Por Autor Convidado
Há provas cada vez mais contundentes que sugerem que o ambiente gestacional pode provocar mudanças permanentes no genoma fetal, causando efeitos permanentes no fenótipo dos filhotes. Esse conceito é denominado programação fetal, ou desenvolvimento fetal e é comumente chamado de “hipótese de Barker” ou “Modelo de Origem Fetal”. Uma pesquisa pioneira desenvolvida pelo Dr. David Barker e seus colegas estabeleceu uma conexão, relacionando mães subnutridas com filhotes que apresentavam peso baixo no nascimento e um aumento em adiposidade e distúrbios metabólicos. Barker deu prosseguimento a essa investigação para sugerir que deficiências no nível nutricional da mãe poderiam modificar o metabolismo, a estrutura e a fisiologia dos filhotes (Idem, 1995). Investigações mais aprofundadas sugeriram que a subnutrição materna durante o período de gestação pode fazer com que os filhotes desenvolvam um “fenótipo poupador” (responsável pelo aumento de adiposidade e diminuição na massa muscular) mais preparado para lidar com a escassez de disponibilidade de nutrientes (BARKER, 2007; FORD et al., 2007). Cientistas cárneos e de animais analisaram esse conceito mais a fundo e provaram que o ambiente gestacional pode impactar o desenvolvimento muscular e o tecido conjuntivo (BARKER et al., 2002; ZHU et al., 2004; DU et al., 2011; YAN et al., 2012), algo que poderia influenciar na composição da carcaça e na qualidade cárnea. Embora a pesquisa que relacionou programação fetal às características da produção cárnea tenha sido iniciada relativamente cedo, estamos começando a compreender como o ambiente materno pode implicar na maximização do potencial genético em relação às características da carcaça.
Regulação epigenética
Normalmente concorda-se que alterações no epigenoma sejam responsáveis pelas alterações observadas com a programação fetal. Com raras exceções, todas as células do corpo têm o mesmo código genético (DNA). É a expressão de determinados genes que permite que cada célula se desenvolva e funcione como esperado. Por exemplo, células especializadas no músculo ativam genes que codificam proteínas capazes de contrair e relaxar, ao passo que células especializadas no tecido adiposo agem na sintetização e armazenamento de triglicérides. O epigenoma controla muitas dessas alterações no genoma. Epigenética é o termo utilizado para descrever fatores estáveis e hereditários (que não os da sequência de DNA) que influenciam a formação do filhote, como metilação do DNA (tipo de alteração química que o DNA sofre, de caráter hereditário), modificação das histonas (principais proteínas que compõem a unidade estrutural dos cromossomos) e desenvolvimento de MicroRNAs (FUNSTON & SUMMERS, 2013). Esses fatores podem modificar a expressão de um gene (informação hereditária que um gene carrega), mas não o código genético existente, fornecendo a cada célula, assim, sua identidade única. Tais fatores podem ser influenciados pela variação a que o ambiente gestacional é submetido, como disponibilidade de nutrientes e estresse materno, causando alterações no epigenoma do feto. Essas alterações podem, subsequentemente, modificar o desenvolvimento de tecidos fetais e o crescimento e composição posteriores dos filhotes. Considerando-se que o fenótipo de qualquer indivíduo é a combinação de um código genético herdado e o ambiente no qual esse organismo cresce, a capacidade de um filhote de expressar completamente seu potencial genético pode ser limitada por agressões sofridas pelo epigenoma.
Consequências nas características da carcaça e na qualidade cárnea
Tendo em vista que o ambiente gestacional pode influenciar o desenvolvimento do feto e, posteriormente, resultados na produção em longo prazo, é plausível que o acompanhamento pré-natal possa ser manipulado a fim de produzir carcaças com características almejadas. Leve em conta, também, que a maioria do gado engordado com fins de produção de carne é submetido ao ambiente gestacional durante uma quantidade considerável de tempo referente a todo seu ciclo de vida. Por exemplo, um boi criado com o intuito de produzir carne e que é abatido aos 16 meses de vida passaria aproximadamente 37% de todo seu ciclo de vida (do nascimento ao abate) no útero. A aplicação de estratégias de gerenciamento durante a gestação poderia ampliar nossos objetivos de otimização da eficácia produtiva; no entanto, deve-se levar em conta o tempo da mãe e as condições nas quais ela se encontra.
