Foto: Ronaldo Rosa
O uso de tecnologias conservacionistas tem permitido que os solos leves – assim chamados por terem a areia como fração predominante em sua textura – passem a ser utilizados para produção de grãos, fibras, materiais energéticos, cana-de-açúcar, silvicultura e pastagens cultivadas. Áreas de solos leves, antes consideradas pouco aptas para a agricultura, atualmente, com o uso de novas técnicas agrícolas, registram aumento de produtividade, especialmente na região do Matopiba, a mais recente fronteira agrícola do País, onde 20% do território é formado por esse tipo de solo.
Com cerca de 73 milhões de hectares, que abrangem todo o Estado do Tocantins e parte dos estados do Maranhão, Piauí e Bahia, a produção na região do Matopiba saltou de 2,3 milhões de toneladas de grãos, em 2010, para uma safra aproximada de dez milhões de toneladas em 2015. Muitas dessas terras cultivadas são constituídas de solos leves que, por ocasião da abertura dessa nova fronteira agrícola, eram pouco valorizadas. Porém, a partir do uso de técnicas de manejo conservacionista do solo, vêm se tornando agricultáveis. Até então, seu uso destinava-se quase que exclusivamente ao fornecimento de pasto para pecuária e a áreas de florestas.
“Importante destacar que o plantio em solos leves com o aumento de produtividade só está sendo possível nessas áreas por causa do uso de técnicas de manejo sustentável, em detrimento das tradicionais. Caso contrário, teríamos como paisagem predominante solos degradados, com baixa produtividade, em razão principalmente da erosão e com o comprometimento dos aquíferos”, enfatiza o pesquisador da Embrapa Solos Guilherme Kangussu Donagemma.
Entre as técnicas utilizadas que permitiram o uso dos solos leves na agricultura estão o Sistema Plantio Direto (SPD), os sistemas integrados de produção, como o de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e o de Lavoura-Pecuária Floresta (ILPF) e o agroflorestal (SAF) que permitem maior produção de matéria orgânica no solo, propiciando maior disponibilidade de nutrientes e mais disponibilidade de água.
As informações estão no artigo Caracterização, potencial agrícola e perspectivas de manejo de solos leves no Brasil , resultado de pesquisa desenvolvida por especialistas da Embrapa Solos (RJ), Embrapa Agrossilvipastoril (MT), Embrapa Milho e Sorgo (MG), Embrapa Gado de Corte (MS) e Embrapa Pesca e Aquicultura (TO).
O trabalho integra o conjunto de 71 artigos que compõe a mais nova edição temática da Revista Pesquisa Agropecuária Brasileira (PAB): O solo como fator de integração entre os componentes ambientais e a produção agropecuária. A PAB é um periódico técnico-científico publicado pela Embrapa e completou 50 anos em 2015.
O artigo que descreve essas condições encerra um ciclo de atividades de pesquisa que começou em 2011. O trabalho consistiu em realizar análises detalhadas da composição dos solos leves de áreas agricultáveis, entre elas, de Guaraí (TO) e Luís Eduardo Magalhães (BA) – municípios localizados na região de Matopiba –, e também de áreas fora da nova fronteira agrícola, considerados relevantes para a balança comercial brasileira por sua importante produção de soja, cana-de-açúcar e pecuária, como Campo Verde (MT), Mineiros (GO), Chapada Gaúcha (MG), Botucatu e Pirassununga (SP), Alegrete (RS) e Correntina (BA), além da área irrigada de Petrolina, onde se destaca a produção de manga para exportação.
Potencial agrícola dos solos leves
Segundo Donagemma, que é um dos autores do artigo, os estudos permitiram ampliar o conhecimento sobre os diversos tipos de solos leves existentes no País. “As análises demonstraram que há uma variabilidade da presença do componente areia fina nesses solos, o que impacta diretamente em seu potencial agrícola, quando associado ao índice de precipitação pluviométrica nas regiões estudadas”, destaca.
Como exemplo, o cientista cita os estudos comparativos realizados entre três regiões. Na Chapada Gaúcha, região com distribuição irregular de chuvas, onde a precipitação pluviométrica anual é de 900 a 1.000 milímetros, o cultivo de soja em solos leves rendeu aproximadamente 50 sacas por hectare. Em Guaraí, onde a incidência anual de chuvas é maior, entre 1.200 a 1.400 milímetros/ano, registrou-se uma colheita de 70 sacas por hectare, e em Campo Verde (MT), onde chove mais de 1.800 milímetros por ano, o resultado foi superior a 70 sacas de soja/ano. “Portanto, os resultados estão associados, primeiramente, às boas práticas conservacionistas dos solos leves, mas também à composição desse solo e à quantidade de chuvas por ano”, complementa o especialista.
Outra conclusão apontada pela pesquisa é que há diferentes solos de textura leve, que muitas vezes têm sido tratados, por alguns técnicos e produtores, como semelhantes, em razão, nesse caso, da avaliação do solo ser apenas superficial, na camada de até 20 a 30 cm. Para a correta análise da composição desses solos é necessária uma avaliação do perfil de 75 cm ou mais.
