Pesquisas realizadas pela Embrapa Agrobiologia (RJ) mostram que a fixação biológica de nitrogênio (FBN) – processo realizado por alguns microrganismos que promovem nutrição nitrogenada das plantas – pode contribuir para a redução das emissões atmosféricas de óxido nitroso (um dos gases de efeito estufa) em lavouras de grãos e cana-de-açúcar. Experimentos feitos na Bahia com bactérias fixadoras de nitrogênio na cultura do milho revelam que, além de acréscimo de produção, os microrganismos contribuem para uma maior eficiência do fertilizante. “Foi possível reduzir pela metade a dose de fertilizante aplicado e consequentemente reduzimos as emissões de gases de efeito estufa”, afirma o pesquisador Bruno Alves, da Embrapa. No Rio de Janeiro, em experimentos com cana-de-açúcar, as bactérias levaram ao aumento de produção e evitaram uma emissão estimada em 1.300 kg de CO2 equivalente por hectare.
Alves explica que a emissão de GEEs das lavouras está diretamente associada à adubação nitrogenada. As plantas utilizam menos de 50% do fertilizante aplicado. “Isso significa que, na maioria das vezes, aplica-se pelo menos o dobro de nitrogênio necessário para o crescimento e produção da planta”, revela. O que não é absorvido fica no solo ou se perde para a atmosfera.
Nessa situação, as perdas gasosas de nitrogênio (N) mais preocupantes são a volatilização de amônia e de óxido nitroso (N2O), um gás com poder de aquecimento atmosférico de aproximadamente 300 vezes o do gás carbônico (CO2). “Uma das soluções para reduzir essas emissões é aplicar menos fertilizante nitrogenado nas lavouras, mas isso tem que ser feito sem prejudicar a produção”, explica o pesquisador. Para isso, é importante aumentar a eficiência com que a planta utiliza o fertilizante.
As pesquisas indicam algumas possibilidades, como a fertilização parcelada e o uso de produtos de eficiência aumentada, que liberam lentamente o nitrogênio. Misturar ao fertilizante inibidores dos processos biológicos que geram perdas de nitrogênio em formas gasosas também é uma alternativa. “Se o fertilizante é mais bem aproveitado pela planta, o que fica disponível para perda é menor, e com isso as emissões de N2O se reduzem. Mas não são ações simples, uma vez que questões de caráter prático e econômico podem inviabilizá-las”, comenta a pesquisadora Cláudia Jantalia, que avalia a eficiência de alguns fertilizantes mais utilizados nas lavouras e as emissões de GEE.
FBN e a nutrição das plantas
Estudos da Embrapa Agrobiologia revelam que a forma mais direta e mais barata para a redução das emissões de N2O nas lavouras pode ser conseguida com a maior participação da fixação biológica de nitrogênio na nutrição da planta. A FBN é um processo bioquímico natural realizado por bactérias, que conseguem tirar o nitrogênio do ar e o fornecem diretamente à cultura fazendo a fertilização do sistema. A tecnologia da inoculação de plantas, já conhecida pelos agricultores brasileiros, permite maximizar este processo aumentando a quantidade de bactérias que vão atuar no vegetal.
No Brasil, essa tecnologia é bastante comum entre os produtores de soja e permite que mais de 80% do nitrogênio que o vegetal precisa para crescer venha da FBN, representando grande economia em fertilizantes. Mas a questão não é só econômica. “Se a FBN não fosse tão eficiente na cultura da soja, cerca de 250 mil toneladas de N2O teriam sido emitidas para a atmosfera com a safra de 98 milhões de toneladas de grãos de 2015, se levarmos em conta a quantidade de fertilizante nitrogenado que teria que ser aplicada na cultura em lugar da FBN”, acrescenta Bruno Alves.
O processo ocorre em todas as culturas, mas no caso das espécies leguminosas, como soja e feijão, as plantas conseguem obter a maioria do nitrogênio necessário para crescer e produzir por meio da FBN. O mesmo não acontece com as gramíneas, como milho, trigo e cana-de-açúcar, nas quais a contribuição da FBN varia bastante em função da localidade e variedade utilizada. “Alguns resultados são muito positivos e, se reproduzíveis, poderiam ter grande impacto na mitigação de GEEs”, relata Verônica Reis, pesquisadora especialista em FBN em gramíneas.
