Por *Victor M. Ayres
Os problemas estruturais da Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), a baixa inserção do país nas Cadeias Globais de Valor (CGVs) e as barreiras políticas e culturais impostas ao investimento na diversificação da agropecuária são os principais obstáculos para uma produção modernizada e competitiva de muitos setores do agronegócio brasileiro.
Na gestão da P&D, existe um problema acentuado referente à falta de comunicação entre a academia e o setor empresarial. A pesquisa acaba sendo balizada por temas de maior empatia do pesquisador e não pela maior demanda da sociedade. Além disso, o principal financiamento da pesquisa parte do governo, com participação incipiente da iniciativa privada. Este desinteresse da iniciativa privada também dificulta a eleição das prioridades para a formação de uma agenda de P&D no curto, médio e longo prazo.
Os últimos dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) apontaram para um investimento brasileiro anual em P&D em torno de R$ 64 bilhões, o que representa apenas 1,23% de seu PIB. O financiamento público respondeu por 54,7% deste montante.
Enquanto isso, a China investiu 2% de seu PIB, os Estados Unidos desembolsaram 2,8% do PIB, e a Coréia do Sul, 4,36%, conforme a tabela 1. Estes países possuem como principal fonte de financiamento a iniciativa privada, representando 75% na China e Coréia do Sul e 60% nos Estados Unidos. No contexto do agronegócio brasileiro, o orçamento público destinado à gestão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para fins de P&D na agropecuária foi de apenas R$ 2,7 bilhões em 2012.
Ao focar na agropecuária, vale destacar que o financiamento privado em P&D é realizado por empresas multinacionais de desenvolvimento de patentes, moléculas e cultivares e se concentra, essencialmente, em setores de grande relevância para economia brasileira, como as cadeias de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, entre outros. Enquanto essas culturas possuem pacotes tecnológicos altamente desenvolvidos e difundidos entre os produtores por todo o país, produtos de alto valor agregado como hortaliças, frutas, tubérculos e peixes de criação ainda possuem baixo nível e difusão tecnológica.
Logo, existe forte demanda de P&D por setores não atendidos pela iniciativa privada, para serem contemplados por entidades públicas, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e as universidades como um todo. Consequentemente, o rol de patentes e tecnologias genuinamente brasileiras é baixo.
No Brasil, 68% dos pesquisadores estão alocados no setor de ensino superior (universidades e faculdades), 26% nas empresas e 6% no governo, segundo levantamento do MCTI. Assim, por focarem na formação de profi ssionais, as universidades possuem poucos recursos alocados para P&D com o olhar na inovação. Segundo matéria da revista Nature, a eficiência no uso de recursos aplicados à pesquisa é baixa, tendo o Brasil alcançado a 50ª posição, dentre 53 países analisados, ficando à frente apenas do Egito, Turquia e Malásia.
Conforme o Global Innovation Index (GII), responsável por mensurar e acompanhar a inovação e outros indicadores de desempenho dos países, em 2015, o Brasil ocupou a 70ª colocação no índice de inovação, de 141 países analisados, fi cando atrás dos vizinhos Uruguai, Colômbia e Chile. Outro indicador mensurado pelo relatório do GII, que se refere aos investimentos em P&D, colocou o Brasil na 33ª posição de 228 países analisados.
Logo, ao comparar a colocação brasileira do montante investido em P&D e seus reflexos na inovação, que apresenta uma distância de 37 colocações entre um indicador e outro, observa-se o baixo retorno em novas tecnologias à sociedade dos recursos alocados em P&D.
O professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, em seu artigo “Produção Científica e lixo acadêmico no Brasil” publicado na Folha de São Paulo, ao comparar o Brasil com o Chile, salientou:
“O Brasil publicou 670 artigos em revistas de grande prestígio, enquanto no mesmo período o Chile publicou 717, nessas mesmas revistas. O dado profundamente inquietante é que enquanto o Brasil despendeu em ciência US$ 30 bilhões, o Chile gastou apenas US$ 2 bilhões. Quer dizer, o Chile, que aliás não está entre os primeiros em eficiência no mundo científi co, é 15 vezes mais eficiente que o Brasil.”
Segundo o professor Rogério, a academia brasileira – universidades e centros de pesquisas – produz mais pesquisa de baixa do que de boa qualidade, com custos elevadíssimos.
Dentre os motivos, destaca-se a distância geográfica dos centros de pesquisa em relação às áreas mais demandantes, o excesso de burocracia que o pesquisador passa para obter financiamento e, prioritariamente, a falta de motivação para o profissional que segue a carreira de pesquisador.