Enquanto que o feto é totalmente submetido ao ambiente gestacional até o parto, os tecidos sofrerão variações quanto à sua vulnerabilidade a agressões por parte da mãe, dependendo do momento e da gravidade do evento. Uma pesquisa sugere que a restrição de determinados nutrientes à mãe, especialmente durante o segundo trimestre, influencia o desenvolvimento de tecidos musculares e adiposos e pode alterar características da carcaça. Recentemente, Mohrhauser et al. (2015) investigaram o efeito da limitação de energia maternal no decorrer da metade da gestação nas características e qualidade cárnea das carcaças de filhotes.
Filhotes de vacas que se encontram em condições negativas de energia (NES = sigla em inglês para Negative Energy Status; ou seja, gado que foi alimentado com 80% do valor energético necessário para a manutenção do peso corporal) apresentaram uma tendência de melhorias (P < 0,10) na gordura subcutânea da 12ª costela, bem como em termos de valores de rendimento de carcaça exigidos pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Contudo, o tratamento dado à mãe não influenciou o peso da carcaça quente do filhote ou a região muscular do corte de filé mignon. Bezerros provenientes de vacas com NES geraram valores mais altos de taxa de marmoreio (MRatio, na sigla em inglês) e de percentual de gordura intramuscular (IRatio, também na sigla em inglês) (P < 0,05) (os cálculos compararam a taxa de marmoreio e o percentual de gordura intramuscular com a gordura subcutânea da 12ª costela), sugerindo que as condições de energia da mãe durante a metade da gestação podem impactar o acúmulo de gordura nos depósitos de gordura intramuscular e subcutânea sem causar impactos na massa muscular.
Para investigar os impactos da restrição de uma proteína metabolizável (MP, na sigla em inglês) no desenvolvimento dos filhotes, Kincheloe et al. (2016) expuseram novilhas em período de gestação tanto a dietas de controle (CON; com cerca de 102% de exigência de proteínas metabolizáveis) quanto de restrição (R; com cerca de 80% dos requisitos desse tipo de proteína) ao longo da metade e do final da gestação. Uma amostra de biópsia foi coletada do músculo longissimus de um subgrupo de bezerros machos de cada combinação de tratamento para analisar a expressão genética por meio do uso da tecnologia de sequenciamento de RNA. Genes encontrados em caminhos associados ao desenvolvimento do tecido muscular tiveram sua resposta a um estímulo ou a uma célula aumentada (P ≤ 0,02) em bezerros nascidos de mães submetidas à dieta de controle no decorrer da metade e do final da gestação. Por outro lado, genes envolvidos na adipogênese tiveram sua resposta a um estímulo ou a uma célula aumentada (P = 0,05) em bezerros nascidos de mães submetidas o tempo todo à dieta de restrição, indicando que a restrição de proteína metabolizável ao longo da metade e final da gestação pode causar impactos na programação do músculo neonatal e nos tecidos adiposos em gado bovino.
Conclusão
Embora esses estudos forneçam provas de que a nutrição materna pode resultar em alterações nas características pós-natais, os mecanismos epigenéticos inerentes (metilação do DNA, modificação de histonas ou surgimento de MicroRNAs) que desencadeiam essas reações ainda não foram determinados, garantindo a necessidade de investigações mais aprofundadas. Também é necessário que se realizem pesquisas para compreender como estimular a programação fetal a fim de influenciar determinadas características da carcaça dos filhotes, algo que poderia favorecer os criadores por meio de uma ferramenta adicional de gerenciamento para auxiliar na obtenção de suas metas produtivas.