (prato) que será usado para secar a forragem, anote o peso ou tare (zere) a balança;
3. Pese 100 gramas da forragem picada;
4. Coloque o prato no micro-ondas e coloque um copo com dois dedos de água no fundo do aparelho. A água evita que amostra queime;
5. Programe o aparelho para 3 minutos em potência máxima;
6. Retire o prato e revolva a amostra com cuidado, evitando derrubar qualquer partícula fora do prato. Isso é importante para uniformizar a secagem. Garanta que não haja perda de material;
7. Pese o prato e coloque no micro-ondas por mais 2 minutos;
8. Retire o prato, revolva novamente e pese;
9. Coloque novamente no micro-ondas por 1 minuto. Repita esse passo mais uma vez (dois ciclos de 1 minuto cada);
10. Após dois ciclos de um minuto, repita ciclos de 30 segundos por 3 a 4 vezes, pesando o prato entre os ciclos;
11.Quando o peso entre duas pesagens subsequentes for bem próximo, o processo estará concluído. O último valor (peso constante) dado refere-se ao teor de MS da amostra.
Fontes: Bleine Conceição Bach e Patrick Schmidt, do CPFOR, www.ensilagem.com.br.
* Matéria originalmente publicada na Revista Mundo do Leite de fevereiro de 2015 (páginas 38 a 42).
Marcela Caetano, Revista DBO