Um estudo realizado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com a Embrapa, obteve um inseticida natural à base de extrato (suco) retirado das folhas do sisal (Agave sisalana) que se mostrou eficaz contra as larvas do Aedes aegypti, mosquito transmissor de doenças como a dengue, zika e chikungunya. O produto ataca o intestino das larvas, levando-as à morte em menos de 24 horas.
Segundo a vice-diretora do Centro de Biotecnologia da UFPB, Fabíola Nunes, coordenadora da pesquisa, os ensaios biológicos constataram a morte de larvas a partir da dosagem de quatro mililitros de suco de sisal para cada 100 litros de água. “Testamos em larvas e obtivemos um resultado promissor, com 100% de mortalidade na fase larval, que é a fase aquática”, relata. “Fizemos também testes nas outras fases do inseto (ovo, pupa e mosquito adulto), mas o produto não tem efeito. Acreditamos que isso ocorre porque na fase de larva o inseto se alimenta da solução e provavelmente morre por ingestão do produto, pois verificamos que havia necrose nas células intestinais das larvas”, acrescenta.
Larva viva à esquerda e larva eliminada pelo extrato do sisal à direita.
Fabíola começou a pesquisa durante o doutorado na UFPB em 2012. “Eu estava testando outras substâncias para as larvas do Aedes aegypti quando a Embrapa solicitou nossa parceria para que o suco do sisal fosse testado em carrapatos e lagartas. Testamos em larvas e obtivemos um resultado promissor”, conta.
O suco do sisal possui vários compostos orgânicos, com destaque para as saponinas, que podem causar toxidade, irritação e até morte de carrapatos, lagartas de determinadas espécies e outros insetos. Conforme a pesquisadora, os testes mostraram que, se diluído nas proporções recomendadas, a ingestão ou o contato do suco com a pele não causa nenhum tipo de dano para animais como camundongos e ovelhas. “Nos testes iniciais, já verificamos que não é tóxico para animais de laboratório. Precisamos fazer mais testes para determinar a toxicidade para outros animais,” informa.
Os próximos passos serão realizar os estudos para que o produto seja disponibilizado para as pessoas de forma segura e com instruções bem detalhadas. “A pesquisa ainda precisa responder a algumas questões como: por quanto tempo o produto mantém o efeito; qual é o seu mecanismo de ação; e qual a melhor maneira de disponibilizar o produto no mercado”, afirma Fabíola. Umas das possibilidades de aplicação é utilizar o extrato de sisal em pó para ser diluído em recipientes de água parada. Ele poderia ser utilizado em alternância com outros larvicidas disponibilizados pelo Ministério da Saúde. A pesquisadora explica que a alternância de produtos de diferentes mecanismos de ação é uma estratégia adotada para que o inseto não adquira resistência ao produto.
Eficácia contra lagartas e carrapatos
As propriedades inseticidas do suco de sisal já eram conhecidas no meio científico, mas havia uma grande limitação prática: o produto precisava ser aplicado imediatamente após a coleta porque fermentava em poucas horas. Em 2010, a Embrapa Algodão iniciou o estudo da viabilidade econômica do uso do suco do sisal para a produção de bioinseticidas. “Um dos resultados mais importantes da pesquisa foi conseguir a estabilização do suco, evitando que ele entrasse em processo de fermentação. Sem nenhum tratamento, o suco deteriora cerca de cinco horas após a extração e nós conseguimos mantê-lo estável por até 30 dias”, explica o pesquisador da Embrapa Algodão, Everaldo Medeiros.
Outro resultado da pesquisa foi a obtenção de um extrato concentrado em pó do suco do sisal, que permite conservá-lo por longo período sem perder suas propriedades. O extrato em pó demonstrou eficácia contra lagartas do algodoeiro e da soja e carrapatos bovinos. O produto em pó é obtido após a retirada de toda a água do suco pelo processo de concentração chamado liofilização, de forma similar ao que ocorre com leite e café, que consiste na desidratação de substâncias em baixas temperaturas transformando-o em material sólido de fácil conservação.
“A vantagem do extrato em pó do suco de sisal é que ele pode ser reconstituído por diluição em água, o que facilita a aplicação, e ainda conserva as propriedades do material original”, afirma Medeiros.
A pesquisa inicial do suco de sisal com propósito de bioinseticida foi desenvolvida em parceria com o Sindicato das Indústrias de Fibras Vegetais do Estado da Bahia (Sindifibras), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia (SECTI) e Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
“O material utilizado pela pesquisa na UFPB foi o produto liofilizado e o suco congelado estabilizado preparados pela Embrapa durante as fases de teste contra as larvas do mosquito Aedes Aegypti“, diz Medeiros.
O pesquisador enfatiza que, por enquanto, o produto ainda não está disponível para a população por ser objeto de estudo e ainda necessitar de aprovação pelos órgãos regulamentadores no país. “Tanto a universidade como a Embrapa dispõem do material apenas para fins de pesquisa em pequenas quantidades para os testes que são realizados. As pessoas devem estar atentas para o fato de que a manipulação do suco sem o processo técnico correto poderá não trazer efeitos de mortalidade das larvas,” alerta o especialista.
Aproveitamento dos resíduos do sisal
O sisal é cultivado principalmente na Bahia e na Paraíba e tem uma gama de aplicações que vai desde a confecção de fios, cordas, tapetes, sacos, vassouras, artesanatos, acessórios e o uso como componente automobilístico. O principal produto do sisal é a fibra extraída das folhas, mas grande parte da planta ainda é desperdiçada. A fibra equivale a somente 5% do peso das folhas e o restante da produção tem pouco uso. Em torno de 80% da folha do sisal é composta por suco que pode ser extraído para combater o mosquito e 15% por mucilagem, que normalmente são despejados no campo.
“Por um lado, a pesquisa visa mostrar que parte desse suco é viável economicamente como inseticida e, por outro lado, desenvolvemos equipamentos que tornaram possível o aproveitamento dos resíduos sólidos como mucilagem para alimentação animal”, informa o pesquisador da Embrapa Algodão, Odilon Reny Ribeiro.
Um desses equipamentos é a peneira rotativa que permite a separação das fibras longas (bucha) da mucilagem para alimentação de ovinos e bovinos na região semiárida. A tecnologia evita a morte dos animais ruminantes por timpanismo, uma doença provocada pela ingestão de materiais que não conseguem ser digeridos pelos animais, como a bucha do sisal.
Por ser rico em açúcares, nutrientes e outros compostos, o sisal também vem despertando o interesse de pesquisas para obtenção de substâncias de maior valor agregado como defensivos naturais, edulcorantes (adoçantes naturais), nanocelulose e celulose bacteriana (um tipo especial de celulose com várias aplicações em pesquisas biomédicas, desde a pele artificial para queimados até a engenharia de órgãos).
Edna Santos (MTb 01700/CE)
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