Em uma manhã da semana passada, tomei café com um representante do mercado chinês, um brasileiro muito influente junto ao governo chinês, em Sapiranga, aqui no Rio Grande do Sul, e ele simplesmente abriu o jogo falando da falta de atenção por parte do Brasil para abrir, de uma forma realmente significativa, o mercado chinês para a carne bovina nacional. Esse representante não é apenas ligado à parte comercial, mas sim um profissional que se coloca à disposição do Brasil para abrir novos mercados na China e também a intermediar junto ao governo chinês missões que podem vir ao Brasil habilitar novas unidades frigoríficas para fornecer carne àquele país. Esse amigo intermediou conversas com a então ministra da Agricultura Kátia Abreu, se reuniu com várias empresas brasileiras que demonstraram interesse, mas que infelizmente esbarrou em interesses pessoais de terceiros.
Quem são os maiores vendedores de carne bovina para a China? Austrália em primeiro lugar quanto a volume; Uruguai em segundo lugar, exportando tanto carne desossada como carne com osso; Argentina, com sua carne mais barata, mas mesmo assim exportando bem para aquele país. E todos esses países mantêm pessoas na China constantemente, fazendo o tão falado marketing comercial que tanto faz a diferença e que o Brasil só faz por meio de uma ou outra interlocutora, beneficiando somente as maiores empresas brasileiras.
O Brasil ainda apresenta uma falta de percepção muito grande para promover o produto “carne bovina” tanto no mercado interno como no externo. Nós exportamos para a China um volume bem interessante de carne, sim, mas os produtos mais comercializados são: shin/shank (músculo) e brisket (peito bovino), mas e o resto dos produtos, como ficam? Só no quarto-traseiro, temos em média 14 cortes. O chinês consome em média 5,5 kg de carne bovina e existe uma perspectiva de que esse total aumente em 2 kg em cinco anos, ou seja, vai passar para mais de 7 kg de carne bovina por ano, aumentando em 36% o consumo do produto naquele país e em US$ 1,5 bilhão a arrecadação. E quem poderá, além do Brasil, suprir esse aumento de volume importado pelos chineses? Na realidade, não vejo ninguém a não ser o Brasil capaz de abastecer o mercado da China, até porque os Estados Unidos, com rebanho de mais de 100 milhões de cabeças, possuem um embargo militar com aquele país e, desta forma, não serão adversários comerciais para o Brasil.
Mas o governo brasileiro parece que não quer isso, por incrível que pareça. O nosso país está privilegiando somente algumas empresas, com medidas que acabam por esconder o mercado chinês das demais empresas de porte menor. Esse tipo de atitude faz com que o que pode ser muito bom, se torne apenas atraente, devido à falta de promoção junto às demais empresas, que acabam por não ter informações reais do mercado chinês, que hoje é um dos melhores mercados mundiais no que se refere a preço pago por kg de carne. Na realidade, o governo chinês abriu as portas para a carne brasileira, e não foi apenas para algumas empresas como tem acontecido, mas para todas as empresas que se mostrarem capazes de atender aquele mercado tanto em volume como em qualidade.
Já publiquei vários artigos com referência a esse problema, já enviei várias mensagens para o atual ministro da Agricultura sobre a necessidade de se fomentar as médias e pequenas empresas frigoríficas no Brasil, que podem atender o mercado chinês tanto em volume como em qualidade, sem falar nos benefícios para a economia brasileira. Mas tudo parece que esbarra em interesses pessoais, parece que ninguém está preocupado com o Brasil verdadeiramente.
Na China, existe uma rede de churrascarias brasileiras (17 unidades) que trabalha somente com carne australiana. Uruguaios, argentinos e australianos realizam reuniões com pessoas do governo chinês nas churrascarias brasileiras comendo carne australiana. Não preciso dizer mais nada.
Se tivéssemos uma verdadeira preocupação com o Brasil por parte dos governantes – vamos nos ater a estes –, que são quem realmente poderia abrir as portas comerciais para todas as empresas brasileiras de forma igualitária, aí sim as empresas poderiam melhorar suas condições financeiras e se organizar de uma forma mais concreta em seu planejamento e sua lucratividade, distribuindo significativamente seus custos operacionais e se tornando, assim, mais sólidas no mercado e mais competitivas.
O Uruguai possui todas as suas plantas habilitadas para a China. Por que o Brasil não? Por que o Brasil só tem as grandes empresas habilitadas para esse mercado?
O mercado da China esta aí, aberto para todo o mundo, e o Brasil possui todas as condições para ser o maior exportador de carne bovina para aquele país, tanto em volume, produtos, quanto em valores. Mas precisamos abrir de uma forma igual esse mercado para todas as empresas, e hoje não é o que está acontecendo. O mercado chinês, na realidade, está sendo escondido das empresas brasileiras por brasileiros.
Sobre o autor
Celso Ricardo Cougo Ferreira, consultor de mercado e blogueiro da CarneTec Brasil, gaúcho de Bagé, possui sólida carreira de quase 20 anos no setor industrial de bovinos, em empresas de todos os portes e tendo ocupado posições estratégicas no chão de fábrica, de supervisor de qualidade a diretor industrial.
celsoricardo.cferreira@gmail.com