Nota do editor: este artigo faz parte de uma série esporádica de material exclusivo fornecido por autores comissionados pela Associação Norte-americana de Ciência da Carne em cooperação com o site Meatingplace (disponível apenas em inglês). Este estudo foi retirado da 68ª Conferência de Procedimentos Recíprocos em Carnes promovida pela Associação Norte-americana de Ciência da Carne (AMSA – American Meat Science Association).
A predominância crescente de infecções bacterianas em humanos, resistentes a tratamento com antimicrobianos, foi considerada um problema grave de saúde pública global em diversos relatórios de autoria governamental, não governamental, profissional e médica. Em 2013, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças publicou um relatório de 113 páginas intitulado Antibiotic Resistance Threats in the United States, 2013 (tradução livre: “Ameaças resistentes a antibióticos nos Estados Unidos em 2013”) (que, daqui para frente, será referido simplesmente como CDC report). Esse documento atribui pelo menos 2 milhões de doenças e 23.000 mortes, todos os anos, nos EUA, a micro-organismos resistentes a antimicrobianos (o relatório está disponível apenas em inglês neste link:http://www.cdc.gov/drugresistance/pdf/ar-threats-2013-508.pdf). Normalmente, admite-se que a resistência antimicrobiana das bactérias (AMR: sigla em inglês para Antimicrobial Resistance) seja um fenômeno de incidência normal (quer dizer, a AMR existiria com ou sem o uso de antimicrobianos por parte dos seres humanos), e qualquer uso de antimicrobianos aumenta a incidência de AMR. A resistência antimicrobiana é muito complexa, e os cientistas têm apenas uma vaga compreensão dos fatores que contribuem para a disseminação e persistência da AMR. Existe muita controvérsia sobre os impactos relativos do uso de antimicrobianos na fabricação de alimentos de origem animal e medicamentos utilizados por seres humanos em relação à ocorrência de infecções humanas causadas por resistência antimicrobiana.
As medidas da FDA (Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos dos EUA) de relevância para a regulação do uso de antimicrobianos na produção de alimentos de origem animal incluem a publicação dos documentos Guidance For Industry #209: The Judicious Use of Medically Important Antimicrobial Drugs in Food-Producing Animals(tradução livre: “Orientações à Indústria nº 209: o uso consciente de drogas antimicrobianas de importância médica em animais destinados ao consumo humano”) (que, daqui para frente, será referido como GFI #209) e Guidance For Industry #213: New Animal Drugs and New Animal Drug Combination Products Administered in or on Medicated Feed or Drinking Water of Food Producing Animals, Recommendations for Drug Sponsors for Voluntarily Aligning Product Use Conditions with GFI #209 (tradução livre: “Orientações à Indústria nº 213: novas drogas veterinárias e novas combinações de produtos veterinários administrados em/nos alimentos medicamentosos ou na água de animais destinados ao consumo humano: recomendações para entidades de coleta de informações de novas drogas veterinárias sob condições de uso do produto de forma voluntária e conforme a GFI #209 (daqui para frente, será referida como GFI #213). Como as diretrizes GFI #209 e GFI #213 tratam dos princípios e procedimentos para fabricantes de antimicrobianos muito importantes do ponto de vista médico, administrados diretamente na ração do animal ou na água que ele bebe, com o intuito de retirar dos rótulos de seus produtos indicações de uso referentes a “produção” (termo entendido como “aceleração de crescimento” ou “aperfeiçoamento da eficiência da ração”), e, até dezembro deste ano, submeter os usos terapêuticos desses produtos à supervisão de um veterinário por meio do emprego de diretivas de alimentação veterinária.
Em 2014, a Casa Branca emitiu a Ordem Executiva nº 13.676, intitulada Combating Antibiotic-Resistant Bacteria (tradução livre: “Combate a Bactérias Resistentes a Antibióticos”), que reconhece que o combate a bactérias resistentes a antimicrobianos é uma “prioridade de segurança nacional” dos EUA. Essa Ordem Executiva instituiu uma “Força-tarefa de Combate a Bactérias Resistentes a Antibióticos”, copresidida pelas Secretarias dos Departamentos de Agricultura (USDA), de Defesa e de Saúde e Serviço Social (HHS – sigla em inglês para Health and Human Services), que publicou, em 2015, um documento com o seguinte título: National Action Plan for Combating Antibiotic-Resistant Bacteria (tradução livre: “Plano Nacional de Ação para Combate de Bactérias Resistentes a Antibióticos”) (doravante referido como o CARB Action Plan). Esse plano (disponível apenas em inglês neste link: https://www.whitehouse.gov/sites/default/files/docs/national_action_plan_for_combating_antibotic-resistant_bacteria.pdf) especificou cinco objetivos maiores; cada um consiste em vários objetivos específicos. Os objetivos relevantes para a produção de animais para consumo humano são: eliminar o uso de antimicrobianos medicamente importantes para a promoção de crescimento e submeter outras aplicações de antimicrobianos medicamente relevantes utilizados diretamente na ração ou na água do animal sob supervisão veterinária (Objetivo 1.2); aperfeiçoar a administração de antimicrobianos (Objetivo 1.3); melhorar e expandir a eficácia do programa de segurança alimentar do governo, bem como a de laboratórios veterinários (Objetivo 2.3); aprimorar e potencializar o monitoramento do uso de antimicrobianos e a resistência dessa substância tanto nas fazendas de criação quanto nas carnes vendidas no varejo (Objetivo 2.4); e aumentar a quantidade de pesquisas fundamentais para compreender melhor a resistência antimicrobiana em ambientes de produção de animais destinados a consumo humano (Objetivo 4.1). De maneira expressiva, o CARB Action Plan não incluiu restrições adicionais sobre o uso de antimicrobianos que vão além da implementação das diretrizesGFI #209 e GFI #213 do Departamento de Agricultura dos EUA.
