Apesar da popularidade cada vez maior de dietas à base de alimentos crus e da crescente demanda por esses produtos, existe um risco à saúde de intoxicação alimentar associado a doenças causadas por alimentos, especialmente no caso de carnes cruas, carne de frango, leite e frutos do mar. Os termos “cru” e “fresco”, quando utilizados no rótulo do produto ou na classificação de um tipo de alimento, sugerem ou insinuam que a comida, em si, e todos os ingredientes não foram processados, significando que o alimento está em seu estado natural, não tratado, e não foi submetido a congelamento ou qualquer outra forma de processamento térmico, assim como não passou por nenhuma outra forma de conservação.
Devido a seu caráter não térmico, a tecnologia por alta pressão hidrostática, ou as aplicações da HPP (sigla, em inglês, para High Pressure Processing) foram além em termos de aplicabilidade em refeições e carnes prontas para o consumo (RTE = sigla, em inglês, para Ready to Eat) e atingiram produtos frescos e crus de origem vegetal, tais como guacamole, molho de tomate, suco de laranja, porém também produtos de carnes bovina e avícola, frutos do mar e muitos outros. Este artigo tem como objetivo responder ao seguinte questionamento: de que forma o benefício não térmico da tecnologia HPP pode melhorar os atributos de segurança e de qualidade de diferentes tipos de alimentos crus ou não cozidos?
Carnes cruas
Por ser uma tecnologia não térmica, a HPP pode ser usada para carnes cruas, tanto quando são moídas, fatiadas, ou estão em pedaços inteiros, com vida de prateleira maior e com mais segurança alimentar. A variação típica de pressão utilizada está entre 200 MPa (29.000 psi) e 600 MPa (87.000 psi), aplicada a uma temperatura de refrigeração.
De acordo com a empresa Hyperbaric, líder na fabricação de equipamentos de processamento por alta pressão hidrostática, existem três grandes aplicações desse tipo de tecnologia para carnes cruas:
• Aperfeiçoamento da segurança e vida de prateleira – a HPP é utilizada no embalo final, então a recontaminação após o processamento é evitada. A variação de pressão vai de 400 MPa (58.000 psi) a 600 MPa (87.000 psi), o que pode inativar micro-organismos deteriorantes vegetativos (bactérias, leveduras e bolores) e patógenos;
• Amaciamento da carne – por meio de pressões que estão na faixa de 200 MPa (29.000 psi) a 400 MPa (58.000 psi), aperfeiçoam-se a textura e características organolépticas de pedaços crus;
• Diminuição das perdas de cozimento – por meio do emprego de pressões que vão de 200 MPa (29.000 psi) a 400 MPa (58.000 psi) para intensificar a ligação proteica da carne.
No Canadá, o uso da HPP é aprovado no tratamento de carne moída crua (designação comercial: Fressure™ – carne bovina fresca). Esse tipo de carne é tratado com HPP com o objetivo de estender a vida de prateleira do produto e inativar o possível patógeno microbiano, a bactéria Escherichia coli O157:H7. Carne bovina crua moída, contendo uma determinada proteína, é embalada em chubs (embalagens cilíndricas como as usadas em mortadelas e outros embutidos), ou em forma de hambúrguer (os hambúrgueres são empilhados verticalmente no processo de embalo) e mantida a uma pressão de 87.000 psi/600 MPa por um período de descanso de 1 minuto. O produto tratado com HPP ainda necessitará de um pós-tratamento de refrigeração e deverá ser preparado adequadamente (como seu equivalente não tratado) antes de ser consumido. Esse produto é especificamente voltado à indústria de serviços alimentícios e não está disponível para compra direta por clientes do varejo.
A avaliação realizada pelo Food Directorate (uma autoridade de saúde federal do Canadá responsável por estipular políticas, determinar padrões e fornecer consultoria e informações sobre segurança e valor nutricional dos alimentos) levou em conta o acréscimo proposital de um tratamento por HPP ao processo de fabricação em andamento, a composição nutricional de ambos os produtos tratados com HPP e não tratados com essa técnica, o potencial de o tratamento por HPP originar quaisquer compostos tóxicos no produto e a segurança microbiológica do produto final tratado com HPP. A eficácia do tratamento por HPP para inativar as células do micro-organismo E. coliO157:H7 foi aferida em carne bovina crua. A empresa Gridpath Solutions Inc. forneceu informações que demonstram que carne bovina moída crua tratada sob uma pressão de 87.000 psi/600 MPa, por, no mínimo, 1 minuto e, no máximo, 3 é tão segura quanto seu equivalente não tratado.
