O Superintendente de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Produção e Agricultura Familiar, Rogério Beretta e a Coordenadora de Agricultura Karla Nadai participaram virtualmente da “Mesa de Diálogo Catrapovos Brasil – 6ª CCR” montada para acompanhar o tema da alimentação escolar e compras públicas de povos indígenas e comunidades tradicionais, por meio da Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil, a convite da coordenadora, a Subprocuradora-Geral da República Eliana Peres Torelly de Carvalho.
Criada pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal a mesa apresenta o tema aos estados da região centro-oeste, no intuito de fomentar a divulgação e multiplicação da iniciativa com reuniões regionais e, estimular a criação de comissões semelhantes à Catrapoa em todos os estados brasileiros.
Segundo explica Beretta, o trabalho é para permitir o acesso de povos indígenas, quilombolas e tradicionais em geral (ribeirinhos, extrativistas, caiçaras, entre outros) a uma alimentação escolar de qualidade e adequada à sua cultura, por meio da venda de sua produção diretamente aos municípios, estados e governo federal, entre outras formas de acesso às compras públicas.
O grupo entende que o acesso à geração de renda de forma sustentável é também fator de extrema importância no combate às redes de criminalidade, que muitas vezes utilizam a vulnerabilidade destes povos para cooptá-los para ações ilícitas como desmatamento, garimpo, tráfico internacional e nacional de drogas, entre outros.
Participaram da reunião: representantes das secretarias de Agricultura/Desenvolvimento Agrário, Educação, Undime e Ministérios Públicos Federais e Estaduais, FNDE, Funai, ICMBio, Mapa e representantes da sociedade civil.
Mesa de diálogo permanente Catrapovos Brasil
A Mesa de diálogo permanente Catrapovos Brasil teve origem a partir das discussões iniciadas pela Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), coordenada pelo 5º Ofício do MPF/AM, iniciativa vencedora da 17ª edição do Prêmio Innovare em 2020, na categoria Ministério Público. Tal premiação visa estimular a multiplicação de iniciativas interessantes e com impacto social relevante no Brasil para os demais estados e regiões do país. A Catrapoa iniciou seus trabalhos no final do ano de 2016, coordenada pelo 5º Ofício do MPF/AM e conta com a participação de instituições públicas federais, estaduais e municipais, da sociedade civil e movimentos de povos indígenas e comunidades tradicionais, na busca de soluções adequadas à falta ou não adequação da alimentação escolar (Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE) e outros programas de compras públicas, como Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, entre povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como apoia o acesso destes grupos a estas políticas públicas, funcionando como principal catalizador das articulações e ações neste tema no estado. A ideia de reunir essas instituições nasceu a partir de visita do MPF à terra indígena Yanomami e a constatação da problemática entre os povos indígenas no Amazonas, em que a logística dificulta o escoamento da produção e, ao mesmo tempo, o fornecimento da alimentação adequada às escolas, contexto similar em toda a região amazônica envolvendo povos e comunidades tradicionais, bem como em outras partes do país. Além disso, devido em grande parte às longas distâncias e falta de estrutura para conservação de alimentos nestes locais, quando chegam, os produtos são descontextualizados da cultura destes povos, industrializados, o que gera doenças e hábitos alimentares que comprometem a aceitação dos alimentos saudáveis e tradicionais produzidos localmente. Há inclusive impactos negativos na saúde de crianças e adolescentes registrados de forma crescente pelo SUS. Após diversas reuniões nos anos de 2016 e 2017 da Catrapoa, verificou-se a existência de alguns entraves para a compra direta de produtos dos povos indígenas para alimentação escolar, dentre as quais se destacavam:
– Legislação sanitária que não considera as formas tradicionais de produção e consumo;
– Dificuldade de emissão de documentos necessários para participação nas políticas de compras públicas;
– Desconhecimento dos gestores públicos sobre o cumprimento da obrigatoriedade de aquisição de, no mínimo, 30% de produtos da agricultura familiar;
– Falta de conhecimento sobre as políticas de compras públicas pelos povos e comunidades tradicionais. Com relação à questão sanitária, foi expedida em 2017 uma Nota Técnica (NT) pela Fundação Nacional do Índio (Funai), bem como outra NT assinada pela Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf), a Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Amazonas (SFA/Mapa/AM) e o MPF/AM. Este documento trata do autoconsumo/consumo familiar no contexto dos povos indígenas, em que desde a produção até o consumo final trata-se de um contexto familiar, e da dispensa de registro sanitário na aquisição de produtos de origem animal, como peixe, pato, galinha caipira, ovo, e processados vegetais, como farinha de mandioca e derivados (beiju, goma, farinha de tapioca), polpas e sucos de frutas, que são a base da alimentação destes povos, na própria comunidade/aldeia, ou no entorno próximo. Assim, considera a existência de mecanismos tradicionais de controle alimentar dentro da cultura destes povos e apresenta entendimento de modo a adequar entraves burocráticos desconectados dos hábitos e tradições alimentares quanto aos padrões de vigilância sanitária. Além das reuniões da Catrapoa, foram realizadas oficinas com atores envolvidos na alimentação escolar indígena em diferentes municípios do Amazonas, organizadas pela Funai, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Cooperação Alemã (GIZ), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Secretarias Estaduais de Educação e Produção, prefeituras e organizações da sociedade civil.