Neste último ponto, afirma que o pesquisador faz um concurso no início de sua carreira, que se torna vitalício, não exigindo dele trabalho de qualidade para ter aumento de salário e galgar postos em sua carreira. Dessa forma, muitas vezes o pesquisador é reconhecido no Brasil pelo número de artigos que publica e não pelos seus impactos na sociedade.
Por ser difícil de enxergar uma solução ao problema de defasagem estrutural da academia brasileira, inclusive devido à resistência imposta pelos políticos e muitos pesquisadores a um modelo de meritocracia, o qual o bom profi ssional é premiado e o mal profissiona penalizado, é provável que a solução deva vir de fora do país.
Desta forma, a maior participação das entidades representativas do setor privado no tema, certamente aumentaria a homogeneidade e competitividade de segmentos que ainda não deslancharam. Esta iniciativa seria importante em missões, feiras, simpósios e conferências internacionais, não apenas para aquisições pontuais de máquinas e equipamentos ou promoção comercial, mas também com o foco em parcerias, convênios e importação de serviços¹ de centros de pesquisas e de empresas de tecnologia internacionais, objetivando absorver o rol de tecnologias importantes para o fortalecimento da produção e indústria brasileira em setores menos desenvolvidos.
Outro aspecto positivo da maior inserção internacional do setor produtivo seria sua integração às cadeias globais de valor (CGVs). Logo, trata-se de dar maior transparência e incentivo para investimentos estrangeiros em outros setores de grande potencial competitivo, como resposta à demanda internacional de alimentos diversificados e seguros.
Assim, haveria oportunidades para novos segmentos tornarem-se fornecedores globais nas cadeias de suprimentos de empresas líderes de mercado. Consequentemente, a internacionalização desses segmentos desenvolveria o conhecimento estratégico em relação à lógica de produção em cadeia global, potencializando sua capacidade de inovação tecnológica.
Um fato que gerou recentemente uma oportunidade indireta para nossa modernização tecnológica refere-se ao fato de vivenciarmos uma crise econômica, pela qual o comércio exterior passou a ser ainda mais importante ao país, tendo o governo anunciado medidas para aumentar a pauta e os destinos de nossas exportações, através da criação de um “Plano Nacional de Exportações”, apresentado em junho de 2015.
A maior preocupação do governo para ampliar o comércio exterior é, de fato, visto com ótimos olhos pelo empresariado. Contudo, torna-se necessário haver maior previsibilidade das políticas comerciais e redução das restrições às exportações e importações, especialmente de serviços, o que possibilitaria a maior integração internacional do Brasil às CGVs, consequentemente.
Rosar e Panzini, no artigo “Cadeias globais e políticas para maior integração internacional do Brasil”, publicado pelo International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD), salientam que o setor de serviços chega a representar cerca de 54% do valor agregado da indústria doméstica, tendo uma incidência tributária mínima de importação de 41% nas operações contratadas.
Ressaltam que grande parte das contratações de serviços acontece para atender à exportação de bens do país, como no caso de alguns produtos de alto teor tecnológico presentes na pauta brasileira. Desta forma, afirmam que a elevação dos custos dos produtos exportados pelo país também é reflexo da oneração da importação de serviços, que também acaba por reduzir a competitividade e o potencial inovador das empresas.
Outro ponto que possivelmente gerará oportunidades de investimentos na economia brasileira refere-se ao Modelo Global de Gestão da Biosfera (GLOBIOM), criado pelo Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados (IIASA) para analisar a competitividade do uso da terra entre os principais produtos da agricultura, pecuária, silvicultura e bioenergia de todo o mundo. O modelo apresentou a importância de se investir em locais de maior aptidão, como medida sustentável de otimização dos recursos e preservação dos locais com condições desfavoráveis. Ou seja, se as condições edafoclimáticas brasileiras são melhores que na África Subsaariana para a produção de gado, por exemplo, o mundo ganha ao preservar a região do continente africano e investir no Brasil, pois passa a utilizar com mais eficiência os recursos naturais necessários para a produção, causando menor impacto ao meio ambiente global.
O modelo proposto pelo IIASA nos serve de exemplo entre diversos outros modelos de produção sustentável que vêm sendo desenvolvidos e testados por centros de pesquisas de muitos países de agricultura desenvolvida. Portanto, esta tendência de visão global da produção de alimentos nos gera evidências sobre a importância do papel brasileiro no suprimento de alimentos sustentáveis.
