Perfuração de poço para retirada de água subterrânea, em um hospital veterinário do Estado de Espírito Santo: Foto: Divulgação/José Augusto Costa Gonçalves
A crise hídrica no Brasil viveu seu ápice em 2015, mas engana-se quem pensa que o país está livre dela. O Distrito Federal, por exemplo, está em alerta, desde a segunda semana de novembro, por causa da escassez de chuvas que pode deixar parte dos 2,85 milhões de moradores sem água, nos próximos dias. Esse problema é apontado como a pior crise de abastecimento da região, nas últimas três décadas.
A situação, que é alarmante, levou a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) a autorizar a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) a estabelecer um plano de racionamento, apesar de ainda não ter uma data para os cortes no abastecimento, segundo reportagem do Huffpost Brasil com informações de agências. Em Espírito Santo, a situação não tem sido diferente, mas estudiosos apontam que a solução pode estar em águas subterrâneas não exploradas.
Professor adjunto da Universidade Federal de Itajubá (Unifei-MG), doutor em Geologia Ambiental e membro da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), José Augusto Costa Gonçalves relata que alguns raros estudos realizados, sistematicamente, por órgãos do governo federal, desde a década de 1980, apontam de forma otimista para as reservas dos recursos hídricos subterrâneos, com destaque para o norte capixaba.
“Outros novos estudos e avaliações mantêm otimistas as perspectivas para os volumes dos reservatórios de águas subterrâneas como alternativa real para a crise hídrica que assola o Espírito Santo. No Estado de São Paulo, por exemplo, 65% das cidades são abastecidas, exclusivamente, por águas subterrâneas”, destaca Gonçalves, em entrevista à equipe SNA/RJ.
Em Espírito Santo, conforme o especialista, “não existe sequer uma única cidade abastecida totalmente por águas subterrâneas, 44 têm abastecimento de águas superficiais e 34 têm abastecimento misto (águas superficiais + águas subterrâneas)”. “Contudo, as condições geológicas e hidrogeológicas mostram que é perfeitamente viável a utilização dos mananciais subterrâneos para um eficaz e eficiente abastecimento público da população capixaba.”
Segundo Gonçalves, os municípios daquele Estado, que apresentam os maiores e melhores potenciais para captação da águas subterrâneas, estão em regiões assentadas em terrenos de rochas sedimentares, ou seja, rochas muito porosas com grande capacidade de armazenamento e transmissão de águas.
“Essas regiões são as do norte e nordeste do Estado (Linhares, São Mateus, Jaguaré, Sooretama, etc.) e uma pequena porção no sul, mais precisamente nos municípios de Anchieta, Itapemirim, Presidente Kennedy”, informa.
AGROPECUÁRIA
O geólogo garante que águas subterrâneas também podem favorecer a agropecuária. De acordo com ele, a captação e utilização desse tipo de recurso hídrico, por parte dos produtores rurais, é sempre mais vantajosa pelas seguintes razões:
- Os poços podem ser perfurados próximos da sede da propriedade, próximos das lavouras, próximos dos currais, das pocilgas, do galinheiro;
- As águas subterrâneas geralmente não necessitam tratamento, podendo ser consumidas logo após a captação;
- As águas subterrâneas por estarem armazenadas no subsolo, são mais protegidas contra as diversas formas de contaminação;
- Os custos de captação das águas subterrâneas são menores que os custos de captação, adução das águas superficiais, pois muitas das vezes os rios e córregos são muito distantes e é necessário bombas mais potentes e grandes linhas de tubulações;
- O custo de um litro de água retirada de um poço é 15 vezes menor do que o litro de água retirado de uma fonte superficial, como dos rios, por exemplo.
“Os poços devem ser construídos dentro dos critérios e normas que regem esse tipo de construção. Isso porque os poços mal construídos podem desabar, os revestimentos serem rompidos e os filtros obstruídos”, pontua.
Gonçalves ressalta que a extração de água subterrânea dos poços deve ser criteriosa, ou seja, o sistema de bombeamento tem de ser dimensionado, conforme sua capacidade de produção, de tal forma que o poço não seja excessivamente bombeado e dentro de um intervalo de tempo que permita a recarga dos volumes extraídos.
EXPANSÃO DE TERRAS AGRÍCOLAS
A expansão das terras agrícolas, relata o doutor em Geologia Ambiental, também vem provocando o uso intensivo das águas subterrâneas, além da utilização habitual das fontes superficiais. “Avalia-se que existam, em todo o mundo, cerca de 270 milhões de hectares irrigados com águas subterrâneas, sendo 13 milhões desse total nos Estados Unidos e 31 milhões, na Índia.”
De maneira geral, salienta Gonçalves, “o funcionamento do uso de poços artesianos para o atendimento dos projetos de irrigação ocorrem através da captação direta dos poços, onde as águas subterrâneas são bombeadas e distribuídas para os mais diversos sistemas de irrigação”.
Conforme o geólogo, em alguns Estados brasileiros, as águas subterrâneas já são utilizadas em volumes superiores, quando comparadas com as águas superficiais no abastecimento público. “Dados mais recentes da Agência Nacional das Águas (ANA), de 2011, mostram que 47% das sedes municipais do Brasil são abastecidas por águas superficiais; 39% (2.153 municípios) são abastecidas exclusivamente por águas subterrâneas; e 14% são abastecidas por sistemas misto (água superficial + água subterrânea)”, exemplifica.
“Em tempos de déficit pluviométrico e grande irregularidade sazonal, causados pelas adversidades climáticas, a captação e utilização das águas subterrâneas para os sistemas de irrigação torna-se quase que a única opção para a manutenção das atividades na agricultura. Por isso, certamente, as águas subterrâneas podem desempenhar um papel fundamental na solução das demandas da crise hídrica.”
Por equipe SNA/RJ