Não importa o quanto os carnívoros neguem isso, os vegetarianos têm razão em um ponto: cortar o consumo de carne fornece múltiplos benefícios. E quanto mais fossem feitas mudanças, mais essas vantagens se manifestariam em escala global.
Mas se todos se tornassem vegetarianos comprometidos, haveria uma série de inconvenientes para milhões, se não bilhões, de pessoas.
“É uma faca de dois gumes, realmente”, disse o representante do Centro Internacional para Agricultura Tropical da Colômbia, Andrew Jarvis. “Nos países desenvolvidos, o vegetarianismo traria todo tipo de benefícios ambientais e para a saúde, mas nos países em desenvolvimento, haveria efeitos negativos em termos de pobreza”.
Jarvis e outros especialistas do centro desenvolveram uma hipótese sobre o que poderia ocorrer se a carne saísse do cardápio do planeta da noite para o dia.
Primeiro, eles examinaram a mudança climática. A produção de alimentos é responsável por um quarto a um terço de todas as emissões antropogênicas de GEE no mundo e grande parte da responsabilidade desses números é da indústria pecuária. Apesar disso, como nossas opções dietéticas afetam o clima é frequentemente subestimado. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma família média de quatro emite mais gases de efeito estufa por causa da carne que comem do que por dirigir dois carros – mas seus carros, e não seus bifes, são quem normalmente entram nas discussões sobre o aquecimento global.
“A maioria das pessoas não pensa nas consequências dos alimentos na mudança climática”, disse Tim Benton, especialista em segurança alimentar da Universidade de Leeds. “Mas apenas comer um pouco menos carne agora pode fazer as coisas como um todo melhorarem muito para nossos filhos e netos”.
Marco Sringmann, bolsista de pesquisa do Programa Futuro dos Alimentos da Oxford Martin School, tentou quantificar o quão melhor: ele e seus colegas construíram modelos de computador que preveem o que aconteceria se todos se tornassem vegetarianos até 2050. Os resultados indicam que – em grande parte, graças à eliminação das carnes vermelhas – as emissões relacionadas a alimentos cairiam em cerca de 60%. Se o mundo se tornasse vegan, no entanto, os declínios nas emissões seriam de cerca de 70%.
“Quando se avalia o que estaria alinhado com evitar os níveis perigosos de mudança climática, descobrimos que você somente poderia estabilizar a proporção de emissões relacionadas aos alimentos a todas as emissões se todos adotassem uma dieta à base de vegetais”, disse Springmann. “Esse cenário não é muito realista – mas destaca a importância que as emissões relacionadas aos alimentos terão no futuro”.
Os alimentos, especialmente os derivados da pecuária, também ocupam muito espaço – uma fonte de emissões de GEE devido à conversão da terra e de perda de biodiversidade. Dos aproximadamente cinco bilhões de hectares mundiais de terras agrícolas, 68% são usadas para pecuária.
Se todos nos tornássemos vegetarianos, idealmente dedicaríamos pelo menos 80% das terras de pastagem para a restauração de gramíneas e florestas, que capturariam carbono e aliviariam mais a mudança climática. A conversão de locais que antes eram pastagem em habitats nativos provavelmente impulsionaria a biodiversidade, incluindo grandes herbívoros, como búfalos, que foram substituídos por bovinos, bem como predadores, como lobos, que são frequentemente abatidos em retaliação aos ataques dos gados.
Os restantes 10 a 20% das terras que eram de pastagem poderiam ser usados para a produção de mais cultivos agrícolas para suprir as lacunas deixadas no abastecimento de alimentos. Embora esse seja um aumento relativamente pequeno nas terras agrícolas, seriam mais do que suficiente para compensar a perda da carne, porque um terço da terra atualmente usada para cultivos é dedicado à produção de alimentos para os animais – e não para humanos.
A restauração ambiental e a conversão em agricultura requereriam planejamento e investimentos, entretanto, considerando que as terras com pastagens tendem a ser altamente degradadas. “Você não tiraria apenas as vacas da terra e esperaria que essa se tornasse uma floresta primária novamente sozinha”, disse Jarvis.
As pessoas anteriormente envolvidas na indústria pecuária precisariam de assistência para fazer a transição para uma nova carreira, seja na agricultura, ajudando no reflorestamento ou produzindo bioenergia a partir de subprodutos de cultivos atualmente usados como alimentos animais.
Alguns produtores também poderiam ser pagos para manter os animais para propostas ambientais. “Estou aqui na Escócia, onde o ambiente das Planícies é muito artificial e baseado em grande parte na pastagem de ovelhas”, disse Peter Alexander, pesquisador em sistemas sócio-ecológicos modelados na Universidade de Edinburgh. “Se tirássemos todas os ovinos, o ambiente pareceria diferente e haveria um potencial de impacto negativo na biodiversidade”.
Se falhássemos em fornecer alternativas claras de carreira e subsídios às pessoas que trabalhavam com pecuária, por sua vez, provavelmente enfrentaríamos um desemprego significativo e revoltas sociais – especialmente nas comunidades rurais com ligações próximas à indústria.
