O perfil da produção, com pelo menos duas safras anuais, não permite mais que se trate uma cultura de forma isolada. Assim, a pesquisa com novas variedades de soja deve ser pensada de forma sistêmica, levando-se em conta, por exemplo, as culturas utilizadas na rotação com o grão. Esta é a opinião do pesquisador da Embrapa Rondônia, Vicente Godinho.
“Há 15 anos, eu trabalhava buscando materias de soja com 140 dias de ciclo. E esse material tinha um potencial produtivo. Hoje eu trabalho com material de menos de 100 dias de ciclo. Obviamente, eu não espero a mesmaprodutividade. E hoje eu não falo em plantar só soja. Tenho que pensar na cultura de sucessão”, explica o pesquisador.
Segundo ele, o trabalho de pesquisa com soja em Rondônia começou em 1982, no município de Vilhena. A safra 1985/1986 foi a primeira em que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) registrou o plantio da oleaginosa no estado. Na época, em uma área de 400 hectares, foram colhidas 500 toneladas, registrando uma produtividade de 1,25 tonelada por hectare.
Na safra 2014/2015, o plantio foi de 231,5 mil hectares, de onde saíram 731,9 mil toneladas do grão. Atualmente, lembra o pesquisador da Embrapa, a soja é plantada, principalmente, em rotação com culturas como milho e arroz – que encontra condições climáticas favoráveis para um cultivo de segunda safra – e em sistemas de integração lavoura-pecuária, em áreas de pastagens.
Tamanho crescimento ocorreu em regiões que, de acordo com ele, variam do Cerrado a solos arenosos, considerados menos férteis. Os regimes de chuva variam, com locais de 1400 milímetros por ano e outros com até 2300 milímetros. Além disso, há localidades com altitudes em torno dos 600 metros e inferiores a 100 metros. Vicente Godinho explica que a saída para a produção em condições tão díspares é desenvolver variedades com alta capacidade de adaptação e estabilidade.
“Você procura materiais de maior estabilidade, que são plantados em várias regiões com muita segurança. Pega uma material de ampla adaptabilidade e potencial de estabilidade mais alto. A gente tem que fazer uma soja que é boa para o agricultor e para o produtor de sementes, senão ele para de plantar”, explica. Pensando na soja como parte de um sistema produtivo, ele pondera que é preciso fazer isso sem deixar de lado a meta de atingir níveis de produtividade maiores que os atuais nas variedades de ciclo precoce.
A necessidade de olhar a pesquisa com soja de forma sistêmica, explica Godinho, está ligada a um fator que tem sido cada vez mais preocupante nos útimos anos: o manejo, visando o uso mais eficiente de produtos como fungicidas, herbicidas e inseticidas na plantação. Na avaliação ele, a forma como é feito atualmente o controle de pragas e doenças torna a lavoura “insustentável” e é preciso reduzir os volumes de aplicações.
“É todo um conjunto de práticas que tem que ser desenvolvido. A gente tem que pensar também nos produtos que são usados na cultura de sucessão para não prejudicar a soja”, alerta. “Ou fazer uma soja resistente também a esses produtos”, acrescenta, citando também a importância do controle biológico.
Na opinião do pesquisador da Embrapa, o que foi desenvolvido até agora para a oleaginosa ficou concentrado em algumas poucas tecnologias. E, em vez de avanço, há um retrocesso. Em tom crítico, o pesquisador sugere que houve até mesmo uma certa acomodação no desenvolvimento tecnológico, em função da crença surgida em torno da eficiência das biotecnologias atuais.
Segundo ele, um novo material leva pelo menos 5 ou 6 anos para ser desenvolvido, “rompendo muitas etapas”. Enquanto isso, pragas, doenças e plantas daninhas se tornaram resistentes mais rápido do que se esperava, o que impôs novas demandas para a pesquisa. “As aplicações têm sido muito maiores do que quando não havia essas tecnologias que eram a salvação da lavoura. Quem antes fazia 3 litros de glifosato, agora está fazendo 8 ou 9 em um ciclo de soja. Isso em menos de 10 anos”, afirma.
Para quem tem a responsabilidade de pesquisar e desenvolver variedades mais produtivas e eficientes, a palavra de ordem é estar sempre atento. “Muitas vezes, a pesquisa tem que olhar para alguns desafios que ela não consegue perceber. Alguns problemas a gente espera, outros não. A gente está sempre correndo atrás”, avalia Vicente Godinho.
Globo Rural