Pesquisas em estágio inicial sobre esse tipo de tecnologia, com foco em aspectos qualitativos de produtos cárneos processados e curados com fontes naturais de nitrito, forneceram um forte embasamento científico para a fabricação bem-sucedida de produtos. A partir do ponto culminante de inúmeros estudos enfocando qualidade, conclui-se que a inclusão tanto de nitrito natural (o recomendado é acima de 75 ppm) e acelerador de cura natural (mais do que 250 ppm de ácido ascórbico) são importantes para que se proporcione uma coloração de carne curada desejável (e estável) e vida de prateleira adequada dessa coloração de cura a fim de evitar esmaecimento da coloração de cura e perda de coloração.
Com um conhecimento razoavelmente sólido a respeito de qualidade, pouco se sabia sobre o impacto que a cura alternativa causava na segurança alimentar. A saber, quais eram os obstáculos existentes referentes à segurança alimentar resultantes do uso de abordagens de cura alternativa. Como tal, outras pesquisas sobre cura alternativa centraram-se em aspectos da segurança alimentar com o intuito de responder a perguntas sobre a equivalência de fontes naturais versus fontes purificadas de ingredientes, ou impactos advindos de formulações com concentrações mais baixas. Como resultado de investigações balizadas pela segurança alimentar, um cenário melhorado da segurança alimentar emergiu gradualmente em relação ao controle de bactérias patogênicas durante o processamento e armazenamento. Este artigo fará um apanhado de vários estudos recentemente publicados, com relação à segurança alimentar, focando o impacto que as fontes naturais de nitrito causa na segurança alimentar.
Segurança alimentar & observações sobre controle patogênico
Embora produtos curados com nitrito (e eritorbato/ascorbato de sódio) não sejam um pré-requisito para a fabricação de produtos de carnes bovina e avícola processados, dado que1) versões não curadas são amplamente encontradas para venda; e 2) uma quantidade de inúmeros entraves referentes à segurança alimentar – da refrigeração ao uso de antimicrobianos, que estão disponíveis para controlar com eficácia bactérias patogênicas –, esses produtos ainda são considerados de maneira muito diferente. Uma vez que o nitrito demonstrou apresentar propriedades antimicrobianas eficazes, sua inclusão em produtos de carnes bovina e avícola evidenciou (com base em um sem-número de pesquisas publicadas) um controle expressivo de várias bactérias patogênicas, incluindo aListeria monocytogenes e Clostridium perfringens. Tal controle, empregado a níveis de uso correntes de partes por milhão, fez com que produtos curados 1) tivessem uma vida de prateleira mais extensa em termos de “segurança alimentar” (sendo que o controle da bactéria L. monocytogenes deve ser feito); e 2) propiciou o estabelecimento de um período de estabilização menor (após o processamento térmico) devido ao controle da C. perfringens. Visto que há poucos estudos sobre o uso de fontes naturais de ingredientes de cura E que as concentrações utilizadas são normalmente menores (em virtude do custo ou impacto na qualidade do produto) do que quando são utilizadas versões purificadas/sintéticas, a segurança mencionada anteriormente foi questionada, dado que o processo de cura não se encaixa no escopo de análises investigativas anteriores.
A pesquisa baseada em segurança alimentar, até o presente momento, seguiu duas principais abordagens:
1a) compreender o impacto que o uso de fontes naturais de ingredientes de cura causa na segurança alimentar (por exemplo, controle da proliferação de L. monocytogenes ao longo da vida de prateleira de um produto, ou da bactéria C. perfringens no decorrer da estabilização);
1b) determinar se concentrações menores de ingredientes de cura (a saber, nitritos) podem ser suplementadas com vários antimicrobianos a fim de se obter índices esperados de segurança alimentar para produtos curados; e
2) estipular se ingredientes de cura, a despeito de sua fonte, quando empregados em concentrações iguais fornecem uma inibição semelhante da bactéria patogênica.
Controle de Listeria monocytogenes
A cura com nitrito, por si só, não provê inibição total da bactéria L. monocytogenes no processamento posterior de produto na etapa de pós-processamento. Entretanto, pesquisas demonstraram que a cura com nitrito claramente auxilia no controle da taxa de crescimento bacteriano (principalmente estendendo-se a fase lag). Também há estudos bem embasados que afirmam que há um fenômeno responsivo à dependência de dosagens, ao mesmo tempo que concentrações cada vez maiores de nitrito conferem mais controle. Essa relação é menos linear e mais gradual, na qual observou-se que ocorre uma inibição expressiva com “limites de controle” associados a “transições” nos índices da concentração. Por exemplo, uma dosagem de 50 ppm de nitrito pode apresentar uma inibição mensurável, sendo que a próxima inibição que pode ser notada pode ocorrer a uma concentração de 75 ppm sem diferenças observáveis entre essas duas concentrações. Consequentemente, os estudos tornam claro que essas concentrações menores de nitrito que são normalmente encontradas em produtos com cura alternativa são muito importantes no controle de L. monocytogenes, assim como são maneiras de se suplementar inibições mais amenas.
