Embora animais e plantas transgênicos existam há mais de três décadas, foi somente nos últimos 10 anos que novas técnicas para a produção de alterações no genoma foram desenvolvidas. Essas técnicas fazem uso de organismos portadores de sistemas reparadores de DNA que estão presentes dentro das células e não incorporam DNA de outras fontes em seu genoma.
Portanto, elas são normalmente tidas como técnicas de reescrita de genoma, refletindo as mudanças sutis que causam nele. A reescrita de genoma foi conseguida com êxito tanto em plantas quanto em animais, embora não haja aprovação da reescrita de genoma de gado para consumo humano. Mas, se consumidores e produtores estão prontos para colher os benefícios da reescrita de genoma em gado, os cientistas precisam se mobilizar mais para explicar o processo utilizado para conceber esses animais a fim de garantir às pessoas sua segurança e vantagens.
Reescrita de genoma: definições e técnicas
A engenharia genética, ou a modificação de um código genético de um organismo pelo acréscimo de DNA oriundo da manipulação de outro organismo, data de meados dos anos 1970. Pesquisadores decidiram que DNA exógeno poderia ser incorporado em cromossomos de mamíferos quando injetado no núcleo das células. Essa incorporação de DNA ocorre por meio de recombinação homóloga, ou quando filamentos de DNA que são parecidos (homólogos) trocam informações genéticas naturalmente.
Para introduzir um novo gene em um organismo, os genes de interesse são incorporados em um plasmídeo, ou pedaço circular de DNA, e então introduzidos nas células. O DNA do plasmídeo é incorporado no genoma da célula. Subsequentemente, essa célula é utilizada para clonar novos organismos. Essa técnica de criação de organismos geneticamente modificados deu margem aos vários modelos de doenças em humanos, novos modelos para análise em laboratórios.
Mas, nos últimos cinco anos, novas técnicas de alteração dos genes de organismos, chamadas de “reescrita de genoma”, foram desenvolvidas. Essas técnicas são mais precisas e não dependem da introdução de DNA exógeno e sua incorporação por recombinação homóloga em células. Ao invés disso, essas técnicas dependem de um processo celular diferente, denominado “reparação de falhas em DNA de fita dupla”.
Falhas em fitas duplas podem ocorrer no DNA durante a vida normal das células; portanto, as células dispõem de sistemas para consertar essas falhas. Esses sistemas incluem recombinação homóloga, parecida com o caminho descrito anteriormente, e outro sistema chamado recombinação não homóloga (NHEJ, na sigla em inglês). Na recombinação não homóloga, as terminações do DNA são repartidas ou alongadas para gerar saliências a serem ligadas às fitas de DNA.
Ao contrário da recombinação homóloga, que faz uso de uma “fita padrão” para guiar a reparação, a recombinação não homóloga está, por sua própria natureza, propensa a falhas. Geralmente durante a recombinação não homóloga pequenas inserções e supressões (indéis) são introduzidas no DNA. Embora isso não cause problemas, quando isso acontece em uma determinada região de um gene pode haver uma mutação que altera a abundância de proteínas ou a função das proteínas resultantes. Normalmente mutações no gene podem fazer com que a proteína resultante suma, criando um “nocaute” genético. Além disso, quando pedaços pequenos de DNA são introduzidos juntamente com uma falha de fita dupla, são normalmente utilizados em reparos por recombinação homóloga.
Consequentemente, um novo DNA pode ser incorporado com o uso dessas técnicas, porém estas não dependem de DNA exógeno. A solução para a reescrita de genoma, dessa forma, é direcionar a falha de fita dupla ao local pretendido no genoma para quebrar um gene de interesse.
Três técnicas de reescrita de genoma
Todas as três técnicas correntes da reescrita de genoma – Nuclease Dedo de Zinco (ZFN, na sigla em inglês), Transcrições do Gene Alvo Ativador como Nuclease Efetora (TALENS, na sigla em inglês) e Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas (CRISPR, na sigla em inglês) – usam meios um pouco diferentes de direcionar sua nuclease ligada a determinadas regiões no genoma.
