Microbiologia preditiva revela o comportamento de micro-organismos
O professor Anderson de Souza Sant’Ana, responsável pelo Laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos (LMQA), do Departamento de Ciências de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, desenvolve linha de pesquisa em que é utilizada a chamada microbiologia preditiva. Ela nada mais é do que o emprego de modelos matemáticos e ferramentas estatísticas que permitem descrever o comportamento de micro-organismos em alimentos.
Os micro-organismos de particular importância em alimentos podem ser basicamente situados em três grupos: deteriorantes, patogênicos e benéficos. Todo esse espectro é coberto pela linha de pesquisa desenvolvida no LMQA que, com o emprego da denominada microbiologia quantitativa, estuda a presença, o desenvolvimento e o comportamento dos micro-organismos nos alimentos e seu impacto na saúde humana e na segurança e estabilidade dos alimentos.
Além de coordenar as atividades de pesquisa no Laboratório o docente ministra disciplinas na graduação em Engenharia de Alimentos e na pós-graduação em Ciência de Alimentos. A abordagem que traduz o comportamento microbiano através de modelos matemáticos, permite prever o que vai acontecer com um micro-organismo nas condições em que os alimentos se encontram sem necessidade de ir a campo, ao laboratório ou a uma planta piloto, o que permite gestão com economia de recursos e ao mesmo tempo decisões rápidas. Tratando-se, portanto, de um tema extremamente relevante, de interesse industrial e de governos ao redor do mundo, os conceitos da modelagem preditiva vêm sendo introduzidos em disciplinas de graduação e pós-graduação em que o docente atua na FEA.
O professor lembra que, até uns 20 anos atrás, a microbiologia de alimentos tinha uma abordagem essencialmente qualitativa. A partir daí passou a ser estudada com a utilização cada vez maior de modelos matemáticos e ferramentas estatísticas, que permitem não somente entender como os micro-organismos se comportam nos alimentos, mas também determinar seu impacto na qualidade do alimento, na saúde pública e no custo de produção.
Com efeito, a microbiologia quantitativa, ou preditiva, ou modelagem, tem aplicação, por exemplo, na definição da vida útil dos alimentos, no desenvolvimento de novas formulações, na análise de riscos, constituindo ferramenta utilizada em nível mundial para definição de níveis apropriados de proteção à saúde. Assim é que, cada país, define os níveis toleráveis de contaminação dos produtos que importa. O controle dessas exigências têm implicações econômicas no comércio mundial. As modelagens empregadas na microbiologia preditiva permitem os controles necessários tanto da produção e comercialização industrial como de commodities.
Segundo Anderson, o LMQA se orienta com base em dois principais objetivos: ampliar a colaboração com outros laboratórios da FEA, da Unicamp e de outras universidades brasileiras e, também, estender o seu grau de internacionalização. Assim é que trabalham nele alunos de iniciação cientifica e bolsistas do Serviço de Atendimento ao Estudante (SAE) da Unicamp, de mestrado e doutorado, pesquisadores colaboradores, tanto do país como do exterior. “Mantemos colaboração com outros laboratórios da nossa unidade e universidade, com outras instituições de pesquisa do Brasil e do mundo. Nosso intuito é intercambiar alunos com o exterior e com outras universidades brasileiras”, diz ele.
DISSERTAÇÕES APRESENTADAS
Desde o seu ingresso como professor da FEA- Unicamp, em 2013, os orientados do professor Anderson de Souza Sant’Ana já defenderam quatro dissertações de mestrado e a primeira defesa de doutorado deverá ocorrer no primeiro semestre do próximo ano.
A primeira dissertação concluída, de Leonardo do Prado Silva, teve como tema o “Uso de meta-análise como ferramenta na avalição de dados disponíveis na literatura sobre a inativação de microrganismo por métodos físicos e químicos”. Basicamente, o trabalho centrou-se em uma coleta de grande quantidade de dados na literatura sobre a inativação de um micro-organismo – o Alicyclobacillus acidoterrestris – deteriorador de sucos de frutas, dos quais o Brasil é grande exportador, e que pode sobreviver ao processo de pasteurização.
Do mesmo trabalho constou um estudo sobre a inativação de três patógenos, Salmonella spp, Escherichia coli,Listeria monocytogenes, por diferentes sanificantes utilizados na higienização de vegetais oferecidos no mercado e prontos para consumo, cuja demanda vem aumentando cada vez mais. No caso, o objetivo foi desenvolver modelos preditivos com base em uma quantidade grande de dados da literatura, o que se denomina de meta-análise. Os três micro-organismos patogênicos em questão foram selecionados por serem os mais presentes em alimentos e por causa do volume de doenças e mortalidades que lhe estão associadas.
