Christiano Nascif discute se o lucro ou fluxo de caixa do produtor. Leia artigo da Revista Mundo do Leite na íntegra
Um dos maiores desafios de todo produtor de leite é equilibrar as receitas com as despesas, garantindo que haja caixa suficiente para fazer frente aos custos crescentes do negócio. Principalmente, em época de recessão e crise econômica, o “caixa é o rei”. E o que é caixa para o produtor de leite? Caixa é o capital de giro, a liquidez, é o dinheiro que o produtor possui no fim do mês para pagar as despesas da atividade leiteira, e este se constitui em um dos principais desafios da atividade leiteira.
Já citamos em alguns artigos que o problema do produtor de leite no Brasil não é a falta de investimento e sim a falta de caixa no fim do mês. Via de regra, tem-se muito capital empatado em máquinas, animais, benfeitorias e terra, para pouca produção de leite mensal. Consequentemente, há baixa liquidez e menor giro de capital. Para resolver isso a curto prazo há dois caminhos: equilibrar os principais gastos, como alimentação do rebanho, e aumentar o número de boas vacas paridas no curral. Um olho nas despesas e o outro nas receitas.
Em outras palavras, quando uma empresa está em situação econômica difícil, o lucro pula para o banco de trás do carro e o fluxo de caixa passa a ser o ponto crítico, ou seja, vai para o banco da frente. Quando o momento é de tempestade, a prioridade passa a ser operar com o fluxo de caixa positivo até o mau tempo passar.
Em tempo de vacas gordas, o produtor de leite pode usar uma linha de crédito bancário, negociar prazo e condições de pagamentos com o fornecedor de concentrado, adubo, etc., para fazer frente a uma falta de caixa. Mas, no tempo das vacas magras, momento de juro alto, com a economia recessiva, como estamos vivenciando no Brasil atualmente, depender de bancos, instituições financeiras, pagar juros para fornecedor de insumos, pegar empréstimos com terceiros a custos altos, é muito arriscado. Qualquer empresário, e o produtor de leite não é diferente, tem de gerenciar muito bem as suas finanças, para evitar períodos de fluxo de caixa negativo.
Imaginem um produtor de leite que tem excesso de fêmeas jovens no plantel, pois pretende ampliar o seu rebanho para aumentar a produção de leite. Neste momento, ele tem um problema de caixa, pois, proporcionalmente, tem muito mais animais gerando despesas do que receitas e, desta forma, o caixa não fecha no fim do mês. Em tempo de estabilidade econômica, com o fluxo de caixa fraco, esse mesmo produtor usa linhas de crédito bancário de curto prazo e negocia prazo com o fornecedor, porque o crédito é barato e abundante. Porém, em tempo de recessão, se o produtor usar essa mesma estratégia poderá levar as suas vacas realmente para o brejo, porque, com o crédito caro, há necessidade de operar com o caixa positivo. Analisando os dados obtidos pelos produtores que participam do Educampo/Sebrae em Minas Gerais, percebemos que, de um total de 425 fazendas analisadas, 46 operaram com fluxo de caixa negativo neste período. Isso equivale a 11% do total dessas fazendas, portanto, fecharam com margem bruta negativa.
Quando uma empresa opera com margem bruta negativa, este ponto é chamado de “fechamento”. A empresa não está gerando receita para pagar suas despesas operacionais, que são a mão de obra, o concentrado, os minerais, os fertilizantes, etc. Não consegue pagar as despesas variáveis, muito menos os custos fixos. Se continuar dessa forma, mesmo em curto prazo, é melhor fechar as porteiras pois, sem produzir, não terá custos variáveis, somente os custos fixos. Desta forma, o prejuízo será menor.
Como a margem bruta é medida de curto prazo e não conseguimos aumentar a receita com tanta rapidez, primeiro devemos tentar diminuir os gastos operacionais. Só as despesas com alimentação confiscam em torno de 60% da receita da atividade leiteira.
