Um número simples revela por que o campo sente tanto com os períodos de falta de chuva e de seca de córregos e rios. Cerca de 70% de toda água utilizada no Brasil vai para a irrigação. Técnica necessária para a produção de alimentos. No país, a eficiência média dos sistemas de irrigação é de 60%. Logo, grande parte da água captada não é aproveitada adequadamente.
Para usar a água da irrigação de forma racional, é necessário que se utilize de conhecimento especializado. Mas boa parte dos sistemas de irrigação é instalado sem um projeto adequado. Muitos produtores vão até uma loja de equipamentos agrícolas e a própria loja faz a instalação. Sem um estudo bem feito, pode acontecer um desperdício que é evitável.
Existem diversos tipos de sistemas de irrigação. Os sistemas localizados, ou seja, quando a água é aplicada sem ocupar toda a superfície do solo, como o gotejamento e o microaspersor. E existem os métodos de aspersão, que podem ser menores, como a convencional, ou maiores, como no caso do pivô central, forma de aspersão mecanizada normalmente utilizada em grandes áreas. Esses sistemas molham uma área maior do solo. Na região serrana o uso de aspersor convencional é muito comum.
Gotejamento
O gotejamento é potencialmente o melhor método se tratando de uso racional de água. Como o próprio nome diz, esse equipamento funciona da seguinte forma: é instalado o sistema com mangueiras e nelas são feitos pequenos orifícios. A água vai saindo gota, a gota, molhando uma região específica. Justamente por isso, se comparado com a aspersão, por exemplo, ele tem muito menos perda de água no momento da irrigação.
“A aspersão, num dia muito quente e muito vento, o que vai acontecer? O vento vai carrear essa água e pode ter perda de 30% ou mais dependendo da intensidade do vento e das condições climáticas, como baixa umidade relativa e altas temperaturas” explica Gustavo Haddad, professor do Ifes de Santa Teresa e doutor em engenharia agrícola.
Valmir Milanezi, agricultor de Santa Teresa, decidiu recentemente trocar uma das lavouras de banana pelo café. Resolveu mudar também o sistema de irrigação nesta área. Antes, utilizava o microaspersor tipo bailarina e agora resolveu instalar o gotejamento.
Ele tinha um poço escavado que quase não tinha mais água. Então perfurou o poço artesiano. Mas a vazão de água não seria suficiente para manter esse tipo de microaspersor. Para realizar essa mudança, contou com a ajuda dos alunos da Empresa Jr. de Agronomia do Ifes (Agrifes Jr.).
Foi feito um projeto e Valmir implantou um sistema de automação e também um filtro para tratar a água do poço. Com a ajuda dos estudantes, ele usou muito dos equipamentos que já tinha e reduziu pela metade o custo de instalação.
Fato importante considerando que o gotejamento não é barato. “Um projeto bem feito estima-se na ordem de 8 a 10 mil reais por hectare. Já incluindo bombeamento e tudo. Mas sem incluir automação e sem sistema de tratamento de água,” fala Gustavo. Com a automação esse valor vai para onze mil reais.
Além do custo do equipamento, alguns outros podem ser adicionados por causa da sensibilidade do sistema a entupimento. Por isso, a importância de Valmir já ter feito também um filtro no seu poço.
Os entupimentos nesse sistema podem se dar por vários motivos: alto teor de ferro na água – o ferro nutre um tipo de bactéria que pode formar colônias no local e entupir o orifício -, argila dissolvida na água; partículas em suspensão; entre outros.
Esse primeiro problema, por exemplo, é comum. O professor conta que, em geral, a água do Espírito Santo é naturalmente ferruginosa. Para o produtor saber se é o caso da água da sua propriedade, basta reparar se no local onde escorre o líquido do gotejamento forma uma nata vermelha. Se sim, é ferrugem.
Mas existem formas de lidar com esse problema: desde a aplicação de produtos químicos até a montagem de um equipamento que ajuda a limpar a água. Mas tudo pode aumentar a conta do produtor.
Esses poréns não são para desencorajar os agricultores a instalar o gotejamento, que, como já dito, é potencialmente o que melhor aproveita a água. São exemplos que mostram como é essencial estudar e planejar o melhor caminho a seguir, como fez seu Valmir.
A importância de um projeto
Vários fatores são estudados em um projeto de irrigação, a escolha do sistema, do espaçamento dependem dessas análises. É preciso conhecer a realidade do solo do local e da cultura escolhida.
O agricultor precisa saber a necessidade hídrica da planta, quanto, em média, ela consome. Saber quanto o solo daquele local guarda de água também é essencial. A terra tem poros que fazem esse armazenamento, mas dependendo de cada tipo, a água pode ficar disponível para a planta por períodos diferentes.
Gustavo, professor do Ifes e doutor em engenharia agrícola, exemplifica que em sistemas de irrigação localizada, como a água é retida em um volume pequeno, recomenda-se intervalos de irrigação menores. Mas essa decisão só pode ser tomada tendo o conhecimento daquele solo.