“Existem mais de 3,5 bilhões de ruminantes domésticos na Terra e dezenas de bilhões de frangos produzidos e abatidos a cada ano para alimentação”, disse Ben Phalan, que pesquisa o equilíbrio entre a demanda por alimentos e a biodiversidade na Universidade de Cambridge. “Estamos falando sobre uma quantidade enorme de problemas econômicos”.
Mas mesmo os melhores planos provavelmente não seriam capazes de oferecer sustentos alternativos para todos. Cerca de um terço das terras do mundo é composto de terras áridas e semiáridas que podem somente suportar a produção de animais. No passado, quando as pessoas tentaram converter partes de Sahel – uma faixa massiva de leste a oeste da África, localizada ao sul do Sahara e ao norte do Equador – de pastagens para pecuária à produção agrícola, a desertificação e a perda de produtividade ocorreram.
“Sem gado, a vida em certos ambientes provavelmente se tornaria impossível para algumas pessoas”, disse Phalan. Isso inclui especialmente grupos nômades, como Mongóis e Berberes que, sem seu gado, teriam que se instalar permanentemente em cidades ou vilas – provavelmente perdendo sua identidade cultural no processo.
Além disso, mesmo aqueles cujo sustento total não depende da pecuária sofreriam. A carne é uma parte importante da história, da tradição e da identidade cultural. Vários grupos ao redor do mundo dão animais de presente em casamentos, jantares de celebrações como Natal, que é centrado ao redor do peru ou carne bovina assada, e pratos baseados em carne são emblemáticos em certas regiões e povos. “O impacto cultural de remover completamente a carne seria muito grande, motivo pelo qual os esforços para reduzir o consumo de carnes frequentemente falharam”, disse Phalan.
O efeito na saúde também é misto. O estudo de modelagem de computador de Springmann mostrou que, se todos se tornassem vegetarianos até 2050, veríamos uma redução na mortalidade global de 6-10%, graças à redução nas doenças cardíacas coronarianas, diabetes, derrame e alguns cânceres. A eliminação da carne vermelha é responsável por metade desse declínio, enquanto os benefícios restantes seriam graças à redução no número de calorias que as pessoas consomem e ao aumento da quantidade de frutas e vegetais que consumiriam. Uma dieta mundial vegan amplificaria mais esses benefícios: o vegetarianismo global evitaria cerca de 7 milhões de portes por ano, enquanto o veganismo total levaria essa estimativa para 8 milhões. Menos pessoas sofrendo de doenças crônicas relacionadas aos alimentos também significariam menos gastos médicos, economizando cerca de 2-3% do produto interno bruto.
Mas para que esses benefícios se concretizassem, seria necessário substituir a carne por substitutos nutricionalmente apropriados. Produtos animais contêm mais nutrientes por caloria do que produtos vegetarianos, como grãos e arroz, de forma que escolher o substituto certo seria importante, especialmente para cerca de 2 bilhões a mais de pessoas subnutridas estimadas no mundo. “Se tornar vegetariano provavelmente criaria uma crise de saúde no mundo em desenvolvimento, porque de onde viriam os micronutrientes?”, disse Benton.
Mas felizmente, o mundo inteiro não precisa se converter ao vegetarianismo ou veganismo para aproveitar muitos dos benefícios enquanto limitam as repercussões. Ao invés disso, a moderação na frequência de consumo de carne e no tamanho das porções é a chave. Um estudo descobriu que simplesmente se adequar às recomendações dietéticas da Organização Mundial de Saúde levaria a uma redução nas emissões de GEE do Reino Unido de 17% – um dado que cairiam em mais 40% caso as pessoas evitassem produtos animais e alimentos processados. “Essas são mudanças dietéticas que os consumidores mal notarial, como ter um pedaço levemente menor de carne”, disse Jarvis. “Não se trata do cenário de ‘ou’, vegetariano ou carnívoro”.
Certas mudanças ao sistema de alimentos também nos encorajariam a tomar decisões mais saudáveis e melhores em termos de meio-ambiente, disse Springmann – como colocar um preço maior na carne e tornar as frutas e os vegetais frescos mais baratos e mais amplamente disponíveis. Resolver a questão da ineficiência também ajudaria: graças à perda de alimentos, desperdícios e excessos, menos de 50% das calorias atualmente produzidas são realmente usadas de forma efetiva.
“Há uma forma de ter sistemas de baixa produtividade que têm bastante animais e bem-estar ambiental – bem como, são lucrativos -, porque estão produzindo carne como um produto mais esporádico e não como um produto básico diário”, disse Benton. “Nessa situação, os produtores têm exatamente a mesma renda. Eles estão criando animais de uma forma completamente diferente”.
De fato, soluções claras já existem para a redução das emissões de gases de efeito estufa da indústria pecuária. O que está faltando é implementar essas mudanças.
Fonte: BBC, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.