Entre 2019 e 2020, as chamadas públicas específicas para aquisição de produtos de povos indígenas para alimentação escolar no Amazonas, com base na Nº 01/2017/ADAF/SFA-AM/MPF-AM, envolveram uma diversidade de mais de 50 produtos, 3 milhões de reais e 20 municípios, beneficiando 20 mil estudantes, 200 escolas e 350 agricultores indígenas.
Em resumo, esta iniciativa traz os seguintes benefícios:
– Geração de renda para povos e comunidades tradicionais;
– Fomento ao desenvolvimento da economia local;
– Estímulo ao desenvolvimento de atividades sustentáveis;
– Adequação e melhoria da qualidade da alimentação nas escolas;
– Promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional de povos e comunidades tradicionais;
– Valorização da biodiversidade e do conhecimento local;
– Redução de gastos públicos logísticos e saúde,
– Redução de impacto ambiental.
Em 2020 a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF) do Mapa, em parceria com a GIZ, lançou o Guia prático: alimentação escolar indígena e de comunidades tradicionais. Com estes resultados positivos e o potencial de replicação da boa prática, no final de 2020 a Catrapoa foi a iniciativa vencedora do Prêmio Innovare na categoria Ministério Público, como informado acima. Com o sucesso da iniciativa, em 2020 a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF expediu a Nota Técnica nº 3/2020/6ªCCR/MPF, que adequa e expõe este entendimento da Nota de 2017 do Amazonas para todos os povos e comunidades tradicionais do Brasil. Neste mesmo ano foi aprovada a Lei nº 14.021/2020, que em seu artigo 10 garante a facilitação de acesso documental a estas populações nas compras públicas, bem como expressa o entendimento sanitário trazido nas notas técnicas expedidas no âmbito da Catrapoa em 2017 e 2020, no período da pandemia. No início de 2021 a 6ª CCR do MPF institui formalmente a Mesa de Diálogo Permanente (Catrapovos Brasil), em âmbito nacional, a partir de reuniões realizadas em 2020, com os seguintes objetivos:
Promover no âmbito nacional o diálogo e integração entre as instâncias governamentais e da sociedade civil relacionadas ao tema de povos e comunidades tradicionais, compras públicas e soberania e segurança alimentar e nutricional; Discutir possíveis adequações em ações e normativas vinculadas ao tema; Fomentar a implementação da alimentação escolar regionalizada e outros mecanismos de compras públicas adequados à cultura de povos e comunidades tradicionais nas diferentes regiões e estados do Brasil, por meio de arranjos locais. Ainda, este ano foi proposto o Projeto de Lei nº 880/2021 em tramitação no Senado Federal, que que institui a Política Nacional de Promoção da Alimentação e dos Produtos da Sociobiodiversidade de Povos e Comunidades Tradicionais e visa incorporar os avanços trazidos pelas iniciativas supracitadas ao ordenamento pátrio de modo a gerar ainda maior segurança jurídica ao tema. Mais informações em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/catrapovosbrasil
Kelly Ventorim, Semagro