O intervalo de irrigação pode ser de, no máximo, quatro dias. Mas costuma ser de um a dois. Só depois de calculado o quanto a planta precisa de água e quanto o solo armazena que é decidida a vazão para atender a demanda.
Fazendo o manejo adequado do método de irrigação é possível que qualquer sistema tenha sua eficiência aumentada e suas perdas diminuídas. O agricultor não precisa, necessariamente, trocar tudo o que já tem instalado.
Saber operar, fazer manutenção preventiva, ou seja, a forma do uso, pode ser até mais importante do que o sistema em si.
“A aspersão convencional pode, sim, trabalhar com uma boa eficiência. Mas para isso não pode se irrigar com o sol muito quente, com muito vento, que vai haver perdas de mais de 30%. Mas, se por outro lado, a gente irrigar nas primeiras horas da manhã, quando tiver fresco, ou então fazer irrigação noturna, que ainda se tem a vantagem de aproveitar a tarifa verde, já passa a ser um cenário interessante. Dá para se trabalhar com boas uniformidades. É claro que precisa de um bom projeto, mas dá para trabalhar com aceitabilidade”, explica o engenheiro. E isso se enquadra em outros métodos de irrigação também.
Estudantes do Ifes fizeram uma pesquisa em propriedades de Santa Teresa e chegaram a uma diminuição de 40% no desperdício de água apenas fazendo ajustes nas irrigações já existentes. “Eu sempre falo: não é o tipo de irrigação. Mas sim como se maneja a irrigação. Não adianta ter o melhor equipamento, se for tratado de forma errada, vai ser péssimo”, fala o professor Gustavo.
Cuidados com o solo
Quando se fala em meio ambiente, tudo é interdependente. Na semana passada, a série mostrou a grande degradação do solo agrícola do estado e também o elevado nível de assoreamento das principais bacias hidrográficas capixabas. Existem formas de diminuir esse problema.
Assim como manejar o método de irrigação é importante para se ter o uso racional de água, adotar práticas conservacionistas do solo é essencial para ajudar a manter essa água na propriedade.
Carlos Sangali, engenheiro agrônomo e chefe do Incaper de Santa Teresa, explica que antes de tudo, antes de falar de tecnologias de conservação e infiltração de água, é preciso entender o que a erosão faz.
O solo agrícola tem uma camada de, em média, 20 cm. Normalmente, essa é a parte que a planta germina, enraíza e utiliza para tirar água e nutrientes. É a parte superficial. É justamente essa área que geralmente é levada quando o solo está desprotegido. “A água da chuva não infiltra para alimentar as nascentes e o lençol. Depois, ela carreia todo esse sedimento, esse solo agrícola, para os córregos e rios causando inundação e assoreamento”, explica o engenheiro.
Em uma área de mata fechada também existe perda de solo, mas pequena. Se compararmos com a quantidade de terra perdida na agricultura, dá para se ter dimensão do quanto o cuidado precisa ser redobrado. Sangali esclarece que na mata fechada, a perda de solo é de quatro quilos por hectare a cada ano. Em uma pastagem bem manejada, essa perda chega a 700 kg por hectare ano. Mas quando se trata de uma lavoura, seja de milho, café, algodão, são 40 toneladas de terra que saem do morro e descem para as partes mais baixas.
Por esse motivo é tão importante que sejam adotadas algumas medidas nas propriedades rurais, neste caso, com atenção especial para as áreas de morro. O primeiro passo é o agricultor deixa de usar enxada. Isso expõe o solo; o agricultor deve apenas roçar a área.
O segundo passo é fazer um plantio em curva de nível. Ou seja, uma linha traçada no solo seguindo o nível do terreno em sentido contrário ao caminho das águas, isso faz com que a infiltração aconteça com mais facilidade e evite a erosão. Outra tecnologia importante é manter as “ruas” da lavoura com cobertura vegetal. Ou você planta ou deixa o mato infestar.
Periodicamente, quando o mato tiver com 15 a 20 cm o agricultor deve roçar a área, mas o indicado é que deixe o que foi cortado no local mesmo. Essas medidas vão proteger a terra da exposição ao sol e a chuva, além de ajudar a segurar a água que alimenta os córregos e o lençol freático. Outras práticas, também já apontadas na série, são a construção de caixas secas e a locação de estradas rurais de forma planejada.
Tecnologias simples e de baixo custo que contribuem para a formação de uma agricultura mais sustentável. “Os produtores que trabalham nessas condições de morro têm que trabalhar com todas as práticas de conservação de solo para deixar um solo ainda bom, fértil, para filhos e netos. Se trabalhar de maneira aleatória, sem práticas agrícolas de conservação, ele vai deixar um solo empobrecido, morto para as próximas gerações”, afirma o engenheiro agrônomo Carlos Sangali.
Esther RadaelliDo G1 ES