Confinamento a pasto reduz investimento e dispensa uso de volumoso na dieta, que é de alto consumo
Em um curto período de nove meses (setembro de 2012 a maio de 2013), a Agropecuária Gisam, de Campo Grande, MS, aumentou seu rebanho de recria, em duas fazendas no Pantanal, de 11.000 para 20.000 cabeças; reduziu em 12 meses a idade de abate e dobrou sua terminação anual, que passou de 2.000 para 4.050 bois, divididos em três “tombos” ou giros de engorda de 70 a 90 dias. Para impulsionar tão rapidamente sua produtividade, a empresa contou quase exclusivamente com uma ferramenta de grande impacto: o “semiconfinamento de alto consumo” ou “confinamento a pasto”, com ingestão de 2% (águas) a 2,2% (seca) do peso vivo em concentrado. A técnica destravou o sistema de produção da empresa, que já há alguns anos buscava alternativas à engorda a pasto em sistema extensivo que realizava no Pantanal, embora com lotação superior à da região.
Antes de investir no semiconfinamento, a Agropecuária Gisam fez duas experiências para acelerar a engorda e aumentar sua escala de produção. Na primeira, montou um confinamento próprio. Na segunda, colocou o gado em um boitel próximo de Campo Grande. Nenhuma das tentativas deu certo. Os custos estouraram. No primeiro caso, o problema estava na localização do confinamento, em Bonito, nas franjas do Pantanal, região sem tradição agrícola. Devido à pouca oferta de grãos (especialmente de milho, que tem mais peso na dieta), os custos de transporte dos ingredientes tornaran o confinamento antieconômico. Como não tinha silos, a empresa também não podia estocar os grãos. Já na tentativa de engorda em boitel, o entrave foi o custo do frete para levar o gado do Pantanal até Campo Grande e o pagamento da diária, que espremeram as margens de lucro, aumentando significativamente os riscos econômicos da terminação no cocho.
Como as duas opções de engorda não deram certo, Guilherme Motta, sócio da Agropecuária Gisam, decidiu montar um projeto de terminação em alguma região do Mato Grosso do Sul que tivesse boa oferta de milho e infraestrutura de armazenagem. Há pouco mais de um ano, encontrou o que procurava: a Chácara Mutum, propriedade com 200 hectares, no município de Rio Brilhante, 150 km ao sul de Campo Grande. De início, o plano do empresário era montar um confinamento com instalações convencionais, mas o médico veterinário Donato Godoy, nutricionista da União Suplementação Animal, de Jardim, MS, sugeriu o “semi-confinamento de alto consumo” ou “confinamento a pasto”. Depois de equacionar os problemas de logística associados ao transporte dos animais do Pantanal até Rio Brilhante (veja quadro ao lado), Motta decidiu montar o projeto, cujo layaut inovador lhe permitiu realizar um velho sonho: fazer engorda o ano inteiro.
SEM PARAR – Segundo o nutricionista, o modelo de semiconfinamento montado na Chácara Mutum permite terminar rapidamente animais tanto nas águas quanto na seca, sem fazer grandes investimentos em instalações para fornecimento de ração durante o período chuvoso (currais de engorda com piso cimentado, cochos cobertos etc). Também não há necessidade nem de aquisição de vagões misturadores/distribuidores de ração total, nem de confecção de silos para armazenamento de volumosos. O investimento do projeto se resume a cochos, cercas, bebedouros e um vagão simples, com rosca sem fim, para misturar e distribuir a ração, além de uma pá carregadeira para abastecer a carreta.
Godoy destaca ainda quatro vantagens extras do semiconfinamento de alto consumo. Primeira: o próprio pasto fornece o volumoso, solução perfeita no caso da Chácara Mutum, cujos 200 hectares são insuficientes para, ao mesmo tempo, abrigar o confinamento e plantar milho para silagem, por exemplo. Se optasse pelo modelo tradicional de engorda intensiva, a empresa teria de arrendar área para produzir esse alimento, além de investir em maquinário para plantá-lo e colhê-lo.
