Na safra 2014/15 encerrada em setembro, a produção de cacau de Gana caiu 18% em relação à safra anterior, para 740 mil toneladas.
Yaa Amedudzi viaja pelas estradas poeirentas de Gana graças a um programa de US$ 1 bilhão criado pelos principais produtores de chocolate do mundo para solucionar o problema mais importuno do setor.
Embora a demanda por chocolate esteja mais forte do que nunca, com mais consumidores da China e Índia comprando barras e bombons, itens anteriormente considerados de luxo, a produção de cacau está caindo. Em Gana, por exemplo, segundo maior produtor mundial, a produção caiu 18% no ano passado. Os preços subiram quase 40% desde o início de 2012.
“[Os produtores] precisam mudar a forma de cultivo”, diz Amekudzi, gestora das iniciativas de sustentabilidade de cacau em Gana da Mondelez, a fabricante dos chocolates Cadbury e dos biscoitos Oreo. Ela dá conselhos aos produtores sobre as melhores formas de separar as mudas, aplicar fertilizantes e podar as árvores para ajudá-los a impulsionar a produtividade em queda das plantações.
Instruções similares a produtores na vizinha Costa do Marfim, a maior produtora mundial de cacau, têm ajudado a gerar safras recordes, informam as empresas. Mas a produtividade média atual representa apenas 35% do que poderia ser obtido em Gana e na Costa do Marfim se boas práticas agrícolas fossem utilizadas.
O problema preocupa tanto a indústria que dez dos maiores produtores de chocolate e processadores de cacau do mundo concordaram, em 2014, em compartilhar entre eles uma série de dados confidenciais sobre práticas e produtividade agrícola.
Amekudzi tem um papel importante no próximo passo do processo. Ela visita frequentemente quase 450 vilarejos de Gana para treinar produtores e se reunir com líderes comunitários.
Ela é responsável por cerca de 25% dos US$ 400 milhões alocados pela Mondelez para o programa de sustentabilidade de cacau até 2022. Gastos com programas deste tipo estão incluídos no investimento de US$ 1 bilhão anunciado por dez grandes produtores de chocolate e processadores de cacau.
“Acredito que teremos sucesso”, diz Bill Guyton, ex-presidente da Fundação Mundial do Cacau, associação que está ajudando a coordenar o compartilhamento de informação.
A demanda global por chocolate cresceu 0,6%, para o recorde de 7,1 milhões de toneladas em 2015, impulsionada por um salto de 5,9% na Ásia, segundo a empresa de pesquisa Euromonitor International. Já a produção de cacau caiu 3,9%, para 4,2 milhões de toneladas, segundo a Organização Internacional do Cacau. Os dois totais diferem porque o chocolate não é feito apenas de cacau, entre os outros ingredientes estão o açúcar e, frequentemente, o leite.
Na safra 2014/15 encerrada em setembro, a produção de cacau de Gana caiu 18% em relação à safra anterior, para 740 mil toneladas, segundo estimativa da OIC, devido a pragas, secas e mudanças na política do governo. A safra da Costa do Marfim cresceu 2,8%, para 1,8 milhão de toneladas.
O Brasil, sexto maior produtor mundial de cacau, produziu 229 mil toneladas em 2014/15, segundo estimativa da OIC. Walter Tegani, secretário-executivo da Associação da Indústria de Processadores de Cacau (AIPC), no entanto, acredita que a produção brasileira atual possa ficar abaixo dos 210 mil toneladas devido à forte seca que vem atingindo a Bahia, maior produtor nacional, com 55% do total. Segundo Ubiracy Fonseca, vice-presidente do setor de Chocolate da Abicab, associação que representa a indústria, a demanda brasileira consome quase toda produção de cacau local. Nos últimos anos, no entanto, o consumo de chocolate vem caindo no país, devendo recuar entre 8% e 10% em 2015, segundo analistas.
