Aves abatidas para consumo humano devem passar pelo jejum prévio ao abate com o intuito de (a) diminuir os custos de produção ao evitar o desperdício de ração; (b) reduzir a excreção e a contaminação cruzada durante o transporte; e (c) minimizar o risco de contaminação durante a evisceração, sobretudo automática, o que poderia comprometer a inocuidade dos produtos.
A retirada de ração não é feita de forma aleatória, mas orquestrada pelas diretrizes do que o jargão da indústria conhece como Pré-Abate, contudo. A retirada de ração se refere ao tempo total no qual as aves são mantidas sem acesso ao alimento antes do abate. Contado do corte da ração em granja à pendura no frigorifico, o tempo de jejum abarca os tempos relativos ao jejum em granja, ao apanhe, ao transporte e à espera antes do abate.
O tempo de jejum deve ser suficiente para permitir o esvaziamento do sistema trato gastrointestinal das aves – SGI. No entanto, cuidado! Se o jejum for inferior a 8 horas, haverá presença de ração e excremento no SGI, consequentemente aumentando o risco de contaminação durante o abate. Por outro lado, se o jejum for superior a 12 h os intestinos estarão mais sensíveis e a vesícula biliar dilatada, aumentando as chances de contaminação durante a evisceração e da consequente condenação parcial das carcaças contaminadas, o que afetará, negativamente, o rendimento.
Além de afetar o conteúdo do SGI, o jejum tem um impacto marcante, também, no rendimento da carcaça. Quando estão em jejum, os frangos são submetidos a uma perda de peso inerente ao processo. Durante as primeiras 6 horas do sem alimento, cerca de 80% a 85% da perda de peso a que as aves vivas é causada pela excreção. Da sexta hora em diante, as aves começam a utilizar a umidade e nutrientes corpóreos, gerando uma quebra que gira ao redor de 0,25% a 0,35% do peso corporal por hora. Essa quebra, que é normalmente mais elevada em machos que em fêmeas, é originário de perdas simultâneas de glicogênio, eletrólitos, gordura, água, energia e massa muscular das aves. Qual deve ser, então, a duração do jejum a fim de que a limpeza do SGI seja máxima e a quebra de peso seja mínima?
Diversos autores concordam que o tempo total de jejum adequado gira em torno de 8 a 12 horas, já que essa “janela de tempo” propicia tempo suficiente para a limpeza do trato digestivo da maioria das aves do lote, ao mesmo tempo em que minimiza a quebra. Profissionais encarregados de desenhar o programa de jejum devem ter em mente que a “janela de tempo” não é uma regra de aplicação universal e irrestrita, mas uma referência a ser contrabalançada com as características operacionais e particularidades de cada empresa. Em razão disso, é comum ver empresas alcançando bons resultados com jejum de 7 a 8 horas, enquanto outras precisam de 12 a 13 horas para obter os mesmos resultados. Igualmente importante é ter em mente que, para que o programa de jejum funcione como planejado, as aves devem apresentar um padrão de consumo de ração estável ao longo das 48h a 72h que antecedem o apanhe. Quando ocorre uma variação brusca no padrão alimentar dos frangos dentro deste período, pode-se esperar uma variabilidade na apresentação do SGI, elevando, consequentemente, os riscos de contaminação durante o abate.
Enquanto a temperatura externa e interna do aviário, idade, sexo, estação do ano, iluminação e padrões de alimentação antes da retirada de ração influenciam a duração e os resultados do programa de jejum, as condições do pré-abate, como a hora do apanhe e a temperatura na área de espera, possuem um efeito expressivo na quebra de peso.
Durante os meses do verão, a indústria avícola geralmente enfrenta problemas de aumento da quebra de peso vivo durante o jejum devido ao fato de que as aves respondem à elevação de temperatura diminuindo a ingestão de ração e aumentando sua respiração em ritmos curtos (ofegando), o que altera o consumo de água e os perfis de perda de umidade corporal.