A segunda vantagem extra do sistema é seu baixo custo operacional: média de R$ 0,30 por cab/dia, incluindo gastos com energia elétrica, mão de obra e combustível. A terceira é a facilidade de adaptação (não há rejeição ao cocho) e a quarta é o bem estar conferido aos animais. Após comerem a ração, eles se deitam no pasto para ruminar, em grupos, tranquilos como se estivessem em uma sala de estar. Segundo Godoy, não há estresse. Apesar de se fazer apenas um trato diário e cada animal dispor dos usuais 40 cm de cocho, não se verifica disputa por espaço. “Já estamos entrando na quarta rodada de engorda e até agora não registramos briga entre os animais e nem casos de sodomia”, diz Luiz Fernando Ciriani da Silva, gerente do semiconfinamento.
LAYOUT INTELIGENTE – Um dos grandes diferenciais do projeto montado na Chácara Mutum é seu layout simples e funcional. Composto por nove módulos, cada um deles com 18 hectares e capacidade para abrigar 150 bois por rodada, o semiconfinamento possibilita arraçoar os animais sem sobrecarregar os pastos. Cada módulo de manejo é dotado de uma praça de alimentação com 60 metros de cumprimento por 40 metros de largura. Essa praça é isolada do pasto por cercas de arame e munida de bebedouro e cochos (veja ilustração à pág. 70). Assim, quando os animais vão comer ou beber, ficam isolados, não pisoteando demais o capim. Colchetes instalados nas cercas e mantidos abertos boa parte do tempo, possibilitam livre trânsito entre a praça de alimentação e as pastagens.
Para evitar eventual compactação do solo e dar algum fôlego à rebrota das gramíneas, cada módulo foi subdividido em dois piquetes, pastejados de forma alternada. “Fazemos avaliações periódicas com penetrômetro, equipamento para monitorar compactação, e constatamos que o esquema de cinco dias de uso e cinco de descanso não traz problemas aos pastos, nem na seca e nem nas águas, mesmo trabalhando-se com lotação média de 8,3 cab/ha”, explica o gerente do semiconfinamento, Luiz Fernando Ciriani. O sistema deu tão certo que Guilherme Motta decidiu ampliá-lo, construindo mais dois módulos, que começarão a funcionar a partir de junho. Com isso, a capacidade de engorda do projeto subirá de 1.350 para 1.650 bois por “tombo”, elevando a produção anual de 4.050 para 6.600 bois/ano.
O trato é feito apenas uma vez por dia, durante a seca. Nas águas, esse número varia de um a três, pois, se chove, o serviço é interrompido e retomado mais tarde. Terminado o arraçoamento, o tratorista que distribui a ração no cocho e o operador da pá carregadeira são deslocados para outras tarefas na fábrica de ração (moagem do milho) e no semiconfinamento (limpeza de bebedouros, mudança dos animais de piquete etc). “O projeto é tocado, atualmente, por apenas cinco funcionários: o gerente, os dois operadores de máquinas (distribuição e carregamento), e dois ajudantes gerais”, informa Godoy. Para facilitar o preparo da ração, o nutricionista trabalha com apenas quatro ingredientes: milho moído, caroço de algodão, ureia protegida e núcleo mineral, batizado de Superbeef, que contém vitamina ADE, monensina e virginiamicina.
EFICIÊNCIA – Embora reconheça o risco econômico de se trabalhar com ração de alto grão, o nutricionista acredita que o projeto passou pelo teste de estresse econômico no final de 2012, quando o milho, principal ingrediente da dieta, atingiu R$ 28,00 a saca. Mesmo assim, não foi preciso trocar a fonte de energia. Com milho nesse valor, o custo da ração ficou em R$ 0,51/kg. Com um consumo médio de 8,5 kg por cabeça/dia, o gasto com alimento totalizou R$ 4,34 por cab/dia. O ganho de peso foi excelente: média de 1,6 kg/dia, acima do esperado (R$ 1,4/cab/dia) e muito próximo ao que se consegue nos confinamentos convencionais. O custo da arroba produzida, com saca de milho a 28,00, ficou em R$ 74,00, segundo o nutricionista.