Carne de frango crua
A salmonela, contaminadora da carne de frango, é um dos patógenos causadores de doenças por intoxicação alimentar mais relevantes no mundo todo. A tecnologia de tratamento por alta pressão hidrostática tem demonstrado ser uma das tecnologias apropriadas para inativar esse patógeno em vários sistemas de modelos e produtos avícolas. O nível de pressão, a duração do tratamento e a temperatura causam um impacto significativo na inativação da salmonela em carne de frango crua. Entretanto, pressões acima de 400 MPa podem levar à desnaturação das proteínas responsáveis pela coloração e textura. Alterações na coloração podem resultar em um aspecto esbranquiçado ou opaco e aumentar a rigidez da carne. Contudo, devido ao teor de mioglobina mais baixo em carnes originadas de aves, em comparação com a quantidade encontrada em carnes bovina e suína, o efeito da pressão não é tão sentido. Mas, não houve mudanças expressivas na coloração da carne após a preparação de carne de frango tratado com HPP em comparação com carne não tratada. O tratamento por HPP também induz alterações no perfil do aroma da carne de frango, atrasando o desenvolvimento do composto de nitrogênio volátil, acarretando o aperfeiçoamento do frescor do produto.
Nos EUA, a técnica de tratamento por alta pressão hidrostática é aprovada pelo Serviço de Inspeção e Segurança Alimentar do Departamento de Agricultura dos EUA como uma medida preventiva para controlar níveis de patógenos da bactéria Salmonella em carne de peru moída. Entretanto, se as condições necessárias de processamento por HPP são desfavoráveis para controlar a Salmonella, o tratamento por HPP poderia causar alterações em características sensoriais, principalmente aquelas relacionadas ao aspecto do produto. A adaptação do tratamento por HPP em carnes marinadas e carne de frango é capaz de evitar a descoloração do produto e aumentar sua vida de prateleira em mais de 30 dias.
Ração de animais de estimação crua
O tratamento por HPP está se tornando cada vez mais comum na fabricação de ração de animais de estimação crua. O HPP é eficaz na eliminação da Salmonella, da E. coli e daListeria e em tornar a ração mais segura e saudável, sem que sabor seja prejudicado. O HPP da ração de animais de estimação também conserva as enzimas desse tipo de produto.
Frutos do mar crus
A pressão variante de 200 a 350 MPa é capaz de desnaturar as proteínas no músculo de moluscos, que é responsável por fechar as conchas. O músculo não pode se contrair, e a ostra se abrirá, expondo a carne, para que seja facilmente extraída. Essa aplicação evita o uso comum de uma faca para abrir as conchas.
A HPP também pode fazer com que a carne dos crustáceos se contraia e se desprenda da concha, propiciando 100% de rendimento na extração de carne, sem impactos nas propriedades sensoriais e nutritivas. É por isso que para os frutos do mar a HPP é utilizada para possibilitar uma separação da carne limpa, próxima a 100% de eficiência, de lagostas, ostras, mexilhões e afins pela desnaturação de proteínas específicas que prendem a carne à concha. Essa aplicação resulta em aumento do rendimento, e, assim como em outros empregos em carnes frescas, o HPP inativa bactérias causadoras de doenças alimentares e vibriões em ostras.
Queijos coalho crus
Devido a questões referentes a riscos à saúde, o queijo coalho cru pode ser vendido apenas após um período de envelhecimento de 60 dias. No mercado de laticínios, o tratamento de leite coalho por HPP para a fabricação de queijos melhora sua segurança, ao passo que mantém os atributos sensoriais, potencializando a maturação e estendendo a vida de prateleira desse produto. O efeito do tratamento por HPP (a uma pressão de 400 ou 600 MPa durante 7 minutos), em relação a parâmetros microbiológicos, de proteólise, texturais e sensoriais, foi investigado em um queijo de leite de cabra cru e maturado.
Bactérias mesófilas aeróbias, enterobactérias, bactérias ácido-láticas e Listeria spp. foram inativadas após tratamento por alta pressão, a 400 ou 600 MPa. No 90º dia de armazenamento, a contagem de bactérias mesófilas aeróbias, de bactérias ácido-láticas e de bactérias da família Micrococcaceae foi significativamente menor em queijos tratados com alta pressão do que nos queijos utilizados como grupo de controle. Por outro lado, o tratamento por alta pressão causou um aumento significativo de alguns parâmetros texturais. No entanto, uma análise sensorial demonstrou que nem mesmo painelistas treinados nem consumidores encontraram diferenças notáveis entre os queijos tratados com alta pressão e os do grupo de controle.
Além da aplicação em alimentos prontos para o consumo, a HPP pode oferecer uma solução em processamento para a demanda em voga do mercado por alimentos naturais que possam ser consumidos frescos e crus, adicionando-se a seus atributos saudáveis um nível extra de proteção da segurança alimentar.
fonte: Carne tec