Mercado interno, o grande mercado, ainda um grande desafio para as indústrias brasileiras, o mercado que consome a maior parcela de produção dos frigoríficos brasileiros de bovinos e que, em muitos casos, é deixado de lado, não conseguindo atrair a devida atenção que merece.
Já manifestei minha preocupação com esse mercado ao atual governo, diretamente ao ministro da Agricultura Blairo Maggi. Passei ao ministro uma visão geral, apontando os caminhos para fomentar a produção e, principalmente, criar mecanismos para valorizar mais as médias e pequenas empresas do setor. E uma coisa é certa: tudo que o governo intervir, seja na produção de grãos, frutas, carne, etc., atuando de uma forma intensa e incentivadora, pode apostar, o sucesso é praticamente certo.
Mas o que torna esse mercado pouco expressivo ou de segundo plano para algumas empresas é a falta de lucratividade que a operação apresenta ou, até mesmo, de clientes para consumir o tamanho da produção gerada pelas empresas. Entretanto, vamos ser bem claros: por que as grandes empresas não conseguem lucrar com o mercado interno ou até mesmo manter suas operações somente com este consumidor?
Primeiramente, porque os custos operacionais são muito altos, inviabilizando suas operações quando seus produtos se destinam somente ao mercado interno. Outro ponto muito importante é descapitalização da população e a alta taxa de desemprego do país, situações estas que forçam o consumidor a procurar outras fontes de proteína que apresentem preços mais baixos.
Mesmo com todos esses problemas, vejo o mercado interno ainda como bons olhos e tenho certeza que empresas que operarem com seus custos e despesas bem controlados, com produtos de qualidade reconhecida pelo consumidor e com total respeito ao cliente, ainda podem lucrar com as vendas para o mercado interno.
Agregar valor ao produto, agregar valor à marca, indústrias frigoríficas operando por meio do Desenvolvimento Sustentável, são ações junto ao mercado que oferecem retorno positivo nas operações. Basta apenas que pequenas atitudes internas com relação às operações e, principalmente, com foco no cliente, aumentem sua produção e seus lucros.
Mas além de incentivos, acompanhamentos, promoções e ações diretas com relação ao setor, o governo brasileiro precisa urgentemente dar a devida atenção às fiscalizações nos frigoríficos.
O mercado interno consome carne bovina de frigoríficos municipais, estaduais e federais e, claro, não podemos esquecer dos clandestinos. Mas inicialmente vamos falar apenas dos fiscalizados. Existe uma competição pelo mercado muito desigual com relação a essas empresas, principalmente no que diz respeito aos custos de operação.
As exigências são muito grandes para frigoríficos com fiscalização federal – claro que nem todos, porque sei e conheço empresas com fiscalização federal que não apresentam condição alguma para fornecer um produto com qualidade e seguro para o consumidor, mas não a maioria das empresas fiscalizadas pelo SIF.
E para mim, analisando de uma forma ampla, esse tipo de fiscalização é uma referência positiva não somente para o mercado interno, como também uma garantia para os consumidores do mercado externo. O que falta é um pouco de padronização com relação a esse tipo de fiscalização nos frigoríficos.
Em alguns estados, o SIF é mais atuante do que em outros. Em algumas unidades, o SIF é mais crítico que em outras. E isso atrapalha e confunde as atuações das empresas durante o processo produtivo e, em muitos casos, as exigências realizadas pelos fiscais são muito mais pessoais do que profissionais, e que acabam criando certo desgaste entre empresa e SIF. O regulamento é um só, as normativas são todas voltadas ao processo produtivo, o bom-senso é importante, porém, a maneira de atuar não pode ser tão diferente entre um fiscal e outro.
Quero deixar claro que sou totalmente contra o processo de terceirização da fiscalização nos frigoríficos. Sei o quanto o SIF é importante para o funcionamento das indústrias e para o status que o país apresenta hoje no mercado externo. E qualquer mudança com relação à fiscalização dos frigoríficos federais pode – e com certeza vai – fazer com que esse padrão caia, podendo comprometer a comercialização de carne bovina brasileira no mercado externo.
Frigoríficos com SIF possuem muito mais exigências em suas operações e, com isto, o custo se torna muito mais alto do que frigoríficos estaduais e municipais. E o consumidor no mercado interno é o mesmo, enquanto os preços oferecidos por essas empresas são bem diferentes. O custo de operação influencia diretamente no preço do produto final, sendo que temos um mercado que é fortemente influenciado pelo preço do produto.
Mas sei que alguns frigoríficos estaduais e municipais possuem grande influência política sobre os órgãos fiscalizadores e isto é muito ruim. E essa influência negativa resulta em um processo produtivo desigual, no qual certas empresas não precisam se preocupar, por exemplo, em manter manutenção e investimentos necessários na indústria para garantir uma operação satisfatória e, consequentemente, um produto com a devida qualidade.
Outro exemplo absurdo é que, em alguns frigoríficos estaduais e municipais, os veterinários respondem por mais de uma empresa, e me digam como ele pode fiscalizar uma operação de abate, por exemplo, em dois lugares ao mesmo tempo? Os governos federal, estaduais e municipais precisam mudar suas visões com relação ao processo produtivo dos frigoríficos. Esse assunto é sério e diz respeito diretamente à saúde pública. E hoje, no Brasil, há frigoríficos – independentemente de quem fiscaliza – que deveriam ter suas operações paralisadas imediatamente.
E não podemos esquecer os clandestinos, que atuam diretamente no mercado da carne bovina e, em alguns municípios, respondem por mais de 50% da carne consumida. Impressionante, mas é real e verdadeiro. Feiras ao ar livre, com a carne deixada ao sol, calor, livre para o contato de todos que passam pelas bancas. Miúdos bovinos, colocados em bancadas dividindo espaço com moscas e cachorros. Isso é Brasil, o país da desigualdade no que diz respeito a critérios e saúde pública.
Então, para que existir fiscalização? Um frigorífico é multado ou penalizado às vezes por conta de um azulejo quebrado, uma torneira pingando, um pedaço de gordura no chão, água com temperatura de 80 graus – e o certo é 82,2 graus –, tendo suas operações paralisadas até que o “grande” problema seja resolvido e o ego de certos fiscais seja atendido. E, em contrapartida, a carne esta lá sendo comercializada de qualquer maneira.
O Brasil é um só, e precisamos unificar e padronizar urgentemente os processos e operações frigoríficas e não vejo ninguém falando sobre isto. Esses exemplos que usei são poucos diante do que acontece no dia a dia das empresas.
O Brasil não pode, de maneira alguma, terceirizar a fiscalização dos frigoríficos, mas precisa urgentemente padronizar os processos de fiscalização no país, para promover uma competição mais igual entre todas as empresas, e atuar de forma dura e enérgica em cima dos clandestinos que ainda respondem por uma fatia bem considerável do produto comercializado no país.
Sobre o autor: Celso Ricardo Cougo Ferreira, consultor de mercado e blogueiro da CarneTec Brasil, gaúcho de Bagé, possui sólida carreira de quase 20 anos no setor industrial de bovinos, em empresas de todos os portes e tendo ocupado posições estratégicas no chão de fábrica, de supervisor de qualidade a diretor industrial.
Por Celso Ferreira – celsoricardo.cferreira@gmail.com
Fonte: CarneTec