Em um estudo que fez um levantamento sobre a capacidade de a L. monocytogenes se desenvolver em produtos disponíveis no mercado “naturalmente” (forma conhecida, também, como alternativa) e convencionalmente, Schrader (tese de doutorado de 2010 pela Universidade Estadual de Iowa) chegou à conclusão de que produtos fabricados com concentrações menores de nitrito estavam sujeitos a um controle menor. Esses achados motivaram uma série de outras pesquisas a fim de determinar se, caso se aumente a concentração de nitrito de uma fonte natural, ou caso se suplementem as quantidades mais baixas de nitrito com antimicrobianos (convencionais, de rótulo limpo e naturais), o controle seria melhor. Estudos notáveis incluem os seguintes autores e títulos:
GOLDEN et al. “Inhibition of Listeria monocytogenes in Deli-Style Turkey Breast Formulated with Cultured Celery Powder and/or Cultured Sugar-Vinegar Blend during Storage at 4°C” (tradução livre: “Inibição de Listeria monocytogenes em peito de peru embutido formulado com aipo em pó cultivado e/ou mistura cultivada de açúcar e vinagre ao longo de armazenamento a 4°C”. Journal of Food Protection, vol. 10, nº 77, p. 1787-1793, 2014.
McDONNELL et al. “Identifying Ingredients that Inhibit Listeria monocytogenes for Use in Natural, Organic, and Clean-Label Ready-to-Eat Meat and Poultry Products” (tradução livre: “Identificando ingredientes que inibem a Listeria monocytogenes para emprego em produtos avícolas prontos para o consumo naturais, orgânicos e de rótulo limpo”. Journal of Food Protection, vol. 8, nº 76, p. 1366-1376, 2013.
SULLIVAL et al. “Inhibition of Listeria monocytogenes Using Natural Antimicrobials in No-Nitrate-or-Nitrite-Added Ham” (tradução livre: “Inibição de Listeria monocytogenes por meio do uso de antimicrobianos naturais em presunto sem adição de nitritos ou nitratos”.Journal of Food Protection, nº 75, p. 1071-1076, 2012.
XI et al. “Effects of Natural Antimicrobials on Inhibition of Listeria monocytogenes and on Chemical, Physical and Sensory Attributes of Naturally-Cured Frankfurters” (tradução livre:“Efeitos de Antimicrobianos Naturais na Inibição da Listeria monocytogenes e em Atributos Químicos, Físicos e Sensoriais de linguiças de tipo Frankfurter curadas naturalmente”. Revista Meat Science, nº 90, p. 130-138, 2012.
Esses estudos concluíram que:
1) o aumento dos teores de nitrito que são adicionados, a despeito de sua fonte, é importante para melhorar o controle de L. monocytogenes;
2) o uso de antimicrobianos adicionados (muitos dos quais funcionam tão bem quanto apontado na pesquisa completa) é extremamente importante (e muito mais eficaz do que voltar a atenção à concentração cada vez maior de nitrito) a fim de melhorar o controle daL. monocytogenes; e
3) independentemente da fonte de nitrito (quer dizer, se natural ou sintético), a funcionalidade com que a bactéria Listeria é combatida é a mesma.
