Em vez de enriquecer o leite quando ele já pronto, na indústria, por que não “turbinar” as vacas que o produzem, para que a bebida seja saudável desde a origem?
Essa ideia foi alvo de um estudo conduzido nos últimos cinco anos por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, Pirassununga e capital, e da Apta (agência estadual de tecnologia), que concluíram que o leite biofortificado melhorou os exames clínicos de um grupo de cem idosos que vivem em casas de repouso de Ribeirão.
Os pesquisadores enriqueceram a ração de 32 vacas jersey numa fazenda do município com óleo de girassol (rico em compostos insaturados), selênio e vitamina E (antioxidantes e melhoradores do sistema imunológico).
Os idosos e as vacas foram divididos em quatro grupos. Um consumia leite puro. Os outros, leite com selênio e vitamina E; leite com óleo de girassol; e leite com as três substâncias.
Após três meses de ingestão de 600 ml diários do leite biofortificado, o resultado foi a melhora em exames de colesterol, creatinina e ácido úrico (veja infográfico). Outros indicadores, como ureia, glicemia basal e triglicérides, não tiveram alteração.
“Todo ganho é ganho. Adicionamos os nutrientes no leite e houve um efeito que consideramos importante por se tratar de idosos, que têm a saúde mais frágil”, disse o engenheiro agrônomo Luiz Carlos Roma Junior, da Apta.
As vacas foram alimentadas e ordenhadas na fazenda com ração fabricada em Pirassununga. Na capital, era feita a análise das amostras de sangue para acompanhar a imunologia. Em Ribeirão, foi construído na fazenda um laboratório para envase e análise do leite.
“Quando temos uma comunidade com problemas, uma saída é suplementar a dieta, mas não é muito viável por ser caro, mais difícil e ter duração curta. A outra é fortificar alimentos. Foi o que fizemos. Um exemplo de sucesso é o da obrigação de incluir ácido fólico e ferro nas farinhas”, disse o médico Hélio Vannucchi, da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), da USP.
Leite fortificado já existe nos mercados, mas o processo é feito na indústria. A pesquisa, dizem os cientistas, tem a vantagem de ter enriquecido a produção de ponta a ponta, da ração da vaca à mesa das famílias, resultando em benefícios às vacas e aos humanos.
“Há pesquisas com elementos como selênio, mas não em todas essas etapas. Entender toda a cadeia foi o que buscamos”, disse.
Segundo Vannucchi, o leite fortificado após a ordenha não garante que haja biodisponibilidade satisfatória para absorção no corpo humano. A proposta do estudo foi usar o organismo da vaca para aumentar essa disponibilidade.
A zootecnista Márcia Saladini Salles, também da Apta, disse que o estudo levou em consideração o metabolismo dos animais -eles não receberam nutrientes em quantidade maior que a indicada.
De acordo com Roma Junior, o uso dos nutrientes melhorou o sistema imunológico dos animais, diminuiu a incidência de doenças como mastite e abriu possibilidade a produtores de terem leite de melhor qualidade, além do benefício na saúde dos idosos.
Pierre Duarte/Folhapress