No dia 22 de março, a Associação Americana de Ciência da Carne (AMSA) realizou um webinário com Jude L. Capper, Ph.D, consultora de sustentabilidade na pecuária de Oxfordshire, Reino Unido. Veja abaixo um resumo dos principais pontos discutidos.
Capper iniciou sua apresentação citando que há uma previsão de crescimento populacional na Índia, África e China, dizendo que esse é um fator que afetará a demanda e o mercado de carnes daqui para frente.
Depois, ela mostrou um gráfico que mostra a evolução do consumo de carnes em relação à quantidade de terras disponíveis, de 1980 a 2050:
A sustentabilidade engloba três pontos: ambiental, econômico e social.
Sustentabilidade ambiental
No que se refere ao aspecto ambiental, deve-se ter em mente que absolutamente todos os alimentos que consumimos têm impactos ambientais, em termos de emissões de gases de efeito estufa, uso da terra, uso da água, de energia, biodiversidade, etc. Apesar disso, a indústria pecuária está enfrentando desafios de grupos ambientalistas e de defesa animal, como pode-se ver na figura abaixo. Eles alegam que o consumo de carne ou leite prejudica o meio-ambiente.
No entanto, os dados mostram que os ruminantes são, mesmo, os maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa dentre os animais de produção, como mostra a figura abaixo:
Apesar disso, ela disse que valia a pena avaliar a evolução dos dados ao longo dos anos. Em 1977 precisavam de cinco animais para produzir a mesma quantidade de carne que quatro animais produziam em 2007. Houve também uma melhoria na produtividade, já que em 1977, demoravam 609 dias para os animais irem ao abate, enquanto em 2007, isso caiu para 485 dias. Isso, portanto, equivale a 3.045 animais por dia na produção em 1977 contra 1.940 animais por dia em 2007, usando os recursos naturais (água, energia, terra, etc).
Assim, os impactos ambientais foram reduzidos pela melhora na produtividade.
Quando comparado com 1977, em 2007, havia a necessidade de 30% menos animais, 19% menos alimentos, 12% menos água e 73% menos terra e 16% menos pegadas de carbono. Assim, a indústria pecuária já fez um grande avanço na sustentabilidade apenas melhorando a produtividade.
Qual sistema é mais sustentável?
A grande questão então é: qual tipo de produção é mais sustentável, a produção em confinamento ou a produção a pasto? Capper diz que ambos os sistemas têm vantagens e desvantagens, prós e contras, especialmente no que se refere às questões ambientais.
Estudos mostram que a conversão de um sistema de produção em confinamento em um sistema de produção natural ou a pasto leva ao aumento no número de animais necessários para produzir a mesma quantidade de carne. Os dados mostram que o sistema de confinamento americano produz 363 quilos peso carcaça com 444 dias para o abate. O sistema classificado como “natural” produz 324 quilos peso carcaça em 464 dias, levando a uma necessidade de 14,4 milhões a mais de animais. Já o sistema a pasto produz 279 quilos peso carcaça, com 679 dias para o abate, precisando de 64,6 milhões de animais a mais. Mais animais significa, obviamente, mais recursos (água, energia, terra, etc) utilizados.
Além disso, ela alega que se todo o sistema de produção dos Estados Unidos fosse convertido para produção a pasto, seriam necessários mais recursos, como terra (176 milhões a mais de hectares), água (1,77 bilhão de m3) e carbono (135 milhões de toneladas).
No entanto, há o contraponto, que é justamente o sequestro de carbono pelo solo, que é bem maior no sistema a pasto. Porém, essa não é exatamente a solução de todos os problemas já que, segundo mostram dados, a redução na produtividade dos sistemas a pasto aumenta consideravelmente a produção de carbono e, para compensar isso, o pasto teria que sequestrar 0,50 T C/ha/ano, o que é quase três vezes a maior estimativa já publicada na literatura.
Capper cita que os ativistas estão, agora, usando métricas que são familiares aos consumidores para obter maior impacto.
Assim, o grande aumento no uso de água acarretado pela mudança do sistema de confinamento para o sistema de produção a pasto nos Estados Unidos pode ter um grande impacto junto aos consumidores. De acordo com dados citados por ela, no sistema de produção em confinamento, a produção de grãos e forragem é responsável pela maioria do uso da água (milho, 10,1%; feno de alfafa, 26,1%; feno de gramíneas, 42,1%; soja, 2%; pastagem, 14,4%; gado, 5,3%). Os gastos totais de água no sistema de confinamento são de 2,15 mil litros/quilo (sem contar o processamento).
Já a produção de carne a pasto usa 3,8% da água na pastagem, 36,5% da água em pastagem melhorada (50% de irrigação), 26% no feno de alfafa, 31% no feno de gramíneas e 2,6% com os animais. No total, o gasto é de 5,65 mil litros/quilo de carne.
No caso de reduzir o sistema de irrigação nas pastagens, para <1%, o gasto total de água é de 4,4 mil litros/quilo de carne, com 5,9% vindo do pasto, 0,9% do pasto melhorado, 40,6% do feno de alfafa, 48,5% do feno de gramíneas e 4,1% dos animais.
Lembrando que essas estimativas são todas considerando se fosse feita uma mudança de produção no sistema de confinamento para pasto nos Estados Unidos. De acordo com estas estimativas, mesmo no sistema com menos irrigação o uso de água no sistema a pasto nos Estados Unidos seria o dobro do uso no sistema confinado.