Para minimizar o impacto de eventuais altas nos preços dos ingredientes, Donato Godoy trabalha com o conceito de ração de custo mínimo no balanceamento da dieta. Ou seja, se um ingrediente sobe muito, a empresa pode substituí-lo por outro mais em conta. No caso da fonte de energia, o milho poderia ser substiuído pelo sorgo, milheto, casquinha de soja, quirera de milho e polpa cítrica. Além de trabalhar com o conceito de ração de custo mínimo, a Agropecuária Gisam, para evitar oscilação muito grande no preço do milho, adotou uma política de compra do produto no período de maior oferta e menor preço. “Como temos galpões com capacidade para estocagem de 30.000 sacas na propriedade, podemos escolher o melhor momento para comprar grãos”, informa Motta.
Nos últimos quatro meses de 2012, ano em que o preço do milho oscilou entre R$ 25,00 e R$ 28,00 a saca, o custo médio da dieta – contendo 80,5% de milho, 15% de caroço de algodão, 4,5% de núcleo mineral e 0,5% de ureia protegida – ficou em R$ 0,48 o kg. Na média dos 90 dias de engorda, o custo diário com alimentação chegou a R$ 4,25 por animal e a arroba ganha saiu por R$ 60,36. Incluindo-se o valor do boi magro, o custo final de produção ficou em R$ 73,82/@. Vendido por preço que variou entre R$ 94,00 e R$ 95 por arroba, cada animal deixou lucro de R$ 20,68 por arroba e R$ 411,07 por cabeça, com rentabilidade de 20,52% nos quatro meses de engorda e média de 9,7% ao mês. Apenas no semiconfinamento, a empresa apurou um lucro de R$ 247.000,00 com a terminação de 600 bois (veja tabela).
EXPECTATIVA PARA 2013* – Neste ano, o cenário dos grãos está mais positivo. Com a queda no preço do milho, o custo da dieta, para terminar 1.650 cabeças, entre janeiro e março último, ficou em R$ 0,42 o kg e R$ 3,78/cab/dia. Mas, apesar do menor custo da dieta, o custo final da arroba subiu 10,9% em relação a 2012. E o vilão foi o boi magro, que subiu 14,08% em relação a 2012, passando de R$ 81,52 por arroba (R 2,70 o kg) para R$ 93,00 (R$ 3,10 o kg). Devido à alta nos custos de reposição, o lucro caiu para R$ 12,09/@ e R$ 228,44/cab. Nos primeiros lotes terminados em 2013, a empresa obteve uma rentabilidade de 14,76% em 90 dias de engorda e 4,88% por mês.
Como não há mais espaço para ampliar o sistema de engorda intensiva a pasto, que totalizá 11 módulos de manejo (dois deles em construção na época da visita à fazenda), a Agropecuária Gisam decidiu montar um projeto convencional de confinamento na própria Chácara Mutum, que deverá começar a operar ainda neste ano. Ele será usado para tratar o gado apenas no período seco, que vai de maio/junho a outubro/novembro. O confinamento terá capacidade estática para 2.000 animais e terminará 4.000 cabeças/ano, em dois giros. A empresa já comprou a safrinha de milho de um agricultor de Rio Brilhante para produção de silagem. “Queríamos ficar apenas com o semiconfinamento de alto consumo, mas, como não temos mais espaço na propriedade, resolvemos recorrer ao modelo tradicional de engorda intensiva para ampliar a produção. Vamos manter os dois sistemas para não depender tanto da produção de silagem”, informa Motta. “É mais seguro, mas também estamos negociando a compra de bagaço de cana com uma usina próxima”, acrescenta.
EXPANSÃO – Os ganhos propiciados pelo semiconfinamento não se resumiram à aceleração na terminação do gado, à redução de 8-12 meses na idade de abate dos animais e ao aumento da escala de produção. O sistema permitiu que a Agropecuária Gisam retirasse dos pastos todos os bovinos com peso acima de 360 kg. Sem essa categoria, a empresa pôde praticamente dobrar o rebanho em recria, que passou de 11.000 cabeças, cerca de um ano atrás, para 20.000 atualmente, viabilizando o plano de quintuplicar a escala de produção, que deve pular de 2.000 para 10.000 bois gordos/ano.
