A demanda por produtos com teor de sódio reduzido é óbvia no mercado. Iniciativas em voga em prol da saúde sugerem que a maioria dos norte-americanos diminui a quantidade de sódio que ingerem, e essas iniciativas normalmente focam o teor de sódio de produtos de carne processada como uma importante fonte de sódio na alimentação. Existem diversas técnicas de processamento que podem ser utilizadas para diminuir o teor de sódio de carnes processadas, incluindo uma simples redução de sal acrescido, substituição do sódio por outros ingredientes e a realização de pequenas modificações nas técnicas de processamento para que se obtenha uma qualidade de produto similar utilizando-se menos sal.
Na criação de novos produtos, ou na alteração de formulações, é importantíssimo entender o papel básico desempenhado pelo sal na formulação. Primeiramente, no entanto, o conceito é simples: o sal mais comumente usado em formulações é o sal “de mesa”, cuja fórmula química é NaCl (cloreto de sódio). Esta fórmula indica que há um átomo de sódio (Na) e um de cloro (Cl), ligados para formar a molécula de sal mais utilizada no mundo todo. Se você se lembra das aulas de Química do Ensino Médio, vai se recordar que o átomo de cloro está na forma de ânion, o cloreto. Essa forma é mais estável e é por meio dela que o cloro está presente nas formulações de alimentos. Além disso, existem outros “sais”, como o cloreto de potássio (KCl), mas, na maioria das vezes, quando falamos de sal em formulações cárneas, referimo-nos ao cloreto de sódio. Em uma solução aquosa (como o próprio nome diz, com presença de água), como em salmoura ou mesmo injetada na própria carne, os átomos de sódio e cloreto se dissociam e formam os íons Na+ e Cl–, sendo que cada um afeta a formulação cárnea de formas diferentes. Isso se deve, principalmente, às cargas positiva e negativa contidas no sódio e no cloreto, que afetam as características de processamento da carne quando se adiciona sal. Então, conhecendo um pouco o princípio básico químico do sal, quais são os papéis que ele desempenha nas formulações cárneas?
Os papéis que ele desempenha em produtos processados envolvem formação de sabor; extração de proteínas e ligação proteica; capacidade de retenção de água; e conservação. Artigos técnicos deste site, publicados anteriormente, explicam a ação do sal nesses papéis. Dessa forma, as funções do sal não serão abordadas mais profundamente aqui; mas, a seguir, você confere uma rápida pincelada:
• Sabor – o modo como o sal afeta o sabor ainda é, de certa forma, um mistério para engenheiros químicos. Mas, correntes de pensamento em voga sugerem que o sal pode tanto potencializar quanto suprimir a percepção dos sabores. Por exemplo, sal a baixas concentrações diminuirá percepções de sabor ou amargor, mas aumentará a percepção do sabor doce, azedo ou de umami (o quinto sabor, difícil de ser descrito), que é perfeito para receitas de doces. No entanto, em altas concentrações de sal, há a supressão do sabor doce e aumento do umami, o que é muito bom para produtos temperados, como a maioria das formulações cárneas. Essa pode ser a razão pela qual há mais diferenças de sabor do que o esperado quando as concentrações de sal são diminuídas em formulações cárneas, uma vez que sabores mais doces e azedos ficam mais aparentes em formulações com menos sal. Esse é um conceito importante quando se criam produtos com menos teor de sal. Além disso, existe uma necessidade biológica aparente dos animais (incluindo os seres humanos) de consumir sal, o que explica por que os consumidores quase sempre preferem produtos que têm níveis adequados de sal. (Observação: o sal foi tão valorizado na História que a palavra “salário” é, na verdade, derivada do latim “sal”, ou “salsus”);
• Extração de proteínas – a combinação de sal e ação mecânica “extrai” determinadas proteínas das fibras musculares. Essas proteínas são normalmente referidas como solúveis em sal e agem para fabricar linguiças com uma textura mais consistente do que a de produtos feitos sem sal. São as cargas positiva e negativa associadas ao sal que propiciam a extração de proteínas. Em formulações, a substituição do sal por outros ingredientes que também têm cargas positivas e negativas, como os fosfatos, pode alcançar uma extração proteica parecida;
• Capacidade de retenção de água – uma parte da química envolvida na extração de proteínas também explica por que a adição de sal aumenta a capacidade de retenção de água e rendimentos de cozimento de produtos cárneos. Os íons carregados, especialmente o Cl–, interagem com algumas proteínas cárneas, o que que faz com que a proteína “inche”, favorecendo a permanência de mais água na carne durante seu cozimento. Além disso, a carga nos íons atrai a água e a retém durante o cozimento, melhorando também rendimentos de cozimento;
• Finalmente, a conservação é um papel importante do sal em formulações cárneas, porém não tão importante como antes devido a avanços tecnológicos em refrigeração. Mesmo assim, produtos que têm um conteúdo de sal adequado normalmente terão uma vida útil maior, já que a adição de sal eliminará ou diminuirá o crescimento de muitas bactérias.
O que pode ser feito, então, na hora de desenvolver novos produtos ou formulações para diminuir a quantidade de sódio ao mesmo tempo em que se fabrica um produto satisfatório?
