Pós-doutorando Francys Moreira apresenta a película biodegradável
Películas finas biodegradáveis à base de substâncias naturais provenientes da agricultura e da agroindústria brasileira podem ser produzidas em menos de dez minutos por meio de um método inédito. O processo convencional costuma demorar pelo menos 24 horas e emprega aditivos para facilitar o processamento. Esses materiais, atóxicos e sem aditivos, podem ser usados para transportar compras de supermercados ou para empacotar biscoitos, chocolates, balas, entre outros produtos alimentícios. O novo produto foi desenvolvido no Laboratório de Nanotecnologia da Embrapa Instrumentação (SP).
Mediante essa técnica verde, batizada de casting contínuo, é possível fabricar folhas de plástico biodegradável em larga escala, com a transformação de formulações aquosas de substâncias naturais (como o amido e o colágeno) em películas finas de alta transparência.
Além do colágeno, é possível usar outras proteínas ou qualquer outro tipo de polissacarídeo, entre eles a quitosana – um polímero natural antimicrobiano encontrado no esqueleto de frutos do mar –, ou até mesmo amidos de diferentes fontes como o de mandioca, derivados de celulose e outras substâncias extraídas de coprodutos do beneficiamento de frutas.
Esses ingredientes, de acordo com o engenheiro de alimentos Francys Moreira, pós-doutorando da Embrapa, fazem a diferença na pesquisa, inédita no País. “Os plásticos são obtidos sem a necessidade de uso de aditivos de processamento, o que permite a obtenção de materiais atóxicos e seguros até para uso como embalagem que tenham contato direto com alimentos”, esclarece.
Além da vantagem de ser biodegradável, só com o domínio dessa técnica é possível produzir película de quitosana com elevada rapidez. Por outro processo, o tempo seria de pelo menos 24 horas. “Nossa técnica permite a obtenção de películas de proteínas e polissacarídeos, qualquer um deles, de forma muito mais rápida do que qualquer outra técnica conhecida. São seis minutos contra dias, que são gastos pelos métodos convencionais de fabricação”, afirma.
Os plásticos biodegradáveis são uma alternativa aos materiais sintéticos que, descartados na natureza, causam prejuízos ao meio ambiente, levando centenas de anos para se decompor, enquanto os chamados bioplásticos, que são obtidos de materiais naturais orgânicos, degradam-se rapidamente durante a compostagem.
Por isso, Moreira acredita que os setores agrícola, de embalagens de alimentos ou qualquer outro, podem usar essas películas biodegradáveis como uma forma de promover a sustentabilidade em seus processos produtivos.
A pesquisa
A técnica, que consiste no preparo de formulações à base de água, incorporou estrategicamente a nanotecnologia e vem sendo aprimorada no Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA) da Embrapa Instrumentação (SP), sob a coordenação do pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso.
Argilas sintéticas comestíveis com dimensões nanométricas, também conhecidas como hidróxidos duplos lamelares (HDL), podem ser usadas para maximizar o desempenho mecânico das películas biodegradáveis, ou o modo como a estrutura do material se comporta. “A argila é o que expande a resistência mecânica desses bioplásticos a um nível que proteínas e polissacarídeos não conseguem alcançar sozinhos”, explica Moreira.
No desenvolvimento de plásticos biodegradáveis, polissacarídeos são incorporados com um HDL específico utilizando o processo casting contínuo, que é inédito no mundo na preparação desses materiais.
Os recursos da pesquisa são do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) por meio da rede SisNANO, sistema de laboratórios multiusuários que o LNNA passou a integrar em 2013, quando se tornou um dos oito laboratórios estratégicos para o País.
Aprendizado
A Embrapa Instrumentação já vinha desenvolvendo estudos há 20 anos com polímeros naturais, como amidos termoplásticos, polímeros à base de zeína, quitosana, entre outros, como forma de inovar e agregar esses novos materiais no agronegócio brasileiro.
Graças a uma parceria entre a Embrapa e o Serviço de Pesquisa Agrícola dos Estados Unidos (ARS, sigla em inglês), Moreira teve a oportunidade de aprimorar a técnica com a colaboração dos pesquisadores norte-americanos Tara McHugh, Roberto Bustillos e Donald Olson.
Os trabalhos envolvendo nanotecnologia também receberam apoio do pesquisador David Britt, que pertence ao The Molecular Foundry do Lawrence Berkeley Laboratory, também dos Estados Unidos.
Os cientistas americanos têm utilizado a técnica para produção de outros materiais, como plásticos comestíveis feitos a partir de purê de frutas. Mas Moreira explica que o aprimoramento e a expansão da técnica para a produção de plástico biodegradável é um tema inédito no Brasil e nos Estados Unidos.
Potencial do amido
Conforme explica Moreira, há um potencial enorme para o emprego da técnica na produção de filmes plásticos biodegradáveis para embalagens de alimentos a partir de materiais naturais ou coprodutos do agronegócio brasileiro.
O amido, um polissacarídeo, é apontado como uma promessa no setor mundial de plásticos biodegradáveis. Além da biodegradabilidade e do baixo custo de produção, o amido pode ser utilizado para produção de sacos de lixo e outros produtos descartáveis.
Mas, de acordo com Moreira, os plásticos biodegradáveis de amido têm sido desenvolvidos em larga escala por técnicas de processamento, como a extrusão. “Esta rota envolve obrigatoriamente a aditivação do amido com outros compostos, como o glicerol, que melhoram o processo de produção, porém acabam prejudicando as propriedades do produto final, sendo que os plásticos obtidos, na maioria dos casos, não possuem excelente qualidade estética e nem desempenho mecânico comparável aos plásticos derivados do petróleo disponíveis no mercado”, explica.
A técnica dominada na Embrapa Instrumentação supera essas limitações dos plásticos de amido obtidos por extrusão, porque são desenvolvidos sem a necessidade de aditivação e possuem aparência e propriedades mecânicas bastante satisfatórias. As películas biodegradáveis de amido são similares aos filmes de PVC plastificado e às sacolas plásticas.
Resultados
Os pesquisadores brasileiros Moreira e Mattoso lembram que, embora do ponto de vista científico e tecnológico os resultados já estejam bastante avançados, ainda há um caminho a ser percorrido para transformar a pesquisa em produto, que envolve processos de transferência de tecnologia e modelos de negócios a serem estabelecidos.
“Nesse momento, o importante são os resultados obtidos pela pesquisa, como o domínio da técnica em relação à produção de plásticos biodegradáveis, com controle de espessura altamente preciso e com uma faixa extensa de propriedades mecânicas a partir de qualquer tipo de polissacarídeo”, detalha Moreira.
Outra conquista apontada por ele é o aproveitamento total dos potenciais da nanotecnologia como forma de estender ainda mais o desempenho mecânico desses materiais.
Embrapa