O objetivo deste artigo é compartilhar sugestões e recomendações que possam agregar valor ao seu negócio, centrando-se nos riscos referentes a inocuidade alimentar e nas oportunidades de redução de custos.
Quando se concentram esforços em programas internos de gerenciamento de riscos nas plantas, com enfoque sistemático, os riscos referentes a inocuidade alimentar podem ser reduzidos ou eliminados. Este artigo não tem a intenção de sugerir equipamentos caros ou de última geração para gerenciar a inocuidade alimentar, mas sim o de ilustrar como podem ser utilizados os recursos internos já existentes na planta e estimular que se incorporem ao próprio equipamento métodos acessíveis para garantir que os produtos sejam fabricados em um ambiente inócuo e higiênico, com incidência mínima de riscos.
Construção e projeto do estabelecimento
Seja para construir um novo estabelecimento, comprar novos equipamentos ou renovar as linhas existentes, a empresa precisa ter uma meta para garantir o oferecimento de um ambiente seguro para os funcionários e inócuo para o produto voltado aos consumidores.
O recurso mais comum na indústria cárnea norte-americana são os Princípios de Projeto Sanitário e Lista de Verificação do Instituto Norte-americano da Carne (NAMI, na sigla em inglês).
Os princípios e verificações incluídos nessas listas foram feitos contemplando-se, principalmente, plantas de fabricação de produtos totalmente cozidos com o intuito de garantir que os patógenos alimentares, como a bactéria Listeria monocytogenes, não se alojem em áreas ou equipamentos do estabelecimento que não são passíveis de higienização.
Os especialistas da indústria trabalharam conjuntamente para conceber esses princípios e as listas de verificação para oferecer aos engenheiros da indústria cárnea as ferramentas necessárias para regularizar equipamentos e estabelecimentos antes de comprá-los ou construí-los, e para que gerentes operacionais, de sanitização e de qualidade revisem o equipamento existente e determinem os possíveis entraves referentes à higiene. Esse é um recurso muito recomendável, que pode ser facilmente utilizado por qualquer planta de processamento de carne.
Cada planta deve dispor de equipes multifuncionais que abarquem funcionários de vários setores para que realizem uma reunião mensal com foco nas análises de riscos. Os participantes sabem onde estão as oportunidades e podem oferecer soluções para muitas delas. Se não houver reuniões mensais com foco no melhoramento contínuo, as soluções internas nunca serão ouvidas e implementadas.
Não há nada melhor do que a equipe interna para entender do que a planta precisa!
Sanitização
Preparação de término de turno
Um exemplo de aplicação do “foco na equipe” é a pré-sanitização da área de produção antes da realização do processo de sanitização propriamente dito. Ao término do turno, ainda há muitos funcionários presentes na linha de produção, ansiosos para encerrarem sua jornada diária de trabalho.
• Como melhorar esse processo? Por meio do desenvolvimento de listas de verificação e de atribuições no final da produção e garantindo que cada membro da equipe contribuísse; a sanitização, no geral, e a eficácia do setor de desossa melhoraram bastante.
Procedimentos pré-operacionais e monitoramento da sanitização (SSOPs, ou Procedimentos Padrão de Higiene Operacional-PPHO): realização de vistorias nas áreas superiores, inferiores e interiores
Quando são feitas inspeções pré-operacionais nas áreas de desossa, a maioria dos locais facilmente visíveis está limpa. São as áreas menos aparentes que são frequentemente descuidadas. Um inspetor pré-operacional prudente fará vistorias nas áreas superiores, inferiores e interiores.
Vistoria nas áreas superiores
• Os tetos, unidades de refrigeração e vigas do teto, bem como outras estruturas, são frequentemente esquecidos. Dependendo da localização dos montadores de caixas, os misturadores de ingredientes e outros equipamentos que produzem pó, é provável que os dutos de ar, unidades de refrigeração e vigas possam acumular pó e resíduos, podendo abrigar bactérias ou até mesmo com risco de que estas sujeiras caiam nos produtos;
• quando há formação de condensação nas estruturas superiores, as bactérias podem se transportar por meio da água nas linhas.
Como melhorar o processo?
