A despeito do pessimismo que marca o nosso tempo, nunca se viu tanto esforço para mover o mundo na direção do desenvolvimento sustentável. São inúmeras as iniciativas para remodelar a agenda de desenvolvimento e promover mudanças no funcionamento da economia global. Um exemplo recente está na aprovação, pela Cúpula das Nações Unidas, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Eles orientarão as políticas nacionais e globais para 2030. E, nas últimas duas semanas, a COP 21, com líderes globais reunidos em Paris, buscou consolidar um acordo para reduzir os perigos crescentes das mudanças climáticas.
A intensa mobilização por novo paradigma de desenvolvimento, que conduza a uma produção mais sustentável e resiliente, trará profundas mudanças na economia global. Economia circular, economia colaborativa, economia criativa, economia verde e bioeconomia denominam algumas dessas iniciativas de redesenho da velha economia e sinalizam o desejo de releitura do paradigma econômico baseado na concentração de riqueza, no consumo de massa e na exploração imprudente de recursos não renováveis.
O surgimento de tantas alternativas para uma economia de baixo carbono leva muitos a subestimá-las e tomá-las por modismos. Ainda que isso se revele verdadeiro para algumas delas, é fato que todas buscam respostas para a crise na relação da humanidade com a natureza. Como mudanças radicais na economia global exigem tempo, é possível que alternativas mais pragmáticas, capazes de coexistir com o atual modelo econômico, acabem por se consolidar, tornando esse modelo mais permeável às noções de sustentabilidade, finitude de recursos, redistribuição e compartilhamento.
As pressões para que tal coexistência seja aceita e praticada vêm de todos os lados: as revoluções da informação, da comunicação e da energia, as mudanças nos hábitos alimentares e na demografia estão entre as mais visíveis. Adicione-se a revolução nas relações sociais, a revolução ética e a crescente exigência de transparência radical na sociedade, que permite a pessoas e comunidades amealhar parte do poder antes restrito ao Estado e às instituições.
Já em 2030, o acréscimo de três bilhões de consumidores à classe média mundial desafiará o modelo econômico baseado em “extração de matérias-primas, fabricação, uso e descarte”. Aumentos crescentes na demanda por recursos naturais finitos nos forçarão a substituir a produção linear por um modelo circular, em que os materiais são devolvidos ao ciclo produtivo através da reutilização, da recuperação e da reciclagem. A Europa exercita a economia circular e já captura 40% dos resíduos para processamento e reutilização. Em Oslo, na Noruega, a metade da cidade e a maioria das escolas são aquecidas com energia extraída do lixo doméstico e de resíduos industriais. O modelo alcançou tanto sucesso que a cidade já importa rejeitos da Inglaterra, da Suécia e da Irlanda.
O potencial de inserção do Brasil nessa emergente economia de base biológica, circular e sustentável é nada menos que extraordinário. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que apenas os resíduos secos do cultivo de cana-de-açúcar poderiam gerar, todo ano, mais energia do que a potência instalada na Usina de Itaipu. Os resíduos da agricultura, pecuária e florestas poderiam atender ao consumo de energia elétrica do setor agrícola e gerar excedentes para o mercado.
Os sistemas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), por sua vez, se destacam no âmbito da agricultura de baixa emissão de carbono do Brasil, já inserida na moderna bioeconomia. A capacidade de as pastagens capturarem e armazenarem o carbono da atmosfera no solo, bem como cadeias produtivas associadas (carne, leite, grãos e silvicultura), permitirá ao Brasil neutralizar gases de efeito estufa na produção de alimentos, gerando serviços ambientais, créditos de carbono e bem-estar animal, projetando a agricultura brasileira como uma das mais sustentáveis do planeta.
Graças à consolidação dos sistemas integrados de produção, a Embrapa lançará em breve o conceito Carne Carbono Neutro (CCN), uma abordagem inédita para a produção de carne bovina nos trópicos, sem emissão líquida de carbono, e com sólido respaldo científico. Não há, portanto, dúvidas de que o Brasil despontará como protagonista da nova revolução econômica, por sua capacidade de contribuir para o atendimento das necessidades de uma população global crescente, mais idosa e exigente por alimentos nobres como leite, carne, ovos, peixes, frutas, verduras e legumes. Todos produzidos de forma segura e sustentável, nas dimensões econômica, social e ambiental.
Antoine Lavoisier, francês considerado pai da química moderna, notável por estudos sobre a conservação da matéria, ainda no século XVIII, pronunciou a célebre frase que tão bem anuncia a revolução econômica em construção neste início de século XXI: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
Artigo de Maurício Antônio Lopes, Presidente da Embrapa publicado na edição do dia 13 de dezembro de 2015 do jornal Correio Breaziliense.