Manejo sustentável
O trabalho dos pesquisadores, detalhado em artigo da Revista PAB, também enfatiza como boas práticas de manejo sustentável a adoção do ILPF, no qual é recomendado o plantio de eucalipto nas áreas estudadas na Bahia, por exemplo; a teca, em Mato Grosso; e a seringueira, em São Paulo.
No caso das seringueiras, quando plantadas em áreas consideradas zonas de escape para sua principal doença – o mal-das-folhas (causada por fungos), registram-se elevadas produtividades de látex. “Essas áreas de plantio se caracterizam por menores precipitação e umidade em relação aos biomas Amazônia e Mata Atlântica, onde essa doença normalmente ataca as seringueiras. Assim, nessas áreas, não há o ataque da doença, e são obtidas produtividades elevadas de látex”, exemplifica Donagemma.
Em áreas de plantio de cana-de-açúcar, o estudo observou a adoção de sistemas conservacionistas como o plantio direto e a ausência da queima dos resíduos culturais como forma de se promover a melhoria das condições físico-hídricas do solo e assim melhorar o potencial genético da cultura, sua produtividade e longevidade.
Perspectivas
Estudos sobre a composição, bem como as práticas de manejo sustentáveis para aumento de produtividade da cultura e a longevidade dos solos leves deverão ser ampliados para outras áreas da região do Matopiba nos estados do Piauí e Maranhão, segundo expectativas dos especialistas.
No artigo publicado, os pesquisadores buscaram selecionar áreas-piloto que pudessem ser extrapoladas para regiões semelhantes. Porém, nesses estados, onde as áreas de plantio em solos leves são consideráveis, o estudo ainda será realizado. Também em uma próxima etapa, a Embrapa planeja implantar sistemas de produção sustentáveis, com o plantio de novos arranjos e combinação de espécies a fim de serem testados e incentivados em razão dos benefícios relacionados à produtividade e à melhoria da qualidade do solo.
Número temático da PAB
A fim de reduzir a insuficiência de informações e as dificuldades de acesso a dados sobre solos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Embrapa estão desenvolvendo mecanismos colaborativos e permanentes que visam a organização e a sistematização dos dados existentes sobre solos e que se encontram dispersos.
É nessa perspectiva de impulsionar novos caminhos para estudar e compreender os solos brasileiros que a edição temática sobre solos se insere. O edital para a seleção dos trabalhos foi lançado em 2015, justamente no Ano Internacional do Solo, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A proposta foi agregar todas as abordagens sobre solo em uma única publicação técnico-científica que os editores da PAB temática estabeleceram como tema central “O Solo como fator de integração entre os componentes ambientes e a produção agropecuária” e, assim, a partir dele, dividiram os trabalhos em três seções, de acordo com as grandes áreas de conhecimento abordadas, e com horizontes nacional, regional e local: Solo e Planejamento do uso da terra; Solo e Produção e Solo e Ambiente.
Solo e Planejamento
Nessa seção, composta por 17 artigos, estão organizados temas que tratam da caracterização dos solos, seu potencial agrícola e manejos sustentáveis, classes e atributos dos solos e sua distribuição espacial na paisagem a partir de técnicas e ferramentas de geoprocessamento, agricultura de precisão, zoneamentos de componentes ambientais e, por último, uma contribuição complementar para o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos.
Solo e Ambiente
Com 23 artigos, nessa seção destacam-se abordagens sobre solos mais regionalizadas, como, por exemplo, estudo de casos que exemplificam o aporte de serviços ambientais nos biomas brasileiros e um conjunto de indicadores desses serviços que contribuirão para o monitoramento das alterações dos agrossistemas. O papel do solo em paisagens como Pantanal, Pampa, Cerrado; impactos das ações do homem sobre os serviços ambientais (como produção de madeira, água doce, polinização de plantas, ciclagem de nutrientes); potencial de sistemas de produção integrada como o ILPF para redução das emissões de gases de efeito estufa; impacto do uso de plantas de cobertura, entre outros.
Solo e Produção
Nessa seção, com 31 artigos, o solo é abordado como substrato para a produção agropecuária, levando-se em conta indicadores físicos, químicos e biológicos. Os temas são apresentados em escala mais local, como, por exemplo, os solos de várzea e os solos dos Tabuleiros Costeiros, ou ainda relacionada à determinada cultura, como o artigo que trata da qualidade física dos solos associada à produtividade da cana-de-açúcar; outro que aborda a disponibilidade da água e a qualidade do solo no plantio do arroz irrigado.
Para os editores técnicos, Adriana Reatto e Renato Ferreira Passos – pesquisadores da Embrapa Informação Tecnológica, Unidade da Embrapa responsável pela coordenação editorial e financiamento da PAB –, os artigos apresentados nas seções expressam o estado atual e as tendências das pesquisas nos diversos assuntos, além de sinalizarem demandas e desafios do conhecimento sobre o recurso do solo. “Agradecemos a toda a comunidade científica do Brasil, que se empenhou na construção deste importante número”, destacam os editores, lembrando que a edição contou com a participação de diversos especialistas em solo da Embrapa e de universidades brasileiras.
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