• Por meio da concepção de um Programa Mestre de Sanitização para garantir uma sanitização diária das áreas superiores, paredes, unidades de refrigeração e setores que não são limpos diariamente, é possível melhorar a sanitização geral do ambiente;
• muitas plantas têm incorporando, atualmente, unidades dessecantes para diminuir a umidade em áreas de alta umidade e reduzir, desta forma, o potencial de condensação durante a sanitização e produção;
• muitas plantas também instalaram leques no nível do teto para fazer com que o ar úmido circule, bem como o proveniente dos tanques de esterilização de facas, para evitar que o vapor se condense no teto;
• uma inovação ímpar, constatada apenas uma vez, foram dutos de escape de vapor que removiam o vapor dos tanques esterilizadores.
Vistoria nas áreas inferiores
Um bom inspetor pré-operacional precisa ser tão rápido quanto um ginasta para se contorcer e se erguer durante a inspeção do fundo e da parte inferior do maquinário do setor de desossa. As áreas que precisam ser incluídas nessa inspeção são:
• as partes inferiores e os lacres das tampas e câmaras das embaladoras a vácuo, assim como as máquinas de embalo a vácuo com filme termoencolhível não permeáveis a oxigênio. Pelo fato de essas máquinas serem normalmente mantidas bastante secas durante a sanitização, as tampas e os lacres nem sempre são sanitizados com frequência suficiente;
• as bordas, quadros de controle interno e partes inferiores dos esterilizadores, boxes de enxágue, tarjas, tábuas, suportes para funcionários e elevadores são geralmente consideradas áreas de ausência de contato com alimentos; no entanto, ficam muito próximas da carne e podem contaminar os transportadores ou funcionários, resultando em contaminação cruzada.
Vistoria nas regiões internas
Os locais de acúmulo de micro-organismos podem estar presentes dentro dos equipamentos, em áreas que se supõe que devam permanecer secas e que não são sanitizadas frequentemente ou diariamente. Algumas áreas às quais se deve dar atenção especial incluem:
• proteções da serra de fita, botões de controle das correias transportadoras ou proteções dos motores e de outros objetos de anteparo que normalmente são lacrados para que os equipamentos sejam mantidos secos durante a produção e sanitização. As variações de temperatura na sala podem causar condensação ou aglutinação de umidade dentro dos recipientes de armazenamento desses equipamentos. Os boxes, algumas vezes, se tornam locais de armazenamento de ferramentas e de outras peças. Essas áreas precisam ser constantemente abertas, cuidadosamente higienizadas e sanitizadas e lacradas de acordo com as recomendações do fabricante;
• certifique-se também de que os lacres são conservados eficaz e adequadamente para evitar a entrada de umidade no equipamento eletrônico delicado. Isso pode evitar futuros períodos de ociosidade;
• as correias transportadoras podem vir com guias na parte inferior, fazendo com que deslizem facilmente. Pode ser que essas guias precisem ser removidas, umedecidas, higienizadas, sanitizadas e substituídas com frequência;
• os interruptores e placas dos moinhos podem abrigar partículas de carne com bactérias;
• os eixos dos moinhos e dos misturadores podem ser removidos, mas a proteção dos eixos precisa ser inspecionada para assegurar que a carne não fique presa nos lacres, engrenagens ou peças;
• as máquinas de embalagem a vácuo e de extração de gás são higienizadas a seco, cobertas e frequentemente negligenciadas. As mangueiras, os enformadores internos, espaçadores de discos e armações das máquinas precisam ser sanitizados.
Verificação microbiana: ATP e coleta com cotonetes de amostragem para auxiliar na tomada rápida de decisões!
A fim de verificar com rapidez as condições de higiene na fase pré-operacional, as plantas têm utilizado cotonetes de amostragem embebidos em ATP (Trifosfato de Adenosina), que permitem que o especialista que os está analisando verifique a existência de proteínas cárneas ou bactérias após a realização da sanitização. Os cotonetes de amostragem embebidos em ATP e os dispositivos de análise que fazem a leitura das amostras estão disponíveis no mercado há cerca de 20 anos.