A eficiência alimentar é um dos principais pontos usados para denegrir a agricultura animal. Há pessoas que argumentam, por exemplo, que se todos os americanos parassem de comer carne, haveria grãos suficientes para alimentar 1,4 bilhão de pessoas. No entanto, ela disse que isso também é controverso. Existe uma grande diferença entre a eficiência alimentar entre os sistemas de produção. De acordo com os dados apresentados, a razão de eficiência alimentar (quilos que entram/quilos que saem) é de 1,1 para produção leiteira, 3,6 para suínos, 2 para frangos, 2,2 para ovos, 7,8 para carne bovina produzida com grãos e 27,5 para carne bovina de animais em aleitamento.
No entanto, a medida de eficiência alimentar deve considerar os alimentos que são comestíveis por seres humanos, onde a pastagem leva uma grande vantagem, já que não é consumida por humanos. Assim, a produção leiteira e a produção de carne de animais em aleitamento têm vantagens na proporção de alimentos comestíveis por humanos com relação à produção, sendo de 0,7 e 0,9, respectivamente, enquanto na produção de carne com grãos essa proporção é de 3,0; na produção de suínos é de 2,6; na de frango é de 2,1; e na de ovos, 2,3.
Sustentabilidade social
Quando se fala de sustentabilidade social, um dos pontos a se considerar são fatores nutricionais das carnes produzidas pelos dois sistemas. De acordo com dados apresentados por Capper, um bife de cerca de 170 gramas produzido em confinamento possui 4,4% de gordura, enquanto o bife produzido a pasto possui 2,8% de gordura. Assim, a princípio, a carne a pasto é mais saudável por ser mais magra.
No entanto, novamente vem o contraponto: a composição da gordura entre os dois tipos de carne também difere. Segundo ela, a carne produzida a pasto tem desvantagens nesse sentido, com mais gordura saturada e menos gordura monoinsaturada, enquanto a carne produzida com grãos tem mais gordura monoinsaturada do que saturada. A carne produzida à base de milho teria vantagens nutricionais, já que a gordura monoinsaturada melhora a palatabilidade, aumenta o colesterol “bom”, reduz os sintomas de diabetes tipo II.
Por outro lado, a carne produzida a pasto tem uma vantagem nutricional referente à presença de ácido linoleico conjugado (CLA) e ômega-3 com relação à carne produzida no sistema de confinamento. O CLA e o ômega-3 têm efeitos anti-inflamatórios, melhoram a saúde cardíaca e previnem câncer e obesidade.
No entanto, ela disse que os efeitos para a saúde da carne produzida a pasto são discutíveis. Os dados mostram que grande parte dessas substâncias vão para as plaquetas, com uma pequena porcentagem indo para o plasma, o que pode ser benéfico para a saúde cardiovascular. No entanto, ela cita uma pesquisa de 2011 que mostrou que mulheres jovens que se alimentaram de lácteos e carne bovina produzida a pasto (dieta rica em CLA) não apresentaram efeito na composição corpórea, na sensibilidade à insulina, nos lipídios e no colesterol do sangue, concluindo que não houve efeitos benéficos nem reações adversas do consumo desses produtos.
No entanto, há muitas pesquisas que mostram os efeitos benéficos dos ômega-3 para a saúde, mas Capper questiona: a carne bovina é mesmo uma fonte prática de ômega-3 na dieta? Ela disse que fez cálculos sobre isso e concluiu que é necessário consumir 1,23 quilos de carne bovina a pasto para obter a mesma quantidade de ômega-3 contida em 170 gramas de salmão. Nesse caso, parece mais lógico consumir peixe como principal fonte de ômega-3.
Disponibilidade de pagar um preço premium
Ainda com relação à sustentabilidade social, ela cita que isso é bem difícil de medir. A disposição para pagar mais por um produto pode ser uma medida promissora. Se um consumidor está disposto a pagar um premium por um produto, isso sugere que esse produto pode ser socialmente aceitável.
No exemplo da foto, trata-se de uma carne do mercado de Manhattan, onde ela diz que a disposição de pagar US$ 29/libra [US$ 63,93/kg] mostra a aceitação desse corte produzido a pasto.
Ela cita três estudos que mostram o quanto os americanos disseram estar dispostos a pagar de premium pela carne bovina produzida a pasto – embora tenha alertado sobre o fato de que o que as pessoas falam nem sempre condiz com o que elas fazem. No primeiro estudo, de Evans et al, a média foi de US$ 2,28/kg; no estudo de Umberger et al., o premium citado foi de US$ 1,36/kg; e, por fim, no estudo de Xue et al., o valor foi de US$ 2,00/kg.
Porém, outro estudo mostrou que a carne australiana produzida a pasto tem menos aceitação do que a carne americana produzida com grãos nos Estados Unidos. Quando classificaram em uma escala de 1 a 8, a carne americana ganhou da carne australiana em todos os quesitos avaliados: sabor, suculência, maciez e aceitabilidade.
No entanto, essa diferença de classificação ficou menos clara, ou seja, menor, quando se comparou a carne bovina americana produzida com grãos e a pasto. Ela disse que isso depende em grande parte de onde o consumidor cresceu e suas preferências pessoais sobre carne, ou seja, da própria experiência pessoal do consumidor.
Capper citou que a melhor carne a pasto que já comeu foi em Sydney, Austrália e que achou bastante diferente da experiência que teve ao consumir carne produzida a pasto na Argentina.
Como conclusão, ela diz que é importante salientar que carne bovina sustentável não é sinônimo de carne orgânica, natural ou produzida a pasto, quando todos os recursos discutidos anteriormente forem considerados. Então, não há um sistema único que seja absolutamente sustentável em comparação com outro. Ambos têm vantagens e desvantagens.
Ela termina dizendo: todo sistema de produção de carne bovina pode ser sustentável.
E que sustentabilidade de carne bovina significa transformar a luz do sol em bife.
Beef Point