Por Pedro Eduardo de Felício, médico-veterinário, M.Sc. em Genética Animal, Ph.D. em Zootecnia, professor titular da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp
Brasileiros gostam tanto de carne que consomem bifes duros, difíceis de cortar e de mastigar, seja por falta de informação, seja para pagar menos, ou porque, de modo geral, é só o que encontram nos açougues e supermercados. Isso está mudando rapidamente. Nos grandes centros urbanos, já não é preciso procurar muito, nem gastar dinheiro em demasia, para comprar carne bovina macia, saborosa e suculenta. Diversas opções de cortes embalados a vácuo encontram-se disponíveis para escolha do consumidor.
Um século de grandes transformações
O que está ocorrendo hoje no mercado da carne é decorrente de uma evolução havida nos últimos cem anos, desde as importações de gado indiano, que vieram a constituir a base genética do rebanho de corte nacional, e da criação do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal, que deu origem ao Serviço de Inspeção Federal (SIF). Da mesma época é a instalação dos frigoríficos estrangeiros, que para cá trouxeram o que havia de mais moderno no mundo em termos de tecnologia de abate e processamento da carne em grande escala. Durante décadas, serviram de modelo para as novas construções e reformas no Brasil.
A lei de federalização da inspeção sanitária, no início dos anos 1970, desencadeou o surgimento de novos frigoríficos, que passaram a abastecer os centros urbanos de consumo. Foi assim que os consumidores se defrontaram – não sem alguma desconfiança – com as carnes resfriadas de coloração vermelha viva, que resulta da ventilação intensa nas câmaras frigoríficas. O frio industrial é condição fundamental para a introdução de conceitos de qualidade no mercado varejista.
Com o progresso na refrigeração, veio o crescente uso da tecnologia de embalagem a vácuo, que permitiu estender o prazo de conservação e viabilizou o comércio de cortes desossados embalados e a maturação da carne ao longo da cadeia de suprimentos. Ao mesmo tempo, ocorreu o desenvolvimento da genética, nutrição, manejo e defesa sanitária, que se materializou em importantes ganhos de produtividade a partir do advento do Plano Real, de estabilização da economia, em julho de 1994.
Depois de tantas transformações, era natural que surgissem iniciativas de valorização da carne por meio da melhoria de qualidade funcional, que tem por objetivo a satisfação do consumidor. É dessa qualidade que trata este artigo, que procura ser fiel ao momento vivido pelo mercado da carne no Brasil. Contudo, é preciso salientar que os números citados, sem fonte específica, são estimativas grosseiras, pois inexistem ou não foram encontrados dados publicados.
Os tipos de carne foram agrupados arbitrariamente segundo padrões compreensíveis e, parcialmente, utilizados na linguagem do setor, em: a) Extra Premium; b) Premium; c) Linha Grill, e d) Carne para o Dia a Dia, da melhor para a aceitável em termos de maciez, sabor e suculência. O restante da carne, que é a quase totalidade de tudo o que é produzido no Brasil, não atinge o nível exigido para classificação.
Carne Extra Premium
A carne de alta qualidade, Extra Premium, disponível no nosso mercado, ainda é insuficiente para atender à demanda dos restaurantes especializados em carnes, havendo necessidade de importação de um volume expressivo de cortes especiais.
A parte nacional é proveniente de uns 140 mil novilhos e novilhas ao ano. Desse total, 32 mil bovinos de genética predominantemente taurina britânica, adquiridos no Rio Grande do Sul, machos castrados, com menos de dois anos e 400 kg de peso vivo, são engordados no estado de São Paulo pela maior companhia de frigoríficos do país. No abate, as carcaças pesam cerca de 300 kg, totalizando 9,6 mil t. Considerando-se um rendimento de 70% na desossa, temos 6,7 mil t de carne desossada. Deste volume, aproximadamente 1,3 mil t dos principais cortes de carne – filé de costela, contrafilé, picanha, alcatra, filé mignon, fraldinha e maminha –, atendem os melhores restaurantes do país.
Confira aqui a íntegra do artigo do Ph.D. Pedro Eduardo de Felício, professor titular da FEA/Unicamp, na mais recente edição da revista CarneTec.