Um abatedouro instalado em um caminhão ajudará pequenos suinocultores a realizar abates respeitando padrões de sanidade e bem-estar animal. Desenvolvido pela Embrapa Suínos e Aves (SC) e pela empresa Engmaq, do Município catarinense de Peritiba, a instalação, por ser móvel, tem a vantagem de poder atender vários produtores de uma localidade e ajudará a diminuir o custo da atividade, além de oferecer segurança alimentar aos produtos que chegam à mesa dos consumidores. A tecnologia também permite que produções em pequena escala tenham legalização fiscal e possam até ser vendidas para outros municípios ou estados.
O abate dos animais é um problema de difícil solução para quem trabalha com produção em pequena escala, voltada a mercados locais e regionais. A produção de carne suína e derivados pode ser comprometida pelo alto custo de construção de instalações fixas. Outro benefício esperado pela adoção da tecnologia é a redução de procedimentos clandestinos no Brasil, uma vez que o consumo de carne de animais abatidos de maneira ilegal pode trazer sérios riscos à saúde.
É aí que a tecnologia apresenta seu maior diferencial. “Embora não garanta sozinha a solução para tais problemas, seus principais benefícios estão relacionados à saúde pública, porque proporciona o fornecimento de uma carne inspecionada e de qualidade à população”, diz o pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, Elsio Figueiredo. Ele explica que, para receber o selo de inspeção, o produtor deve cumprir normas específicas. Por isso, a tecnologia contribui para facilitar a legalização fiscal da atividade e, por consequência, proporciona o desenvolvimento socioeconômico da região de atuação, de acordo com o especialista: “Pequenos produtores, antes marginalizados, vão se apoderar de uma das etapas cruciais na produção animal e, posteriormente, o processamento”.
Em um primeiro momento, o abatedouro pode ser licenciado para inspeção sanitária estadual (SIE) ou municipal (SIM). Já para a exportação das carnes e derivados, é exigido o selo de inspeção federal (SIF), emitido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Impactos econômicos
Foram dois anos de pesquisa até se chegar à versão final do primeiro abatedouro configurado para suínos. O desenvolvimento contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação de Santa Catarina (Fapesc) e da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc).
Projetado e construído para atender às normas de inspeção do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), e já validado por órgãos sanitários dos estados de Santa Catarina e da Bahia, o equipamento pode ser configurado em versões de diferentes capacidades, sobre rodas ou estacionária. A estrutura móvel funciona dentro de um contêiner, que pode ser de seis ou 12 metros de comprimento (20 ou 40 pés).
Trabalhando em sua capacidade máxima, em uma única estrutura, é possível realizar o abate de até 19 mil suínos por ano. Utilizando índices produtivos de uma cooperativa catarinense que atua no ramo suinícola, seriam necessários cerca 390 suinocultores com 17 matrizes cada um, em um sistema de ciclo completo, para abastecer a instalação em sua configuração de maior capacidade. “Utilizando este modelo proposto na estratégia de operação, poderiam ser atendidas 78 famílias em cinco localidades beneficiadas com a implantação de um único abatedouro móvel mais suas estruturas complementares”, explica o pesquisador Figueiredo.
Os custos de implantação calculados pela Embrapa mostram que um abatedouro fixo convencional exigiria um investimento inicial mínimo de mais de R$ 1,2 milhão. Para atender os municípios no modelo proposto, por exemplo, o valor ultrapassaria os R$ 6 milhões, calculando o custo de cinco abatedouros. Já o desembolso inicial para um abatedouro móvel, incluindo estruturas complementares, totalizaria R$3,9 milhões ou R$ 785,5 mil ao dividir os custos entre as cinco localidades beneficiadas. A diferença entre os dois investimentos ultrapassaria R$ 2,2 milhões.
Outra comparação interessante é a do custo de operação. O analista Cássio Wilbert, também da Embrapa Suínos e Aves, informa que o custo de abate de um suíno em uma instalação fixa que opera uma vez por semana é de pouco mais de R$ 55. “Caso fosse utilizado um abatedouro móvel de capacidade igual ao fixo e compartilhado entre cinco empreendimentos, sua utilização quintuplicaria e, com isso, o custo de abate seria pouco superior a R$ 25 por animal”, afirma o Wilbert.
O equipamento pode ser adaptado às características estabelecidas pelos usuários e ao sistema de inspeção a que a produção será submetida. O ideal é que o sistema atenda sempre grupos de usuários. “Podem ser consórcios de produtores, cooperativas ou municípios. Trabalhamos com custos que variam de R$ 500 mil a R$ 3 milhões para arranjos de até cinco localidades, incluindo todas as estruturas complementares”, informa o diretor da Engemaq, Gerson Pilatti.