Em experimentos conduzidos no Rio de Janeiro pela pesquisadora em lavouras de cana-de-açúcar, variedade RB867515, as bactérias contribuíram para que a planta inoculada alcançasse ganhos de produção de colmos próximos daqueles obtidos com aplicação de 120 quilos por hectare de fertilizante nitrogenado. “Considerando as emissões de GEE, cada tonelada de colmos de cana produzida com a fertilização significaria uma emissão de aproximadamente 1.300 kg de CO2 equivalente por hectare, o que foi evitado com o uso do inoculante”, explica Bruno Alves.
Produtividade da cana-de-açúcar fertilizada com nitrogênio ou tratada com inoculante bacteriano, obtida de três estudos de campo, e as emissões de CO2 associadas à quantidade de fertilizante aplicada e ao inoculante. Compilação feita por Bruno Alves a partir de estudos realizados pela equipe da pesquisadora Verônica Reis.
O pesquisador Segundo Urquiaga explica que o estudo não produziu resultados semelhantes com outras variedades de cana. Para ele ainda é necessário continuar as pesquisas para entender a relação planta-bactéria, no caso da cana e do milho, de forma a aumentar a consistência dos resultados positivos com a inoculação e assim recomendar a redução da fertilização nitrogenada nestas culturas.
Mesmo assim, Urquiaga ressalta que o uso dos microrganismos é vantajoso e pode reduzir as emissões de GEE nessas culturas. “Várias dessas bactérias produzem hormônios que estimulam o crescimento das raízes, fazendo com que a planta consiga absorver melhor o fertilizante nitrogenado aplicado. E se ela absorve melhor, de forma mais eficiente, é possível diminuir a dose”.
FBN nas lavouras de milho
Num outro estudo, realizado no Cerrado baiano, os pesquisadores compararam lavouras de milho com e sem o uso das bactérias fixadoras de nitrogênio. Além do acréscimo de produção, os microrganismos contribuíram para uma maior eficiência da absorção do fertilizante nitrogenado. “A eficiência aumentou de 24% para 50 a 58%, dependendo da estirpe inoculada nas plantas, possibilitando uma redução da dose de fertilizante aplicado em até 50%”, explica o pesquisador Bruno Alves.
Alves ressalta que é preciso entender o conceito de intensidade de emissão, que é a quantidade de gás emitido por unidade de produto para compreender os benefícios da FBN. “Mesmo quando a dose de fertilizante não é reduzida, ou seja, as emissões de N2O se mantêm, a inoculação com bactérias surte efeito em aumento de produtividade, vai ter menos emissão de GEE por produto, por tonelada de milho produzida, por exemplo”, destaca. O estudo do Cerrado baiano com a cultura do milho exemplifica bem o caso em que a intensidade de emissão foi reduzida em 24%, uma vez que foi possível produzir mais com a mesma dose de ureia quando a planta estava inoculada.
Estudo desenvolvido na região de cerrado do oeste da Bahia. Efeito da aplicação de inoculantes, com diferentes estirpes de Herbaspirillum seropedicae, sobre a produtividade de milho fertilizado ou não com ureia, e na intensidade de emissão de GEE em equivalentes de CO2(emissões de CO2 por tonelada de grãos produzida).
Novos rumos da pesquisa
O pesquisador Robert Boddey complementa que existe uma demanda global para produção de alimentos, que vai aumentar de acordo com o crescimento da população até 2050, e que será necessário produzir cada vez mais grãos. Assim, ele ressalta que será muito importante ter incrementos de produtividade sem aumentar as emissões. “Atualmente, o foco da pesquisa é esclarecer quanto do efeito deve-se ao processo de FBN, ou se houve estímulo para maior desenvolvimento das raízes e, com isso, maior aproveitamento do fertilizante aplicado. Provavelmente, os dois processos ocorrem”, reforça Boddey.
A pesquisa busca agora consolidar os conhecimentos para saber o quanto as bactérias são capazes de contribuir para a economia de fertilizantes nitrogenados no milho e na cana-de-açúcar. As duas culturas juntas são responsáveis por cerca de 70% do fertilizante nitrogenado usado nas lavouras do País.
Na cultura de cana, as bactérias nativas associadas às plantas já vêm contribuindo significativamente para a nutrição nitrogenada da cultura, o que repercute na baixa resposta da cultura à adubação nitrogenada. Mas os estudos estão voltados para aperfeiçoar a ação das bactérias na cultura pelo uso de inoculantes. Para a cultura do milho, os resultados são animadores no que se refere à promoção do crescimento da cultura, seja pela FBN ou por estímulos ao crescimento das raízes.
Ana Lucia Ferreira (16913/RJ)
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