A produção brasileira de cana-de-açúcar impacta menos o meio ambiente do que se pensava. Esta é a conclusão da nova “Avaliação de Ciclo de Vida de Produtos” (ACV), divulgada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, no final de setembro.
Responsável por este trabalho no País, a pesquisadora Marília Ieda da Silveira Folegatti Matsuura, da Embrapa Meio Ambiente (SP), destaca que, até então, a maior parte das pesquisas de ACV de cana-de-açúcar e derivados produzidos no Brasil, feitas por organizações internacionais, aborda apenas as categorias de impacto ambiental “balanço energético” e “mudanças climáticas”, “questões de fato muito importantes para o setor de biocombustíveis”.
De acordo com a Embrapa, a AVC é uma ferramenta que permite avaliar o desempenho ambiental de produtos ao longo de todo o ciclo de vida. Trata-se de uma metodologia com forte base científica, reconhecida internacionalmente e padronizada pela série de normas ISO 14040.
Segundo Marília, as pesquisas anteriores não englobavam outras categorias muito relevantes à saúde humana e à qualidade dos ecossistemas, como ecotoxicidade terrestre e aquática, formação de oxidantes fotoquímicos ou névoa fotoquímica, além da degradação da camada de ozônio – pontos que foram considerados pelo estudo da Embrapa.
“Para estas categorias de impacto, os resultados na canavicultura brasileira são mais favoráveis que os relatados na literatura”, garante a pesquisadora, em entrevista à equipe SNA/RJ.
QUEIMADA PRÉVIA
A especialista também comenta que, além disto, alguns dos trabalhos anteriores não consideravam mudanças tecnológicas adotadas pelo setor canavieiro, “que concorrem para a maior sustentabilidade da atividade, como a redução – e, em algumas regiões, a abolição – da prática da queimada prévia à colheita; a adoção de produtos fitossanitários menos tóxicos – ou, em alguns casos, a adoção de controle biológico –; a prática do plantio direto; dentre outras”.
“Citando números, uma das referências internacionais considerava a prática da queimada em 80% da área de produção de cana-de-açúcar em nosso País, enquanto atualmente isto ocorre em uma área muito inferior, em cerca de 19%”, salienta Marília.
A pesquisadora lembra que, antigamente, a queima era praticada para permitir a colheita manual da cana-de-açúcar: “Com a adoção da colheita mecanizada, as queimadas foram abolidas. Hoje, não é possível a mecanização em áreas de relevo acidentado, por exemplo. E é exatamente por este motivo que o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, aprovado pelo Decreto nº 6.961, de 17 de setembro de 2009, aponta como inaptas a esta cultura áreas com declividade superior a 12%”.
AGROQUÍMICOS
Um inventário anterior, produzido por uma das principais bases de dados internacionais, foi elaborado em 2010 e atualizado dois anos mais tarde. No entanto, segundo Marília, ele adotava como referências os trabalhos realizados até o fim da década de 1990.
“Um dos pesticidas incluídos neste inventário era um composto organoclorado, com alta persistência no ambiente e capacidade de bioacumulação. Sua aplicação, no entanto, é proibida no Brasil desde 1985. Hoje, já estão disponíveis no mercado produtos de menor toxicidade para a produção de cana-de-açúcar”, ressalta Marília.
Para auxiliar a produção canavieira em relação à modelagem de pesticidas, a Universidade Técnica da Dinamarca (Technical University of Denmark, DTU) criou, em 2006, o software específico “PestLCI”, que permite determinar para qual compartimento ambiental os resíduos de pesticidas são destinados e estimar sua concentração.
“Recentemente, a partir de uma parceria com a Embrapa Meio Ambiente, está sendo realizada a parametrização deste modelo para as condições brasileiras. Esta ferramenta poderá auxiliar o produtor de cana na escolha dos produtos fitossanitários utilizados na cultura, visando à redução dos impactos ambientais”, relata Marília.
ACV NO MUNDO
De acordo com a pesquisadora, a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), além de ser uma ferramenta de gestão que permite avaliar o desempenho ambiental de produtos ao longo de todo o ciclo de vida, também se aplica à identificação dos estágios do ciclo de vida que mais contribuem para a geração de impactos; à avaliação da implementação de melhorias; à integração de aspectos ambientais ao projeto e desenvolvimento de produtos; e ao subsídio a declarações ambientais.
“É uma metodologia com forte base científica e reconhecida internacionalmente, sendo padronizada pelas normas ISO 14040:2006 e 14044:2006.”
Marília conta que a ACV é largamente utilizada em todo o mundo, com destaque para Europa, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, além de muitos países da América Latina, inclusive o Brasil.
“Em vários países, a ACV é considerada para a formulação de políticas públicas. Na Alemanha, por exemplo, é adotada como base para o estabelecimento de critérios para rotulagem ambiental de produtos e para a definição de cotas mandatórias de reuso e reciclagem”, destaca.
Na França, continua a pesquisadora, “a regulação Grenelle exige certificações baseadas em estudos de ACV para todos os produtos industrializados comercializados no país”. “Europa, Estados Unidos e também várias nações da América Latina trazem, em suas legislações, a obrigatoriedade da realização de estudos de ACV para biocombustíveis.”
Atualmente, relata Marília, a Europa está desenvolvendo um programa de rotulagem ambiental com base em ACV: o PEF (Product Environmental Footprint), que terá caráter mandatório.
“Futuramente, isto poderá afetar as relações comerciais com a Europa, sendo possível que venham a ser exigidos estudos de ACV que comprovem o desempenho ambiental dos produtos exportados para aquele continente. E o Brasil precisa estar preparado para este momento.”
Por equipe SNA/RJ