Na safra mundial atual, os analistas esperam que a produção de Costa do Marfim e Gana, que são responsáveis por cerca de 60% do cacau produzido mundialmente, caia devido a problemas como a idade elevada de muitos cacaueiros, clima desfavorável e pragas.
Enquanto os preços de quase todas as commodities caíram em 2015, o cacau subiu 10%. Ele teve o melhor desempenho do índice de commodities S&P GSCI. Embora os preços tenham recuado no início do ano, a alta no longo prazo levou empresas como Hershey,Nestlé SA e Lindt & Sprüngli AG a elevar os preços de chocolate desde o início de 2014.
Os produtores na Costa do Marfim e Gana recebem um preço fixo do governo por seus grãos de cacau, o que desestimula o aumento do plantio. Além disso, os cacaueiros levam de dois a quatro anos para florescer, então a produção não pode crescer rapidamente para satisfazer um salto na demanda.
O mundo não vai ficar sem chocolate, um cenário extremo citado em alguns artigos como o “chocopalípse”. O mercado global até encerrou a última safra com um ligeiro superávit. O volume de cacau transformado em pó e outros produtos semiacabados caiu mais que a produção devido ao enfraquecimento macroeconômico geral e à desvalorização de moedas nos mercados emergentes, onde os consumidores são mais sensíveis a preços.
Ainda sim, os fabricantes acreditam que mudanças generalizadas nas práticas agrícolas são necessárias para que o setor acompanhe o crescimento da demanda mundial no longo prazo. As empresas de chocolate afirmam que os produtores podem facilmente produzir 1.500 quilos de cacau por hectare com o conhecimento, mudas e fertilizantes corretos. A produção média é hoje de cerca de 500 quilos por hectare.
A maioria dos cacaueiros da África Ocidental já passou da idade de pico de produção entre 10 a 20 anos há muito tempo. O governo de Gana estima que 40% dos pés de cacau do país são improdutivos devido à idade ou pragas. Produtores e autoridades do setor dizem que a fraca produtividade é agravada por escassez de mão de obra com a migração para as cidades.
A produção de cacau de Gana também foi afetada quando o governo mudou seu programa de subsídio, que incluía o pagamento de preços maiores aos produtores para que eles pudessem comprar fertilizantes e mudas, que anteriormente eram distribuídas pelo governo. A mudança fracassou. Muitos produtores embolsaram o dinheiro em vez de investir em suas fazendas. O governo decidiu voltar atrás no ano passado.
E ainda existe outra ameaça sombria: a mudança climática. A Costa do Marfim e Gana foram assoladas por chuvas abaixo da média do início da safra atual. E agora o fenômeno climático El Niño, que tem produzido a seca mais severa em cerca de 30 anos na maior parte da África, ameaça ainda mais a produção. “Mesmo se eles continuarem a melhorar a infraestrutura e a investir mais e mais dinheiro no sistema, nós ainda vamos estar lidando com a Mãe Natureza”, diz Hector Galvan, estrategista sênior da corretora RJO Futures, unidade da R.J. O’Brien & Associates LLC.
As fabricantes globais de chocolate também batalham contra o uso de trabalho infantil. No ano passado, um estudo da Universidade de Tulane encomendado pelo governo americano concluiu que o número de crianças que trabalham em fazendas de cacau da Costa do Marfim e Gana em condições de risco subiu 18% entre 2008 e 2014. Os dois países, em grande parte, proibiram o uso de trabalho infantil, mas admitem que é difícil monitorar. “O trabalho infantil é um problema complexo, e não há soluções rápidas ou fáceis”, diz Darrell High, gerente da divisão de cacau da Nestlé.
A Nestlé fornece material escolar, obtém certidões de nascimento para que as crianças possam se matricular em escolas e ajuda agricultores a desenvolver outras atividades geradoras de renda, como o cultivo e venda de outros alimentos.
“Precisamos quebrar o ciclo, melhorar a produtividade e os rendimentos e inspirar a próxima geração a se tornar produtores de cacau”, diz Amekudzi, da Mondelez. “Sem a próxima geração de agricultores, não haverá cacau”.