Milhões de pessoas ao redor do mundo estão renunciando ao uso do glúten em sua alimentação. Quiçá 30% da população adulta dos EUA esteja já fazendo parte do grupo que está tratando de cortar o consumo do mesmo, enquanto no Reino Unido estima-se que uns 60% dos adultos compra produtos sem glúten e em 10% dos lares há um membro que acredita piamente que o mesmo faz mal para a saúde.
Mas, o que é, de fato, ele? Na verdade é um conglomerado protéico presente em trigo, centeio, cevada (e seu subproduto, o malte) e triticale. Há traços na aveia comercial porque esta última geralmente está contaminada com o trigo, em cujas máquinas é processada. Sua fração dita mais “tóxica” é uma proteína chamada gliadina. E, de fato, a arte dos padeiros tem muito a lhe agradecer. Graças a ele o pão converte-se, sob ação de fermentos, em um produto suave e esponjoso. Porém, por outro lado, é praticamente a única das proteínas que não pode ser completamente decomposta em aminoácidos no corpo humano. O máximo que este pode fazer é dividi-la em cadeias de tamanho intermediário, chamadas peptídios, os quais soem, então, ser detectados pelas defesas imunológicas como invasores e sofrem ataque, tal como é feito com relação a micróbios. Uma “guerra” tem início, com danos consequentes: ocorre redução das vilosidades intestinais, filamentos que recobrem o delgado para facilitar a absorção dos nutrientes. À medida em que elas se atrofiam perdem capacidade funcional.
Ocorre que existe, realmente, uma enfermidade, a Doença Celíaca, caracterizada pela intolerância permanente ao glúten, e que acomete indivíduos com predisposição genética. Tal doença geralmente manifesta-se logo em tenra infância, entre o 1º e o 3º anos de vida, mas podendo ser detectada em qualquer idade, inclusive na fase adulta. Os sintomas podem variar algo de pessoa a pessoa, mas o quadro clínico mais comum é constituído por diarréia crônica, acompanhada de barriga distendida e perda de peso, vômitos, anemia, atraso no crescimento, irritabilidade e apatia. Uma dermatite herpetiforme pode ser considerada variante em que o indivíduo apresenta lesões cutâneas pruriginosas junto com a intolerância permanente ao glúten. O diagnóstico é selado por meio de exames sorológicos dos anticorpos antigliadina, antiendomísio e antitransglutaminase, os dois últimos mais precisos. É necessária a realização da biópsia do intestino delgado para ter comprovação absoluta.
Doença relativamente comum, afeta aproximadamente 1% dos habitantes do Primeiro Mundo. Até há 2 decênios atrás era incomum encontrar alguém que já dela houvesse ouvido falar, e igualmente poucos estavam familiarizados com o termo “glúten”. Hoje muitas pessoas conhecem ambos mas se está propagando certa incompreensão acerca do seu verdadeiro papel numa dieta saudável.
Em livro intitulado The Gluten Lie (A Mentira do Glúten, publicado em português pela CDG Editora), Alan Levinovitz assinala que não foi a primeira vez que um tratamento para celíacos ficou em evidência. Já ocorrera isso nas décadas de 20 e 30. Na obra deixa-se claro o efeito “nocebo”, o inverso do “placebo”: a simples crença em que algo pode fazer mal gera o aparecimento dos esperados malefícios. Levanta-se a questão: poderia ser que grande parte das pessoas encontra-se tão somente sob o influxo de uma maciça”enfermidade sociogênica” estimulada pelos meios de comunicação e modulada por profissionais desejosos de acompanhar o “dernier cri” da moda em saúde? (pois que nesta área também se vive muito de modas!)
Também havia evidências sugerindo que excessiva ansiedade sobre o que se deve ou não comer (e a imprensa leiga acostumou-se a incuti-la!) pode conduzir a sintomas que não são diferentes dos da sensibilidade ao glúten. Sabia-se, outrossim, que muitos dos portadores de transtornos alimentares sérios, quais Anorexia Nervosa e Bulimia, tiveram como um dos estágios de seu calvário a adesão a dietas de exclusão (aquelas com supressão de um alimento ou mais). Não obstante, como a muitas pessoas não agradava que se lhes dissesse que sua enfermidade estava só “na cabeça” e outras temiam que uma postura mais realista e equilibrada implicasse em perda de mercado para si, Levinovitz sabia que iria receber fortes críticas, porém nunca poderia ter-se preparado para a avalanche de mensagens agressivas que recebeu.