O índice de desempenho receita menos custo com alimentação (RMCA) deve ser monitorado mês a mês por técnicos e produtores, para antecipar o problema de caixa antes de entrar no prejuízo. Como já dizia o meu avô, “economia se faz com dinheiro no bolso, por opção, e não quando está quebrado, aí já é por obrigação”. Esta frase quer dizer: evitar períodos de fluxo de caixa negativo.
Para reduzir os gastos com a alimentação do rebanho há que se ter estratégias. A primeira e mais importante é: nunca sacrificar os lotes do pré-parto, do pós-parto e da fase de aleitamento das fêmeas. Esses períodos são os definidores da receita de uma propriedade leiteira.
Um pré-parto bem feito, com a vaca parindo no escore adequado e bem adaptada, é essencial para que a vaca venha a ter melhor desempenho reprodutivo e produtivo. Da parição até os cem dias pós-parto, a vaca é uma verdadeira máquina de produzir leite. A prioridade neste momento é a vaca voltar a entrar no cio, para emprenhar e continuar a produzir o máximo de leite. Isso ocorre quando ela atinge o pico da lactação. Além disso, nessa fase, a vaca é mais eficiente em transformar todo o alimento em leite.
Lembrando de que vaca não “dá leite” e, sim, produz leite em resposta ao manejo e à alimentação que lhe oferecemos.
Ressaltamos que a fase de cria ou aleitamento das fêmeas é definidora do seu desenvolvimento nas fases de recria, pois interfere na sua capacidade produtiva, quando adulta, e no desenvolvimento das glândulas mamárias. Por essa razão não devemos economizar nessa etapa. Isto posto, os gastos devem ser cortados nas fases de recria e nos outros lotes de vacas em produção. Nas outras fases de recria, podemos utilizar um volumoso menos nobre do que silagem de milho e sorgo, fornecendo pastagens, capim picado, cana corrigida, palma, etc., além de menor quantidade de concentrado ou de algum substituto mais em conta. Caso seja necessário, para resolver um problema pontual de fluxo de caixa, pode-se até tirar o concentrado da dieta desses animais, principalmente se tiver forragens à disposição, em quantidade e qualidade para a recria.
Nos outros lotes de vacas em produção, a estratégia é semelhante: pode-se utilizar volumosos mais baratos, e com menor quantidade de concentrado, bem como alimentos substitutos (polpa cítrica, farelo de algodão, caroço de algodão, bandinha de soja, farelo de amendoim), conforme as ofertas regionais. O fato é que, após os 200 dias de lactação, a vaca atinge o seu pico de produção e já deverá estar com o diagnóstico de prenhez positivo. Assim, qualquer prejuízo será menor. Lembramos que volumosos em quantidade e qualidade, isto é, com alta produtividade e custos equilibrados, sempre serão o alimento de melhor custo-benefício para o rebanho leiteiro.
Essas pequenas dicas de alimentação para o rebanho são apenas ilustrativas, pois sabemos que o experiente leitor sempre consultará o seu técnico para tomar a melhor decisão relativa à nutrição do rebanho. Mas uma coisa é fato: de nada adianta ter um rebanho bem nutrido, com ótimo desempenho, maior ganho de peso, alta produtividade, pêlos assentados e úberes bonitos, se o produtor, dono dos animais, estiver com os bolsos vazios. Os animais devem trazer lucro e satisfação.
Outra medida de curto prazo para acertar o caixa é negociar, com os fornecedores de insumos os pagamentos mensais, de acordo com o recebimento do leite, sem incorrer em juros ou preços maiores. A redução dos gastos operacionais é uma medida urgente e de curto prazo, enquanto as ações que visam o aumento das receitas são medidas de médio prazo, embora não menos importantes. Todas as ações, como o descarte de vacas improdutivas, substituindo-as por animais em produção; redução da idade no primeiro parto; protocolos para equacionar problemas reprodutivos; ações para aumentar a produção e o período das lactações das vacas, devem ser precedidas de uma correta análise de custo-benefício das intervenções realizadas pelo técnico juntamente com o seu cliente, o produtor.