Vários autores concordam que frangos mantidos a temperaturas mais altas no decorrer do jejum apresentam uma quebra de peso mais elevada do que aqueles mantidos a menores temperaturas. Um experimento prático expôs cargas de frango vivo a 24oC (temperatura amena), 29,5oC (temperatura normal ou controle) ou 34oC (temperatura alta). Passadas 12 horas de espera, as aves mantidas a 34oC apresentaram as perdas de peso mais significativas, de 5,7%, em comparação com os mantidos a 29,5oC ou 25oC, com perdas de 3,9% e 3,2%, respectivamente. Além disso, aves mantidas a 34oC apresentaram rendimentos de carcaça processada expressivamente menores com base no peso inicial na granja. Essas informações coincidem com diversos registros prévios sobre o assunto.
Para minimizar o impacto das condições ambientais sobre as aves durante o jejum, consequentemente reduzindo a perda de peso a que estão sujeitas durante este período, algumas medidas simples, porém importantes, são recomendáveis:
• o apanhe das aves mais pesadas deve ser agendado para os períodos mais amenos do dia a fim de diminuir a quebra e a mortalidade;
• em temperaturas elevadas, ou nas estações quentes, utilize caminhões com ventilação, combinando o uso de pulverizadores e ventiladores quando necessário, para diminuir o impacto das altas temperaturas sobre as aves. Nos locais onde são utilizadas gaiolas plásticas, uma lona estirada sobre a carga viva bloqueia a incidência direta do sol sobre as aves;
• monitore os tempos relativos a cada etapa do processo, dessa forma mantendo o jejum como planejado e, assim, diminuindo a perda de peso, o estresse térmico e a mortalidade;
• todas as plantas devem dispor de uma área de espera para proteger as cargas antes do abate. A área de espera contribui para o bem-estar das aves, ao mesmo tempo em que minimiza as perdas por quebra de peso vivo e mortalidade. Dispor de diretrizes operacionais para orientar quando ligar ou desligar ventiladores e os aspersores oferece uma camada extra de proteção às aves;
• não se esqueça de monitorar o período de espera por carga por sua relação com o tempo total de jejum;
• conheça o que sucede na área de espera. Aja, imediatamente, quando forem detectadas anomalias.
Como pudemos observar, o jejum ideal deve buscar o equilíbrio entre o tempo que as aves permanecem sem alimento e as condições ambientais que as cercam. Portanto, um bom programa de jejum exige estreita cooperação e comunicação entre o campo e a planta. Munidos de um programa de jejum adequado, as empresas avícolas colherão vários benefícios – redução da incidência de contaminação, reprocesso das carcaças, e quebra de peso, com efeitos significativos e positivos para a qualidade, rendimento e inocuidade dos produtos.
Referências
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NORTHCUTT, J. K. “Feed Withdrawal and its Effects on Contamination and Carcass Yield” (Tradução livre: “Retirada de ração e seus efeitos na contaminação e no rendimento da carcaça”). The Journal of Applied Poultry Research. vol. 16, nº 4, p. 613-622.
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PETRACCI, M.; FLETCHER, D. L. & NORTHCUTT J. K. “The effect of holding temperature on live shrink, processing yield, and breast meat quality of broiler chickens” (Tradução livre: “Efeito da temperatura de espera na quebra, rendimento de processamento e qualidade da carne de peito de frangos de corte”) Poultry Science, maio de 2001, nº 80, vol. 5, p. 670-675.
TRAMPEL, D. W.; SELL, J. L.; AHN, D. U. & SEBRANEK, J. G. “Preharvest Feed Withdrawal Affects Liver Lipid and Liver Color in Broiler Chickens” (Tradução livre: “A retirada de ração antes do abate afeta o conteúdo lipídico e a coloração do fígado em frangos de corte”). Poultry Science, nº 84, p. 137-142, 2005.