Ambos o CARB Action Plan e o CDC report enfatizaram que problemas referentes ao uso de antimicrobianos na produção de animais para consumo humano vão além de patógenos alimentares resistentes a antimicrobianos, como Campylobacter spp. e aSalmonella não tifoide. Há uma preocupação de que os genes que causam a resistência a antimicrobianos, presentes em bactérias comensais (E. coli e Enterococcus não patogênicas e bactérias não cultiváveis) podem ser passados horizontalmente a patógenos, que, subsequentemente, causam doenças em humanos. Bactérias resistentes a antimicrobianos na produção de animais destinados a consumo humano podem se disseminar em humanos por “contato direto”. Questões específicas foram levantadas quanto ao fato de que funcionários encarregados da produção de animais destinados a consumo humano poderiam ser colonizados por um subtipo de Staphylococcus aureusresistente a meticilina (MRSA: sigla, em inglês, para “methicillin-resistant Staphylococcus aureus“) associada ao gado. Além disso, foram levantadas questões de que a transmissão da resistência antimicrobiana também poderia ocorrer por vias de “ambiência”, incluindo “poeira” (matéria particulada aérea) originada a partir de locais de produção, escoamento de locais de produção e uso de esterco nas pastagens.
Tanto a complexidade inerente à resistência antimicrobiana quanto as lacunas graves de informação contribuíram para a criação de suposições sobre a contribuição, por parte da produção de gado, ao risco à saúde de humanos em relação a infecções resistentes a antimicrobianos. O Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal está ativamente engajado, por meio da realização de estudos, para abordar essas lacunas de informação e definir, com mais precisão, a resistência antimicrobiana em ambientes de produção de animais destinados a consumo humano. Uma pesquisa publicada do Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal demonstrou que o tratamento com cloridrato de ceftiofur, em gado, não tem efeitos de longo prazo na resistência antimicrobiana da bactéria E. coli; intervenções com antimicrobianos, já em curso, no processamento de carne bovina são eficazes contra bactérias resistentes a antimicrobianos; sem contar que os níveis parecidos de bactérias resistentes a antimicrobianos, porém uma diversidade ainda maior de genes resistentes a antimicrobianos, são encontrados em humanos, referentes ao gado e a resíduos de suínos. Atualmente, cientistas do Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal estão unindo tecnologia de sequenciamento de última geração com técnicas microbiológicas tradicionais para determinar se técnicas de produção “aplicadas sem o uso de antibióticos” diminuem a resistência antimicrobiana tanto no ambiente de produção quanto nos produtos finais. Ademais, o Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal está investigando a eficiência de intervenções pré-colheita sobre a resistência antimicrobiana e o nível desta no esterco do gado.
Talvez os problemas mais proeminentes referentes à resistência antimicrobiana que a produção de carne enfrenta envolvam ambas as categorias de antimicrobianos caros a medicações para humanos mais frequentemente administradas na ração de gado confinado: macrolides e tetraciclinas. Tilosina (Tylan®) é um antimicrobiano da categoria dos macrolídeos, que é administrado em gado confinado para diminuir a incidência de abscessos hepáticos (cavidades com pus no interior do fígado do animal). Tetraciclinas (clorotetraciclina, oxitetraciclina) são administrados diretamente na ração de gado confinado para prevenir doenças, incluindo o complexo de doenças respiratórias bovinas. O Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal está abordando essas questões por meio de estudos em andamento para comparar os impactos da resistência antimicrobiana tanto no ambiente produtivo quanto em todo o contínuo produtivo que vai da fazenda ao prato, ou concebendo diferentes estratégias de produção empregadas para minorar abscessos hepáticos e o complexo de doenças respiratórias bovinas.
Os objetivos gerais da pesquisa sobre resistência antimicrobiana do Centro Norte-americano de Pesquisas em Ciência Animal são determinar níveis de referência de bactérias resistentes a antimicrobianos em ambientes de produção de animais destinados a consumo humano a fim de compreender melhor as causas da persistência da resistência antimicrobiana na ausência de uso de antimicrobianos, e identificar e avaliar métodos para mitigar a resistência antimicrobiana em ambientes de produção de alimentos. Esses esforços aumentarão o conhecimento científico dos impactos da agricultura animal sobre a resistência antimicrobiana e identificarão estratégias para diminuir a contribuição da agricultura animal para o desenvolvimento de bactérias resistentes a antimicrobianos.
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SOBRE O AUTOR
John W. Schmidt
Centro de Pesquisa Animal e de Carnes dos Estados Unidos
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Serviço de Pesquisa Agrícola