1) Aumente a percepção de umami por meio de experimentações com as formulações –umami é o componente de sabor considerado mais “delicioso” e é originado, principalmente, da ação do aminoácido glutamato. Essa é uma boa notícia para processadores de carne, já que o glutamato é um aminoácido comum em alimentos feitos com fibras musculares. O aditivo alimentar glutamato monossódico (GMS) age para melhorar o sabor porque aumenta a sensação de umami devido ao conteúdo de glutamato. Existem vários ingredientes disponíveis que não o GMS com glutamato, com algumas fontes “naturais” em forma de carne ou caldos de osso, extratos de levedura, cogumelos e outros vegetais, como espinafre ou aipo. Se se objetiva diminuir os níveis de sódio, muito do sabor pode ser recuperado por meio da adição de alguns desses ingredientes;
2) Aumente o teor de gordura e diminua a quantidade de proteínas de uma formulação –uma pesquisa universitária descobriu que teores de gordura e carne em hambúrgueres de carne bovina afetam a percepção do gosto salgado, mas seus efeitos são opostos. Quando o teor de gordura é aumentado em formulações cárneas, a percepção do gosto salgado também aumenta; mas, quando o teor de carne (proteína) aumenta, a percepção do gosto salgado diminui;
3) Uso de fosfato – o uso de fosfato para se obter uma ligação e capacidade de retenção de água adequadas é outro método para diminuir o teor total de sódio em formulações. Produtos com adição de fosfatos não apresentaram efeitos marcantes na percepção do sabor salgado, mas diminuíram eficazmente a perda de cozimento, especialmente em produtos com alto teor de gordura e baixo teor de sódio. Uma textura parecida de produtos cárneos pode ser obtida com teor de sódio mais baixo quando se empregam fosfatos;
4) Uma simples redução no teor total de sal pode ser possível – em uma pesquisa com presuntos cozidos, presuntos com adição de 1,7% de sal foram classificados como salgados em comparação com os acrescidos de 2% e 2,3% de sal. Porém, eram mais salgados do que aqueles com adição de 1,1% e 1,4%. Esses pesquisadores concluíram que seria possível diminuir o teor de sal de presunto cozido a 1,7%, ao passo que ainda seria mantido o sabor salgado de presunto cozido;
5) Utilizar substitutos do sal, e, especialmente, cloreto de potássio (KCl) – cloreto de potássio é, talvez, o substituto mais comum do sal utilizado em alimentos com baixos teores de sal/sódio ou com teores reduzidos desses ingredientes. Entretanto, em misturas com proporção acima de 50% de cloreto de sódio e 50% de cloreto de potássio em solução, observa-se um aumento significativo do sabor amargo e perda de sabor salgado. Consequentemente, ao passo que o cloreto de potássio é uma opção, este pode ser utilizado apenas para substituir uma parte do sal, resultando em outros problemas. O uso de misturas de sal mineral é outra forma de diminuir o teor de sódio em produtos cárneos. A mesma percepção de sabor salgado pode ser obtida por meio de misturas de sal com um teor de sódio menor. Esses produtos disponíveis no mercado contêm vários minerais e, possivelmente, alguns aminoácidos que fornecem sabor, mascarando o sabor amargo associado a alguns minerais, ao mesmo tempo em que mantém parecidas características de processamento em relação ao uso de sal normal. Pesquisas indicam que a substituição no intervalo de 25% a 40% aparenta ser a variação na qual o impacto no sabor não é perceptível. Outros estudos sobre presuntos cozidos revelaram que a substituição em 50% com KCl conferiu mais ligação e valores sensoriais aceitáveis, enquanto que em presuntos seccionados e enformados, a troca da concentração de 30% de sal por seus substitutos não causou diferenças em termos de sabor, maciez e aceitação geral em comparação com presuntos fabricados com 100% de teor de sal. Em linguiças fermentadas, foi detectado um gosto amargo na concentração de 30% de substituição de sal por KCL, embora o produto tenha continuado sendo satisfatório até que fosse obtido uma concentração de 40%;
6) Otimizar a forma física do sal para que esta se torne mais acessível, e, portanto, haja menos necessidade do uso dessa substância – um tipo comum de sal que pode ser utilizado é o sal em flocos. Foram realizadas pesquisas fazendo uso de várias formas (sal em flocos x sal granulado) como uma técnica de diminuição do teor de sal em produtos cárneos. O sal do tipo em flocos demonstrou ser mais funcional em termos de aperfeiçoamento da ligação, aumento da extração de proteínas e melhor rendimento de cozimento em alguns sistemas-modelo. O sal em flocos se dissolve na carne mais rapidamente do que o granulado, e isso pode ser imprescindível quando não há adição de água nas formulações. Portanto, o sal granulado pode ser vantajoso em produtos nos quais não há adição de água, como os produtos curados a seco.
Existem algumas estratégias diferentes que poderiam ser incorporadas na criação de produtos cárneos com baixo teor de sódio, como a adição de aromatizantes adicionais na forma de temperos ou outros ingredientes; entretanto, essas técnicas geralmente resultam no desenvolvimento de “novos” produtos, ao invés de uma simples redução de sódio nas linhas de produtos já existentes. Profissionais do setor afirmaram que, para muitas empresas da indústria cárnea, pode ser mais vantajoso criar novas linhas de produtos que contenham menos sal e comercializá-los juntamente com os produtos já existentes para impulsionar o aumento nas vendas.
Concluindo, existem várias técnicas que podem ser empregadas para diminuir o teor de sódio de produtos cárneos; entretanto, provavelmente não há apenas uma técnica que resulte em um produto satisfatório. Consequentemente, na hora de desenvolver novos produtos ou mudar formulações, os processadores devem avaliar se faz sentido utilizar várias técnicas de diminuição do teor de sódio para obter um produto de qualidade que os consumidores comprarão.
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