Tanto a ZFN quanto a TALENS utilizam proteínas-alvo que se ligam ao DNA em áreas específicas, enquanto a CRISPR emprega um RNA-guia para obter o mesmo resultado. Uma vez que o local correto no genoma é atingido, uma endonuclease, ou proteína capaz de cortar DNA, gera a fita dupla com falha. Quando a falha é consertada, ocorrem pequenas mutações.
Células tratadas com essas técnicas de reescrita de genoma são, então, analisadas para identificar que mutações ocorreram. Células com as mutações pretendidas são utilizadas em clonagem para fazer com que animais carreguem essas mutações.
Devido a mudanças bem sutis, às vezes apenas um grupo de pares de bases de DNA vem à tona com a reescrita de genoma, e utiliza-se o mecanismo da própria célula para auxiliar na criação dessas mutações. O aparecimento dessas mutações imita o aparecimento de mutações oriundas de reprodução seletiva.
Normalmente, características planejadas durante a reprodução seletiva (escolha de um macho pretendido e fêmeas), como qualidade cárnea aperfeiçoada ou crescimento acelerado, são resultado de pequenas mutações que ocorrem naturalmente. No âmbito do DNA, de fato não há diferenças entre mutações introduzidas pela reescrita de genoma e aquelas produzidas a partir de reprodução seletiva.
Situação regulatória de gado geneticamente modificado
A certificação recente concedida pela FDA (Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos EUA) a uma nova espécie de salmão do Atlântico geneticamente modificada aumentou as vantagens comerciais para inserir no mercado gado geneticamente modificado. Ao longo dos quase 20 anos do processo de certificação do salmão, houve pouco incentivo para que outras pessoas desenvolvessem novas modificações genéticas em gado.
Agora, com o surgimento da reescrita de genoma, na qual não há adição de DNA exógeno ao genoma, as autoridades reguladoras têm um novo desafio pela frente: não está muito clara a melhor forma de classificar animais cujo genoma foi reescrito e gado cujo DNA fora também reescrito. Devido à falta de DNA exógeno, recentemente o Departamento de Agricultura dos EUA determinou que animais cujos genomas foram reescritos, como o cogumelo com o gene polifenolaxidase modificado que adquire uma coloração marrom mais vagarosamente do que aqueles sem modificações, não serão submetidos à obrigatoriedade de supervisão por parte desse órgão norte-americano (WALTZ, 2016).
Recentemente, com a reescrita de genoma, suínos com resistência ao vírus causador da síndrome reprodutiva e respiratória em suínos (WHITWORTH et al., 2016) e à peste suína africana (LILICO et al., 2013) foram aperfeiçoados geneticamente, e planejam-se outras modificações referentes a resistência a doenças. Não se sabe se gado com modificações advindas da reescrita de genoma será visto da mesma forma que aqueles alocados em plantas. Entretanto, dado que gado com genoma reescrito não é portador de DNA exógeno, eles não são “transgênicos” por natureza; ao invés disso, se parecem com gado que pode apresentar mutações decorrentes de reprodução seletiva.
Por exemplo, gado com músculos duplos (de porte muito grande), valorizado por seu crescimento acelerado e rendimento cárneo maior, apresenta mutações no gene miostatina e estão na face da Terra há centenas de anos. Suínos cujo gene miostatina foi reescrito apresentam uma mutação parecida nesse gene; na realidade, eles só não têm um par de bases nesse gene.
Conclusão
Resumindo, técnicas de reescrita do genoma são capazes de acelerar o ritmo do aperfeiçoamento genético em espécies de gado e acarretam tanto alterações mais precisas quanto sutis em comparação com as técnicas convencionais.
Apesar do surgimento de diversos novos animais com alterações no genoma para fins de pesquisa científica, até o presente momento nenhuma espécie de gado com genoma reescrito foi certificada para uso comercial. Conscientizar consumidores e agências reguladoras de que a reescrita de genoma é um método preciso e controlado de melhoria das espécies de gado, originando animais que têm mutações parecidas com os gerados por reprodução seletiva será um importante passo a ser dado na direção da utilização desses animais futuramente.
Escrito por:
Anna C. Dilger, Universidade de Illinois