Ariosto Mesquita (*) (ariostomesquita@globo.com)
O título, logicamente, é carregado em força de expressão, mas a verdade é que pouca gente se deu conta de que (mesmo longe de ser uma regra) a colheita da safra de soja 2016/2017 começou ainda no ano passado. Junto com ela também o plantio do milho segunda safra – antes denominado “safrinha” e hoje um verdadeiro ‘safrão’ por representar o período do maior volume de produção do cereal no Brasil.
A colheita da oleaginosa já se dá desde dezembro em áreas no Brasil Central, onde foram semeadas, pontualmente, variedades consideradas “superprecoces”, de ciclo muito curto. Nestes casos, o intervalo entre o plantio e a colheita atinge marcas incríveis, na casa de 95 dias, coisa impensável há uma década. O sojicultor esperto e antenado escalona este cultivo, distribuindo variedades de diferentes ciclos, e em períodos distintos, pelos talhões de suas terras.
As cultivares de soja de ciclo médio, que ainda representam boa parte do cultivo no País, têm este intervalo bastante variado em função de suas peculiaridades intrínsecas e características de cada região onde é utilizada. Podem ser materiais de 115/120 dias ou de até 135 dias. Portanto, o sojicultor que confiou em São Pedro e plantou cultivares ‘apressadinhas’ na segunda quinzena de setembro já está enchendo os silos ou antecipando o cumprimento dos contratos travados no primeiro semestre de 2016.
Esta correria tem uma explicação: o agricultor quer aproveitar ao máximo a janela de chuvas de verão para garantir um bom desempenho do milho. Até agora a estratégia parece ter sido bem sucedida. Pelo menos com relação à soja, o ritmo e volume pluviométricos adequados em grande parte das regiões produtoras sinalizam uma boa produtividade pra estas variedadessuperprecoces, precoces e até médias. E tudo indica que as condições climáticas ao longo do verão não trarão grandes surpresas ao milho. A conferir.
No ciclo passado (2015/2016) muita gente não conseguiu êxito neste processo de sucessão de culturas. A instabilidade climática atrasou a semeadura da soja e o milho segunda safra enfrentou estresse hídrico justamente em suas principais fases de desenvolvimento. Resultado: a queda de produtividade do cereal em relação à safra anterior foi de 24,7%.
Mas o que leva tanto a agricultura brasileira a apertar o cinto para a soja e dar uma ‘folga’ para o milho? Uma boa resposta seria o reforço considerável para o bolso do produtor, que pode apostar em duas safras ao ano e até mesmo arriscar uma terceira, de carne, caso cultive o milho segunda safra consorciado com capim, abrindo a área para pastejo após a colheita do cereal. No entanto, existem reflexões em nível macroeconômico também a serem consideradas.
Mesmo com a grande quebra no ciclo 2015/2016, o cultivo de milho em sucessão à soja representou mais de 60% de todo o cereal cultivado no País. Foram 41,1 milhões de toneladas (t) contra 25,8 milhões/t contabilizadas nas áreas de safra de verão. De acordo com estudiosos, o milho verão é canalizado hoje para abastecer o mercado interno. Já aquele originado da segunda safra fica disponível geralmente entre os meses de junho e meados de setembro, justamente na entressafra dos Estados Unidos (maior produtor mundial). Sendo assim, este é o milho brasileiro focado na exportação e que, portanto, se torna nesta época, o principal agente formador de preços no mercado internacional.
Apenas nesta análise, mesmo que superficial, é possível vislumbrar os efeitos da tecnologia originada das pesquisas agrícolas junto ao mercado de commodities e bolsas de mercadorias em todo o mundo. Em anos de chuvas regulares, será cada vez mais comum ver a colheita de soja e plantio do milho segunda safra já a partir de dezembro. Os estudos não param e novas variedades de sementes devem chegar ao mercado, encurtando tanto o ciclo da oleaginosa quanto do cereal, além de serem cada vez mais específicas para as diferentes características dos biomas brasileiros.
Apesar de eventuais riscos agronômicos que todo este processo possa carregar (assunto bom para outro escrevinhamento) ele se mostra crescente. Portanto, acredito que entidades e organizações do agronegócio devem começar a rever seus calendários de eventos. Em especial aquelas badaladas e cinematográficas (muitas vezes palanque de marketing institucional e político) “aberturas da colheita” ou “início da colheita”, sob pena de comerem barriga. Como diria o mineiro, apresentarão o fubá enquanto muita gente já estará fazendo o mingau. Pode anotar. Dentro de alguns dias você vai ouvir ou ler: “começa a colheita de soja…”.
(*) É jornalista, Especialista em Marketing e Mestre em Produção e Gestão Agroindustrial.