Medidas de higiene voltadas para funcionários
Uma das minhas histórias favoritas ocorreu em 2004, na Nicarágua, enquanto eu fornecia treinamento para estabelecimentos de abate e processamento de bovinos para atender aos requisitos de importação do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) com fins de equivalência:
• a planta de San Martín empregou um jovem cujo único trabalho era ficar parado no corredor de entrada do piso de abate e da área de desossa;
• conforme cada funcionário entrava na área, verificava-se se ele ou ela havia lavado suas botas adequadamente, se tinham lavado as mãos, incluindo a higienização das unhas, se haviam secado as mãos, se dispunham de roupas, ferramentas, avental, luvas, capacetes e equipamentos limpos e se cada funcionário estava higienicamente pronto para entrar em cada área;
• quando nossa equipe de consultores norte-americanos e representantes do Ministério da Agricultura da Nicarágua se preparava para iniciar uma visita à planta, esse jovem alertou o chefe de departamento do ministério que cuspisse seu chiclete! Aquele momento foi marcado por risos e nos lembramos que até mesmo os encarregados de hierarquia mais alta precisam de orientações de vez em quando!
Análises de qualidade
• Em vez de colocar as facas e ganchos de pendura de carne na correia transportadora durante as pausas, coloque bandejas de armazenamento debaixo da linha ou posicione ganchos a uma determinada distância da linha;
• crie um programa para identificar e recolher as ferramentas da área de corte para garantir seu retorno ao inventário. Muitas empresas têm um programa central de higienização dos equipamentos especialmente em razão disso;
• identifique peças individuais de equipamento por meio do uso de máquinas registradoras de informações, microchips ou outras técnicas para rastrear o inventário e determinar quando os objetos foram perdidos e quais deles passaram por este problema;
• para eliminar a possibilidade de que as ferramentas caiam na carne, certifique-se de projetar mesas de desossa e áreas de desossa com o objetivo de armazenar os equipamentos fora do alcance dos produtos;
• lacre todos os sistemas de detecção de metais e de raios-X e certifique-se de analisar qualquer embalagem de carne rejeitada (incluindo TODAS elas) quando for oportuno;
• implemente ações necessárias para reter o produto suspeito e investigue os problemas de provável contaminação antes que o produto seja enviado para o setor de distribuição.
Rotulagem e rastreabilidade da embalagem
Com base em incidentes históricos nos quais a planta de processamento falhou no cumprimento das regras de etiquetagem exigidas, há alguns pontos importantes a serem levados em consideração:
• o motivo mais comum para que os produtos sejam retirados do mercado norte-americano se dá por conta da presença de alérgenos nos alimentos que não apresentaram a declaração desta informação em seu rótulo. Isso pode facilmente ocorrer quando houve troca de fornecedores de ingredientes ou quando os produtos são ajustados para melhorar custos ou qualidade;
• os recalls têm ocorrido porque produtos com mais de 30 meses de vida útil foram acidentalmente enviados com a presença de coluna vertebral em cortes primários ou para comercialização no varejo, tais como pedaços de carne bovina, costelas, lombos ou bistecas de T-Bone;
• certifique-se de pôr em prática a recuperação de seu inventário, minuciosamente, analisando item por item na lista, de cima abaixo, de matérias-primas, ingredientes, gelo seco e gases, películas de embalo, caixas e até mesmo luvas descartáveis de funcionários, hastes de manejo e aventais.
Depois de ler este artigo, talvez você tenha notado que as recomendações aqui listadas não se aplicam apenas a plantas de desossa de bovinos, mas podem ser incorporadas também na maioria das plantas de processamento de carnes e de alimentos.Aguardo ansiosamente para saber quais são as melhores práticas que você emprega, seus comentários, sugestões.
Na próxima edição da CarneTec (outubro-dezembro/2016), acompanhe a íntegra deste artigo, com muitos outros exemplos oferecidos pela autora a partir de seus 33 anos de experiência no setor de carnes.
Sobre a autora
Erika L. Voogd – presidente da Voogd Consulting, Inc. (West Chicago, Illinois, EUA).Atualmente, Erika trabalha como consultora independente especializada em fornecimento de assessoria global à indústria cárnea. Sua expertise inclui “Bem-Estar Animal”, “Inocuidade Alimentar”, “Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle” e “Garantia da Qualidade, Sanitização e Cumprimento de Regulações do USDA”. evoogd@voogdconsulting.com