Em contrapartida, especialistas em tendências e cenários futuros vêm apontando para um crescimento da agropecuária brasileira impulsionado, prioritariamente, pelo aumento de produtividade, com pouca possibilidade de expansão a partir da exploração de novas fronteiras agrícolas. Enquanto isso, requisitos como o uso sustentável do solo, uso racional da água, com baixa emissão de carbono, baixo impacto ao meio ambiente e baixo consumo energético, também conhecidos como “tecnologias limpas”, vêm ganhando espaço nos fóruns, conferências e acordos internacionais. Logo, a elaboração de estudos próprios do setor produtivo, com diagnósticos, tendências e cenários futuros, seria ação importante para a antecipação de cenários e mudanças de paradigmas da sociedade.
Este procedimento facilitaria nosso poder de adaptação às novas exigências externas a serem inseridas no País e aumentaria nosso poder de influência ao processo decisório na formação das diretrizes políticas e econômicas. Além disso, nos proporcionaria maior compreensão das demandas tecnológicas existentes e futuras.
Recorrentemente citado por economistas brasileiros, é indispensável o país passar a diversificar sua pauta de produtos exportados e reduzir sua dependência das commodities, para reequilibrar nossa balança comercial. Merece destacar que as receitas das commodities estão sujeitas a oscilações de preços internacionais, enquanto preços de bens com nível maior de processamento possuem maior solidez.
Basta observar o comportamento das cotações de soja e minério de ferro na Bolsa de Chicago após notícia de resfriamento da economia chinesa e seus impactos em nossas exportações. Isso não quer dizer que o Brasil deveria parar ou reduzir a exportação de commodities, mas sim passar a promover mais políticas comerciais de incentivo à produção e exportação de produtos de maior valor agregado para um leque maior de diferentes mercados. Em outras palavras, maior diversificação dos produtos e dos nossos parceiros comerciais.
Portanto, cabe ao Brasil saber se quer apostar na diversifi cação da agricultura ou manter sua prioridade na produção de commodities. Se a opção for por maior diversificação da produção, certamente o maior investimento em P&D, com sua reestruturação e participação ativa do setor na agenda de trabalho da academia, no comércio exterior e nos fóruns internacionais serão fundamentais para ampliar nossa competitividade.
¹ A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) classifica os serviços em quatro categorias principais: Serviços relacionados com bens, transporte, viagens e outros serviços. Outros serviços são desbravados ainda mais em: construção, seguros e serviços de pensões, serviços financeiros, taxas de utilização da propriedade intelectual, telecomunicações, serviços de computação e informação, de outros serviços de negócios, serviços pessoais, culturais e recreativos, bens e serviços do governo, e serviços não alocados.
Referência Bibliográfica
Artigo “Pesquisa Acadêmica e Lixo Científi co no Brasil”, professor Rogério C. C. Leite, jornal Folha de São Paulo, Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202892-producao-cientifica-e-lixo-academico-nobrasil.shtml. Publicado em 06 de janeiro de 2015.
Artigo “Pesquisa Acadêmica e Lixo Científi co no Brasil”, professor Rogério C. C. Leite, jornal Folha de São Paulo, Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/202892-producao-cientifica-e-lixo-academico-nobrasil.shtml. Publicado em 06 de janeiro de 2015.
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), “Exportações e Importações por categorias de serviços”. Link:http://unctadstat.unctad.org/wds/TableViewer/summary.aspx.
Global Biosphere Management Model – GLOBIOM of International Institute for Applied Systems Analysis – IIASA. Link: http://www.globiom.org/.
Palestra “Desafios e Oportunidades para a Ciência, Tecnologia e Inovação”, Dr. Álvaro Toubes Prata, secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, durante o “Fórum Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa”, em 03 de maio de 2015.
ROSAR S. S., PANZINI F. S., artigo “Cadeias globais e políticas para maior integração internacional do Brasil”, International Center for Trade and Sustainable Development (ICTSD), Pontes, Vol 9 – Nº 6, 30 de julho de 2013. Link: http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/cadeias-globais-e-pol%C3%ADticasparamaior-integra%C3%A7%C3%A3o–internacional-do-brasil.
The Global Innovation Index – https://www.globalinnovationindex.org/content/page/data–analysis/. Acesso em 15 de dezembro de 2015.
The World Bank, IBRP, IDA, “GDP Ranking” – http://data.worldbank.org/data-catalog/GDP–ranking-table. Acesso em 21 de janeiro de 2016.
*Victor M. Ayres é engenheiro agrônomo e assessor técnico na coordenação de produção animal da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)