Controle da bactéria Clostridium perfringens
A cura com nitrito propiciou um controle substancial da bactéria C. perfringens e a efetivação dessa medida fica mais evidente durante a estabilização do produto. De acordo com o Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos EUA, “Apêndice B”, quando pelo menos 100 ppm de nitrito são incluídas na formulação do produto, é permitido um período maior de resfriamento (de 15 horas, com temperaturas que vão de 54,4°C a 7,2°C). Esse processo de resfriamento mais demorado apenas foi permitido para produtos que contêm nitrito purificado/sintético e, consequentemente, requereu-se que todos os produtos curados de forma alternativa atendessem aos parâmetros de resfriamento mais abreviado (de 54,4°C a 4,4°C) para produtos não curados. Sabe-se muito bem que o nitrito não evita a proliferação de C. perfringens, ainda que não estivesse claro se fontes naturais de nitrito com concentrações abaixo de 100 ppm propiciariam a mesma qualidade de controle das versões purificadas/sintéticas. Vários estudos foram desenvolvidos para explorar essas questões:
VALENZUELA-MARTINEZ et al. “Inhibition of Clostridium perfringens Spore Germination and Outgrowth by Buffered Vinegar and Lemon Juice Concentrate during Chilling of Ground Turkey Roast Containing Minimal Ingredients” (tradução livre: “Inibição de germinação de esporos e proliferação de Clostridium perfringens por vinagre tamponado e suco de limão concentrado ao longo do resfriamento de carne de peru moída assada contendo o mínimo de ingredientes”. Journal of Food Protection, vol. 3, nº 73, p. 470-476, 2010.
JACKSON et al. “Survival and Growth of Clostridium perfringens in Commercial No-Nitrate-or-Nitrite-Added (Natural and Organic) Frankfurters, Hams, and Bacon” (tradução livre: “Sobrevivência e crescimento de Clostridium perfringens em linguiças de tipofrankfurter, presuntos e bacon para comercialização com ou sem adição de nitratos ou nitritos [naturais e orgânicos]). Journal of Food Protection. vol. 3, nº 74, p. 410-416, 2011.
___________________. “Use of Natural Ingredients to Control Growth of Clostridium perfringens in Naturally Cured Frankfurters and Hams” (tradução livre: “Uso de ingredientes naturais para controlar o crescimento de Clostridium perfringens em linguiças do tipo frankfurter e presuntos curados naturalmente.”). Journal of Food Protetion. vol. 3, nº 74, p. 417-424, 2011.
KING et al. “Impact of Clean-Label Antimicrobials and Nitrite Derived from Natural Sources on the Outgrowth of Clostridium perfringens during Cooling of Deli-Style Turkey Breast” (tradução livre: “Impacto de antimicrobianos de rótulo limpo e nitritos derivados de fontes naturais na proliferação de Clostridium perfringens durante o resfriamento de peito de peru em forma de embutido”). Journal of Food Protection, vol. 5, nº 78, p. 946-953, 2015.
___________________. “Comparison of curing ingredients derived from purified and natural sources on inhibition of Clostridium perfringens outgrowth during the cooling of deli-style turkey breast” (tradução livre: “Comparação entre ingredientes de cura derivados de fontes purificadas e naturais na inibição da proliferação da bactéria Clostridium perfringens durante o resfriamento de peito de peru embutido.”) Journal of Food Protection, vol. 8, nº 78, p. 1527-1535, 2015.
Esses estudos concluíram que:
1) concentrações menores de nitrito (abaixo de 75 ppm), independentemente de sua fonte, podem se tornar um problema em relação ao controle eficaz da bactéria C. perfringensdurante o resfriamento, com base nas diretrizes de resfriamento prolongado (100 ppm) do Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos EUA, “Apêndice A”;
2) a adição de um ingrediente antimicrobiano (além do nitrito) é uma abordagem muito plausível para se tratar do controle da Clostridium perfringens durante um período mais prolongado de resfriamento;
3) a despeito da fonte de nitrito (quer dizer, se natural ou sintético), o controle deClostridium perfringens durante o resfriamento é o mesmo.
Tópicos de resumo
Todas as pesquisas até aqui conduzidas embasam as seguintes conclusões e recomendações:
• dado que a concentração é a mesma, deve ser entendida como cientificamente aceitável para levar em conta o nitrito como uma fonte purificada, assim como o nitrito como fonte natural para que seja idêntico em sua composição, função e impacto na qualidade e segurança alimentar;
• uma combinação de pelo menos 75 ppm de nitrito de sódio, e de pelo menos 250 ppm de ascorbato foram encontradas e corroboradas para fornecer qualidade aceitável com segurança semelhante às práticas convencionais de cura;
• caso sejam utilizados níveis mais baixos de nitrito (quer dizer, em sistema de cura alternativos), suplementar o nitrito em uso com outros antimicrobianos é uma abordagem possível para que se obtenham patamares importantes de segurança alimentar;
• um importante corpo científico acerca de novas pesquisas sobre nitritos e segurança alimentar foi criado e enaltece décadas de estudos já publicados sobre nitritos/segurança alimentar. O copo de acadêmicos e as pesquisas recentes devem ser associados para se avançar ainda mais na resolução da questão dos nitritos e da segurança alimentar.