Consumimos gordura em excesso? As gorduras, ou lipídios, acabam de ser oficialmente reabilitados. A análise é do Prof. Jean-Marie Bourre, membro da Academia de Medicina da França, e autor de “A nova dieta do cérebro” (Editora Odile Jacob).
A “gordura”, finalmente, não está mais na lista negra das proibições alimentares. Pelo contrário. Descobrimos, mais uma vez, que vivemos há vários anos sob dogmas de saúde pública oriundos da confusão muito comum entre proibição e moderação. Estas novas recomendações focam também no bem estar, dando as costas ao dogmatismo da toxico-fármaco-nutrição! De fato, não se trata de colocar em questão a luta contra os excessos de gordura para prevenir certos cânceres, a síndrome metabólica (que associa principalmente obesidade, diabetes, hipertensão, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia), doenças cardiovasculares, e até mesmo degeneração macular relacionada à idade (DMRI). No entanto, as novas recomendações revelam modificações de primeira grandeza que devem ser levadas em conta de agora em diante para balancear a nossa alimentação.
No que se refere à contribuição energética, o objetivo supostamente ideal foi finalmente cancelado. Ele se tornou inviável, considerando-se os nossos hábitos alimentares, por restringir a apenas 30% os aportes calóricos das gorduras na nossa alimentação. É tanto mais realista que, fator agravante, este limiar baixo demais constituía uma fonte de carência de certas gorduras indispensáveis, o ômega-3 especialmente, assim como das vitaminas A, E e D, as quais, naturalmente dissolvidas nas gorduras, as enriquecem. Portanto, recomenda-se aumentar a porção das gorduras a 35-40% das calorias alimentares, ou seja, 60 a 90 gramas diários, dependendo do sexo e tamanho, sendo assim o consumo médio dos franceses, e das populações mundiais que têm gastronomia de origem europeia, não deveria mais ser considerado como excessivo. Notem que, por definição (regulamentar!), um óleo constitui um corpo graxo que se encontra em estado líquido a partir de 15ºC, enquanto a gordura é sólida.
Nem todo ácido graxo saturado é prejudicial
Durante muito tempo, foi uma tradição opor os ácidos graxos saturados ruins, geradores de colesterol, que encontramos nas gorduras sólidas (manteiga, creme de leite, bacon e banha de porco e outras gorduras animais) aos ácidos graxos bons insaturados: os monoinsaturados que fazem a boa fama principalmente do azeite e de seus benefícios no regime mediterrâneo bem como os poli-insaturados, como os ômega-3, conhecidos pela sua ação protetora sobre a função cardiovascular. Devemos necessariamente encontrar esses elementos em nossos alimentos, já que nosso organismo não sabe como produzi-los. Nessa condição encontram-se também os minerais, os oligoelementos e a as vitaminas. O ômega-3, associados ao ômega-6, não era antigamente chamado de vitamina F?
O colesterol em excesso pode entupir as artérias, é verdade. Mas é preciso lembrar que as gorduras também contribuem para nossa boa saúde, e frequentemente são elas que dão sabor ao que comemos. As novas recomendações alimentares reconsideram certos dogmas culinários: embora o azeite mantenha todas suas virtudes, recomenda-se não exagerar no seu consumo; por outro lado, os laticínios, especialmente os queijos, ácidos graxos saturados banidos no passado, foram reconsiderados. Principalmente, certas gorduras são consideradas “essenciais”; este é o caso do ômega-3 cujos benefícios reconhecidos para a saúde devem estimular sua inclusão ainda mais frequente na nossa alimentação: peixes gordurosos (salmão, sardinha, cavala, arenque), óleo de nozes e de colza, sem esquecer dos ovos, sob a condição que sejam próximos dos “caipiras”, botados por galinhas alimentadas corretamente. Cuidado, porém, com os peixes e crustáceos criados em fazendas de piscicultura: eles são nutridos com comida industrializada e são geralmente repletos de antibióticos acumulados em seus organismos. Tais peixes de “fazenda de criação contêm cada vez menos ômega-3, ao ponto de tornar obsoleta a recomendação de consumir peixe pelo menos duas vezes por semana (peixe gordo em pelo menos uma das vezes), para dividir por dois o risco de enfarto (e ainda mais o risco de AVC!)
Por Jean-Marie Bourre – Le Figaro