A intenção dos fabricantes da tecnologia é inscrever o abatedouro móvel no programa Mais Alimentos, uma linha de crédito do Pronaf (para produtores rurais) que financia investimentos para a modernização da agricultura familiar e para início da edificação do frigorífico, e também no Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destinado a empresas de micro e pequeno portes localizadas em qualquer região do País.
A estrutura e o fluxo de trabalho
Na chamada “área suja”, o abatedouro móvel de suínos conta com equipamento para insensibilização dos animais, mesa com calha de sangria, tanque de escalda com termostato, depiladeira e área para toalete (raspagem final dos pelos) e remoção do ouvido médio (para evitar contaminações na carne). Já na “área limpa”, de circulação restrita, há um local para evisceração e corte da carcaça além de mesa para inspeção das vísceras.
Após o corte, as carcaças seguem para a câmara fria, estrutura que pode ser móvel ou fixa. As áreas “suja” e “limpa” têm entradas exclusivas e, em cada uma delas, há uma pia para higienização. Há também esterilizadores de facas. O deslocamento da carcaça no seu interior para a câmara fria é feito por uma nória (gancho móvel que corre em trilhos no teto).
“Podemos dimensionar a estrutura de acordo com a necessidade do cliente. Além disso, todos os equipamentos necessários para esse procedimento estão instalados em seu interior e são de aço inoxidável, não contaminante, o que facilita a limpeza”, diz Daniel Galhart, engenheiro da empresa fabricante do abatedouro.
Na configuração apresentada pela Embrapa e Engmaq, a instalação tem uma capacidade de abate de 80 suínos com até 130 kg de peso vivo em uma jornada diária de oito horas, contando com sete operadores.
Estrutura de apoio
Instalado sobre a estrutura de um semirreboque, o abatedouro precisa ser tracionado por um caminhão tipo “cavalo rebocador” para ser transportado entre os pontos de produção. Esses locais devem ter uma estrutura de apoio para a operação, imprescindível para o bom funcionamento da tecnologia e para o cumprimento integral das leis e normas nacionais de licenciamento ambiental e sanitário.
O abatedouro só deve operar em terreno completamente cercado, com controle de entrada. Este local deve ter disponibilidade de água potável e energia elétrica trifásica. A entrada é controlada e dotada de sistema de limpeza e desinfecção.
Conforme exigido nas normas de inspeção, os animais devem ser alojados em currais de espera, possibilitando a realização de inspeção ante-mortem pelo fiscal sanitário. Para que os animais sejam direcionados ao abatedouro, deve existir uma seringa e um brete dotado de rampa que conduza os suínos até o boxe de insensibilização, que fica da mesma altura da mesa de sangria (também pode ser utilizada uma gaiola, que funcionaria como um elevador).
Outras estruturas auxiliares fundamentais são os vestiários e sala para o inspetor veterinário e um pequeno depósito para o armazenamento, por exemplo, de embalagens. Também se recomenda planejar uma pequena sala administrativa. Todas essas estruturas podem ser modulares, construídas, inclusive, no interior de contêineres. Isso facilita a instalação do abatedouro, influenciando diretamente o tempo de implantação.
Os dejetos e resíduos devem receber o destino adequado conforme legislação ambiental. As vísceras não comestíveis, pelos, e sangue podem ser encaminhados para a compostagem, por exemplo, e o lodo e os resíduos da higienização para lagoas de tratamento. Essas soluções são as mais fáceis e econômicas, mas outras medidas podem ser tomadas dependendo do caso.
“O importante é saber que as mesmas normas devem ser seguidas para a operação de um abatedouro fixo convencional e um móvel. Por isso, é fundamental consultar o serviço oficial de inspeção antes de iniciar o empreendimento”, alerta o técnico Idair Piccinin da Embrapa Suínos e Aves.
Outros modelos
O modelo de abatedouro para suínos também pode ser usado para ruminantes (ovinos, caprinos e bovinos), quando configurado para tal. A Bahia já aprovou o uso da tecnologia nessa configuração para operação no estado.
O segundo modelo de abatedouro móvel a ser viabilizado será o de aves. O desenvolvimento está na fase final de aprovação das plantas construtivas e na busca de recursos para a construção do protótipo. Posteriormente será feita sua validação no campo, em fase experimental. Também está sendo desenvolvida uma unidade móvel para peixes.
A pesquisa de desenvolvimento desses modelos conta com a participação de outros centros de pesquisa da Embrapa: Caprinos e Ovinos (CE); Pesca e Aquicultura (TO) e Pecuária Sul (RS).
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