Em 2015, cientistas chamaram a atenção para o risco de uma em cada seis espécies de animais ser extinta por causa das mudanças climáticas. Mas será que o mesmo ocorreria com plantas – mais especificamente aquelas que nos servem de alimento?
Um fato constatado é que produtores agrícolas em várias partes do mundo terão cada vez mais dificuldades para manter suas lavouras nas próximas décadas. Se não encontrarmos maneiras de proteger nossos alimentos, será que eles vão sobreviver às mudanças climáticas?
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Apesar de notícias alarmistas afirmando que alguns alimentos serão extintos, ainda não há provas concretas de que itens mais consumidos, como leguminosas, cacau, vinho, milho ou trigo deixarão de existir.”Um tipo de cultivo sozinho não deve desaparecer”, afirma Andrew Jarvis, líder do Programa de Pesquisas em Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar do CGIAR, parceria mundial para pesquisa em agricultura. “Em algum lugar do mundo haverá alguém produzindo aquele alimento.”
Mais difíceis de encontrar
Mas isso não significa que as notícias sobre o futuro de nossos pratos são apenas boas. Provavelmente teremos que mudar a maneira como cultivamos certos alimentos, à medida que algumas regiões do mundo ficam quentes demais. E algumas pessoas poderão ter dificuldades para encontrar certos alimentos.
“Mesmo que a produção de alimentos em geral não seja atingida, a segurança alimentar pode sofrer impacto”, diz Margaret Walsh, ecologista do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Ou seja, mesmo que um certo alimento ainda seja cultivado em algum lugar da Terra, nem todo o mundo terá o mesmo acesso a ele como hoje.
De maneira geral, a produtividade de muitos cultivos, desde os alimentos básicos até aqueles que dão mais sabor à vida, como o café e o chocolate, também será atingida pelas mudanças climáticas.
A forma como sentiremos essa redução vai depender do grau de aquecimento e do cultivo em questão. Mas, no geral, “qualquer temperatura acima dos 30ºC é ruim para a agricultura”, afirma Wolfram Schlenker, professor de assuntos públicos e internacionais da Universidade Columbia, em Nova York.
Segundo Schlenker, nos Estados Unidos, grande produtor de milho e soja, os agricultores podem se deslocar mais para o norte. Mas, depois de um certo tempo, a produtividade deve cair porque o solo ao norte do Estado de Iowa começa a perder qualidade – um legado da expansão glacial.
Outros estudos também revelaram um limite acima do qual a produtividade cai acentuadamente: os cultivos podem ser movidos e se adaptar, mas só até um certo ponto.
“O que todos os estudos encontraram foi que o calor extremo é prejudicial aos cultivos, apesar de a temperatura exata depender de cada plantio”, diz Schlenker. “Se as previsões para o fim do século 21 estiverem corretas, creio que várias áreas produtoras dos Estados Unidos vão ser atingidas de maneira significativa.”
Mais caros
Nas atuais condições climáticas, cerca de 4% das regiões produtoras do mundo enfrentam secas todos os anos. Mas até o fim do século, acredita-se que essa parcela chegará a 18%.
Outros estudos indicam que cultivos de hortaliças – ou seja, tudo o que não é grão ou cereal – podem sofrer um impacto mais grave, porque tendem a ficar contidos a uma área geográfica menor.
Jarvis e seus colegas descobriram que 80% das zonas produtoras de café da América Central e do Brasil poderão se tornar inadequadas para o plantio até 2050, enquanto as mudanças climáticas trarão “impactos profundos” na produção de cacau no África Ocidental. “O chocolate de alta qualidade será mais difícil de encontrar no futuro, e vai custar muito mais caro”, alerta Jarvis.
Para as pessoas mais pobres, o aumento geral dos preços significa que alguns alimentos serão eliminados de suas dietas. “Quanto mais se reduz, menor a oferta e o preço sobe mais”, lembra Schlenker.
O perigo das commodities
Outra possível dificuldade gerada pelas mudanças climáticas é a nossa dependência dos cultivos que são vendidos como commodities – trigo, soja, milho e arroz. Atualmente, eles respondem por 75% das calorias consumidas pela humanidade, direta ou indiretamente por intermédio de animais que são alimentados com esses grãos.
Jarvis e seus colegas descobriram que nos últimos 50 anos, o mundo assistiu a uma padronização cada vez maior das dietas: os alimentos consumidos globalmente hoje são 36% mais semelhantes do que em 1961.
Enquanto isso pode ser uma boa notícia para as pessoas mais pobres, que hoje consomem mais calorias, proteínas e gorduras do que no passado, a homogeneidade e a dependência exagerada de um punhado de alimentos básicos nos deixa vulneráveis a ameaças como secas, doenças e pragas – problemas que devem piorar em várias partes do mundo por causa das mudanças climáticas.
Diversificar é preciso
No entanto, há maneiras de amenizar os problemas que estão por vir. Várias empresas e organizações de pesquisa, inclusive a Monsanto e a Fundação Bill Gates, estão tentando criar sementes resistentes à seca e ao calor, pela engenharia genética e do cruzamento convencional.
Por enquanto, muitos duvidam do sucesso dessas empreitadas. “A engenharia genética é uma solução que precisamos continuar desenvolvendo, mas não será o remédio para todos os nossos problemas”, afirma Jarvis. “As provas recolhidas nos último dez anos demonstram que essa ciência ainda não revolucionou totalmente a agricultura.”
Outras estratégias também podem ajudar, em algumas regiões do mundo, como melhor irrigação, o uso de maquinário que acelerem a colheita ou melhorar o armazenamento para impedir que os alimentos estraguem.
Finalmente, também é uma boa diversificar nossa dieta, evitando depender demais de grãos sensíveis ao calor (como trigo, milho e arroz). “Assistimos a mudanças profundas em nossa alimentação nas últimas décadas muito por causa do comércio internacional, mas acredito que a tendência à diversificação vai continuar”, diz Jarvis.
“Depender de uma gama mais ampla de espécies de plantas cria um sistema alimentar mais resiliente e menos vulnerável, ao mesmo tempo em que oferece uma maior variedade de nutrientes”, conclui.