A questão de estrutura rebanho é fundamental para gerar um caixa positivo. Nos últimos 19 meses, com todos os dados econômicos deflacionados pelo IGP-DI, de agosto/2015, os produtores do Educampo que operaram com margem bruta e fluxo de caixa negativos tiveram a estrutura de seu rebanho da seguinte forma: vacas em lactação, em relação ao total de vacas (VL/TV), média de 74,83%, e vacas em lactação, em relação ao total do rebanho, média de 35,82%. Já os produtores que operaram com margem bruta e fluxo de caixa positivos, tiveram esta estrutura: VL/TV – 79,45% e VL/TR – 38,88%. Para estes produtores, mais animais geraram receitas quando comparados com os que operaram com fluxo de caixa negativo, de modo que o fluxo de caixa foi mais aliviado.
Nos últimos 19 meses, o gasto com a dieta do rebanho comprometeu 68,87% da receita do leite de 11% dos produtores analisados, com margem bruta e fluxo de caixa negativos. Já os outros 89%, com o fluxo e margem bruta positivos, comprometeram 59,13% da receita do leite para pagar a alimentação do rebanho, ou seja, 9,24% a menos. O saldo da receita do leite e das despesas com alimentação dos produtores negativos foi, em média, de R$ 18.303,24/mês, enquanto o dos positivos foi de R$ 28.757,55/mês, ou seja, mais sobra no caixa mensal para cobrir outras despesas.
Algum leitor deve estar pensando: mas os produtores que operaram positivamente devem ter vendido muito mais caro o leite. É verdade, nos últimos 12 meses, de agosto/2014 a julho/2015, deflacionadas de acordo com o IGP-DI, de agosto/2015, os produtores que operaram positivamente venderam o leite, por R$ 1,20/litro em média, enquanto os que operaram com margem bruta e fluxo de caixa negativos venderam a R$ 1,18/litro. Já o custo operacional efetivo, que considera somente os custos variáveis, dentre eles os gastos com alimentação, e não considera os custos fixos, ficou em R$ 1,23/litro para os negativos e em R$ 0,91/litro para os que operaram com margem bruta e fluxo de caixa positivos. Percebam que a diferença no preço do leite foi de R$ 0,02/litro para os produtores que operaram com saldo positivo. Entretanto, estes mesmos produtores produziram leite com os custos variáveis R$ 0,32/litro a menos, ou seja, o custo menor teve uma função muito mais relevante para o sucesso destes produtores do que o preço maior.
Os produtores que tiveram o custo maior, para cada litro de leite produzido, gastaram R$ 0,51 com concentrado e R$ 0,17, com volumoso. Já os produtores que conseguiram produzir com custo menor, gastaram R$ 0,41 e R$ 0,12 com concentrado e volumoso, respectivamente. Nesse mesmo período, os produtores que operaram com fluxo de caixa e margem bruta negativos obviamente não alcançaram rentabilidade, enquanto os produtores que operaram positivamente alcançaram 5,13% ao ano de rentabilidade sobre o total de capital utilizado na atividade leiteira, incluindo até o mesmo capital empatado em terra. Pode ser pouco, não garantiu uma boa atratividade, mas manteve a viabilidade econômica do negócio, e, como diz o ditado popular: “No desespero, jacaré é tronco”. Enfim, o sucesso não acontece por acaso. Em qualquer momento, gerenciar a sua atividade leiteira com eficiência é essencial para alcançar êxito, porém, em momentos de crise, os desafios são maiores. Nessa ocasião, prudência e “caldo de galinha” não fazem mal ao bolso de ninguém, bem como ter o fluxo de caixa positivo. Essas dicas, podem confiar, não falham.
Christiano Nascif é zootecnista, coordenador de assistência do Pdpl-RV e coordenador técnico do Projeto Educampo/Sebrae.
*Matéria publicada originalmente na Edição 76 da Revista Mundo do Leite, dez 2015/jan 2016.