A segunda dissertação, de Juliana Lane Paixão dos Santos, deteve-se na “Modelagem preditiva da deterioração de pães integrais multigrãos por fungos filamentosos”. Trata-se de um trabalho extenso porque se ateve a diferentes abordagens. Inicialmente a pesquisadora foi a uma empresa produtora de pães integrais para avaliação da incidência e da quantificação dos fungos presentes na matéria-prima, no ambiente de processamento e no produto final. Na sequência utilizou a ferramenta da microbiologia preditiva para definir uma formulação desses pães que lhe garantisse maior vida útil.
Ela conseguiu, por exemplo, atingir uma vida útil de 21 dias de certos pães, variando na formulação o pH, a concentração de conservantes, a atividade da água e a temperatura de estocagem. Com o prolongamento da vida útil decorre redução de perdas e consumidores mais satisfeitos. A última parte do trabalho envolveu a utilização de um sistema de microscopia para captar imagens de como o fungo germina.
A terceira dissertação apresentada, realizada em parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), examina a “Ocorrência de fungos e aflatoxinas, cinética da degradação de aflatoxinas durante a torração e modelagem probabilística do risco de exposição pelo consumo de amendoim”. O trabalho, desenvolvido por Lígia Manoel Martins, teve como objetivos: 1) isolar e identificar espécies de Aspergillus section Flavi de amendoim; investigar a capacidade de produção de aflatoxinas pelas cepas isoladas; avaliar a presença de aflatoxinas nas amostras de amendoim; 2) determinar a cinética de destruição das aflatoxinas durante a etapa de torração do amendoim; e 3) realizar uma modelagem probabilística da exposição de aflotoxinas pelo consumo de amendoim no Brasil. Para Anderson, trata-se de outro trabalho bastante completo que procura entender desde como a quantidade de fungos e de aflatoxinas no amendoim se comportam durante a torração, que envolve temperaturas acima de 160 °C. No final, um modelo matemático simula diversos cenários que, levando em conta as quantidades da toxina presentes e de amendoim consumido, permite estimar o risco de desenvolvimento de câncer.
Por fim, a quarta dissertação, também realizada em colaboração com o Ital, por Rachel Bertoldo, tem como tema o“Aspergillus section Nigri em bulbos de cebola – ocorrência, identificação e produção de fumonisina B2 e ocratoxina A”. Trata-se de um produto consumido in natura e foi estudado o papel desses fungos na deterioração e nas perdas pós-colheita da cebola. Eles se manifestam na casca dessa raiz na forma de pontos pretos facilmente observáveis e, com o tempo, acabam entrando no interior da cebola deteriorando-a, constituindo um dos grandes causadores de perdas pós-colheita.
No próximo ano, em tese de dourado, uma aluna do LMQA, apresentará um trabalho envolvendo probióticos. O docente esclarece: “Estamos trabalhando com uma nova classe de probióticos, que são os probióticos esporulados, que diferentemente dos utilizados em produtos lácteos, são muito mais resistentes ao processamento de alimentos e podem ser adicionados a produtos que são cozidos ou assados, caso dos pães. Não temos ainda no Brasil pães probióticos porque as bactérias probóticas tradicionais seriam inativadas durante o assamento em fornos. Os esporos por sua vez têm uma resistência térmica e química bastante grande. Trata-se de um novo caminho de pesquisa que estamos seguindo”.
Docente é editor de duas publicações
Anderson, conjuntamente com o professor Alejandro Marangoni, da Universidade de Guelph, Canadá, é editor do periódico Current Opinion in Food Science. A ideia da publicação surgiu na FEA e o projeto foi encabeçado por ele junto à Elsevier, uma das maiores editoras científicas do mundo. Criada em 2014, a revista publica apenas artigos de revisão. Ele considera que o fato da FEA e a Unicamp estarem envolvidas na sua criação mostra o prestígio da Universidade e sua capacidade de produzir ciência de qualidade e impacto na área de Ciência de Alimentos. Anderson também é editor-chefe, desde 2013, da Food Reserch International, uma revista também da Elsevier, tradicional, consolidada na publicação tanto de artigos originais quanto de artigos de revisão. Seu foco está nos trabalhos que explicam os mecanismos relacionados a toxicologia, química, nutrição, tecnologia, engenharia e microbiologia de alimentos. CONGRESSO Coube ainda ao docente, em parceria com a Elsevier, a organização da IX Conferência Internacional de Modelagem Preditiva em Alimentos, realizada em setembro último na cidade do Rio de Janeiro, viabilizada graças aos apoios do CNPq, da Capes e da Pró-Reitora de Pesquisa da Unicamp. Foram submetidos mais de 300 trabalhos, número que ele considera bastante expressivo, considerando-se que se trata de um encontro com temática mais específica. Nele estiveram presentes 180 pesquisadores dos cinco continentes e foram apresentados trabalhos de alto nível. O objetivo dessa conferência é discutir aspectos de qualidade e segurança dos alimentos através da utilização da microbiologia preditiva e da avaliação quantitativa de riscos. Essa edição foi a primeira na América do Sul. As anteriores tiveram como sede a Austrália, EUA e principalmente Europa. |
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