O trato no cocho ainda melhorou o peso e acabamento das carcaças. “Na média, conseguimos 3 mm de cobertura de gordura. A pasto, somente obteríamos esse acabamento se deixássemos o gado no pasto por mais 8-12 meses”, diz o gerente do projeto. O semiconfinamento também possibilitou engordar bois Nelore inteiros, que apresentam maior desempenho em ganho de peso. “Sem trato no cocho, não conseguiríamos terminá-los com menos de 36 meses. Como ficariam mais tempo no pasto para engorda, seríamos obrigados a castrá-los. Esse procedimento sem dúvida melhora a qualidade da carcaça, mas afeta o ganho de peso. Dificilmente teríamos animais prontos com mais de 17@. Hoje, nossos bois são abatidos com peso superior a 19@ e idade máxima de 36 meses, com rendimento de carcaça de até 55%”, explica Guilherme Motta.
A tendência, segundo Aristides Rizzi Filho, gerente geral da Agropecuária Gisam e responsável pela reposição, é reduzir ainda mais a idade de abate. “Estamos fazendo seleção de fornecedores de bezerros e de bois magros para melhorar a qualidade do nosso produto final. Já temos alguns excelentes, que nos entregam animais com bom desempenho tanto no pasto quanto no confinamento, mas é preciso ampliar essa base”, diz Rizzi Filho.
A empresa faz reposição em dois períodos do ano. Em maio/junho/julho, compra bezerros e garrotes, de oito a 12 meses. A partir de agosto, adquire animais de 15 a 24 meses. Recriados em pastagens nativas nas fazendas da região de Nabileque (lotação de 0,8 cab/ha) e em pastagens cultivadas nas propriedades da região de Paiaguás (lotação média de 1,6 cabeça/ha), os animais ganham em torno de 400 g/cab/dia, na média do ano. São suplementados apenas com sal mineral comum nas águas e proteinado na seca, engordando quase cinco arrobas em um ano. “As outras cinco arrobas obtemos em 90 dias de semiconfinamento. Por isso, a tecnologia vale à pena”, diz Donato Godoy.
Logística inteligente
Um dos principais empecilhos à montagem do projeto de engorda na Chácara Mutum, em Rio Brilhante, era a distância que separava essa propriedade, no sul do Estado, das fazendas de recria que Guilherme Motta possui nas regiões de Paiaguás e Nabileque, em pleno Pantanal sul-mato-grossense. Era preciso viabilizar o transporte dos animais até o local de terminação a custo razoável, do contrário o projeto se inviabilizaria. Das fazendas a Corumbá, o problema estava resolvido. Como já fizera antes com bois gordos, Motta colocaria os garrotes em barcaças e os conduziria pela hidrovia do Rio Paraguai. O problema estava nos 600 km que separava Corumbá de Rio Brilhante. Depois de muito pensar, ele encontrou uma solução inteligente: em parceria com o frigorífico onde abate os animais, sincronizou o transporte de bois magros e gordos, diminuindo o custo do frete.
Hoje, o mesmo veículo que leva os garrotes recriados de Corumbá para Rio Brilhante transporta os bois já acabados do confinamento para o frigorífico, em Campo Grande, a 150 km de distância. “Só liberamos o caminhão com destino a Corumbá quando temos lotes prontos para o abate”, diz o médico veterinário Luís Fernando Ciriani, gerente do semiconfinamento. Além dessa sincronização na logística de transporte, a empresa usa caminhões de maior capacidade, com dois andares, para 45 bois magros ou 40 bois gordos por viagem; ou bitrens, também de dois andares, que podem carregar 80 garrotes e 70 animais terminados.
A viabilidade do transporte dos animais das fazendas no Pantanal para o semiconfinamento foi crucial para que a empresa mantivesse um sistema de recria de baixo custo. “Hoje, essa atividade, em larga escala e em sistema extensivo, não é mais viável em muitas regiões do MS. Faltam pastagens tanto para compra quanto para arrendamento e o preço da terra com o avanço da cana, das lavouras de grãos e do reflorestamento, ficou incompatível com a rentabilidade proporcionada pela pecuária de corte”, conclui Motta.
*Matéria de Fernando Yassu, originalmente publicada na Revista DBO de junho de 2013 (páginas 68 a 76).